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A saúde mental e o fim dos manicômios

Em palestra na EPSJV, representante da Secretaria Municipal de Saúde e ex-interno da Colônia Juliano Moreira falam sobre a desinstitucionalização dos pacientes com transtornos psiquiátricos
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 06/07/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Alexander Ramalho O programa de desinstitucionalização da assistência psiquiátrica (processo de transferência dos pacientes internados nos hospitais psiquiátricos para unidades comunitárias especializadas) no Rio de Janeiro foi tema da palestra de Alexander Ramalho, gerente de Atenção Psicossocial da Coordenação de Saúde Mental, vinculada a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil. No evento, realizado no dia 1° de julho na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Ramalho falou sobre o trabalho do poder público no sentido de fornecer um tratamento adequado para os pacientes com transtornos psiquiátricos, principalmente para os usuários de longa permanência dos hospitais. Segundo ele, a Reforma Psiquiátrica vem causando uma mudança de paradigma sobre o tratamento na área da saúde mental no Brasil, com a substituição da lógica da internação – muitas vezes involuntária e de longa duração – por uma mais focada na recuperação e reinserção dos pacientes ao convívio social.



“Precisamos substituir o modelo asilar por um modelo em que os pacientes mantenham seus laços sociais” afirmou Ramalho, completando. “Hoje isso está sendo feito por meio de uma política baseada na substituição dos hospitais psiquiátricos por um modelo de cuidados contínuos, articulado à rede primária”. De acordo com Ramalho, o programa tem duas frentes: a clínica e a política. “Na área clínica, a direção do trabalho dos médicos e funcionários da saúde deve ser norteada pela singularidade do sujeito, de modo que eles sejam protagonistas do tratamento e possam participar da sociedade. Na política, precisamos de pactuações coletivas e institucionalizadas no âmbito do Legislativo, Judiciário e Executivo”.



Demanda por investimentos



Ramalho ressaltou que o novo modelo demanda investimentos na ampliação da rede de serviços, que inclui os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs), Centros de Convivência e Residências Terapêuticas (RTs). “Isso está muito aquém do que deveria. Hoje há uma grande variação na disponibilidade de serviços nas diferentes áreas do Rio de Janeiro, e quem trabalha com saúde mental precisa levar isso em conta” afirma. De acordo com números da Coordenadoria de Saúde Mental, hoje cada Caps do município atende de 500 mil a 800 mil habitantes, sendo que o Ministério da Saúde recomenda que cada unidade seja responsável por atender no máximo 200 mil.



Ramalho afirma que a demanda por atendimento nos Caps da cidade vem aumentando desde 1997, ano em que passaram pelos centros 209 pessoas. “Hoje nós temos 5.237 pessoas sendo atendidas nos Caps, e essa demanda vem aumentando à medida que o número de internações por transtornos psiquiátricos cai” diz Ramalho. Ele conta que, de 1995 a 2005, o Rio de Janeiro diminuiu o número de leitos psiquiátricos de longa permanência do SUS de 5 mil para 3 mil, além de ter fechado 1.330 leitos na rede privada. “Esses pacientes passaram a receber tratamento na rede pública primária, cujo objetivo é a saída dos usuários das instituições e a reinserção na sociedade” assinala. Segundo Ramalho, ainda existem 1.089 pacientes de longa permanência internados em instituições psiquiátricas da cidade.



Desinstitucionalização na prática



moisés ferreiraA palestra de Alexander Ramalho foi precedida pelo depoimento de alguém que se beneficiou diretamente do programa de desinstitucionalização. O usuário Moisés Ferreira da Silva foi internado em 1965 na antiga Colônia Juliano Moreira, onde passou 40 anos. Hoje ele é membro da diretoria da Associação de Parentes e Amigos do Complexo Juliano Moreira e militante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Ele conta que no período em que ficou internado foi submetido a práticas como a terapia de eletrochoque. “Mesmo internado consegui o meu primeiro emprego e já estou há 21 anos trabalhando com carteira assinada. Hoje moro sozinho, não uso remédio, trabalho, tenho autonomia para fazer as atividades do dia a dia. Sou a prova de que a loucura tem cura. O mundo pode estar uma loucura, mas eu não estou não” brincou Moisés. Bem-humorado, durante sua apresentação ele cantou duas músicas de sua autoria e contou que pretende lançar um livro e um DVD sobre sua trajetória.



As apresentações de Alexander Ramalho e Moisés Ferreira da Silva integraram a cerimônia de formatura da 3ª turma de Especialização Técnica em Saúde Mental, da EPSJV. Dos 30 alunos que se formaram, 28 já trabalham no SUS, em diversas cidades do estado. Após a entrega dos diplomas, os alunos e seus convidados assistiram a uma apresentação do grupo Loucosamba, composto por profissionais e usuários do Caps de Santa Cruz. O grupo foi formado a partir de um programa de geração de trabalho e renda realizado na unidade.



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