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Avanços e retrocessos no caminho dos ACS

Em parceria com a Escola Politécnica, Comacs-Manguinhos promove Semana do Agente Comunitário de Saúde para resgatar o histórico de luta da categoria nesses 30 anos do SUS e da Constituição brasileira
Portal EPSJV - EPSJV/Fiocruz | 10/10/2018 11h33 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Refletir sobre os avanços e retrocessos nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Constituição brasileira, além de mostrar a importância do Agente Comunitários de Saúde (ACS) na Estratégia de Saúde da Família (ESF). Esse foi o objetivo da Semana do ACS, promovida, de 1º a 5 de outubro, pela Comissão de Agentes Comunitários de Saúde (Comacs) de Manguinhos-RJ, em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), como parte das comemorações do Dia dos ACS e ACE (4 de outubro). No dia 5, as atividades foram encerradas com um Cine Debate sobre as questões das enchentes em Manguinhos, no Rio de Janeiro, e uma roda de conversa sobre os ‘Desafios no caminho do ACS’. “Esse é o nosso cotidiano, já não sei mais quantas enchentes a gente viveu. Aaprendemos a viver entre inúmeras situações, lama, bala, fogo... e entre tantas outras coisas que acontecem nas favelas do Rio de Janeiro”, lamentou Patrícia Evangelista, do Conselho Gestor Intersetorial de Manguinhos, logo após a exibição do documentário ‘Manguinhos resiste a mais uma enchente’.

Segundo Patrícia, as políticas públicas não chegam a Manguinhos antes, durante e nem depois das catástrofes. “Se não fossem outras pessoas que sofreram igualmente e também tiveram perdas a nos ajudar, não teríamos conseguido. O espírito solidário movimentou e tirou muita gente de casa. E se moradores conseguiram fazer o mínimo, a infraestrutura do estado poderia e pode fazer muito mais. Não fazem por falta de vontade política”, afirmou, alertando: “Estamos chegando no verão novamente e até agora nada foi feito para evitar uma enchente como a de fevereiro de 2018, por exemplo”.

Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, falou sobre saneamento na perspectiva de promoção à saúde e racismo ambiental. Segundo ele, os bueiros entupidos são uma das causas de enchente e não adianta um ACS falar para o morador não ir para rua durante a enchente, porque ele precisa impedir que a água entre e destrua a casa.  “Se o morador não pode ir para rua depois da enchente, como vai defender a casa dele? Ele tem que desobstruir os bueiros, porque se não vai inundar a casa dele. Não tem manutenção no saneamento. Eles fazem a automanutenção, porque é tudo entupido. Cadê as políticas de manutenção nos sistemas de saneamento nas favelas?”, questionou.

Ao apresentar um mapa da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que mostra como é o saneamento da cidade, Alexandre foi categórico: “As favelas não têm saneamento. Se isso não é exclusão institucional, eu quero saber o nome disso? A estação de tratamento é feita na favela para tratar o esgoto da classe média. Isso é racismo ambiental. É o estado usando o saneamento para a desigualdade social”.

Fabio Monteiro, da Comacs Manguinhos, mostrou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre famílias sem saneamento básico no país. Segundo ele, o número de homens brancos que vivem sem saneamento é 0,7%, enquanto o número de homens negros que não têm é 2,4%: “A diferença é grande. É muita gente negra que está sem saneamento. O projeto de saneamento não chega às favelas, são omissões do estado, políticas públicas que não são voltadas para o morador de favela”.

Desafios

Na roda de conversa sobre os desafios no caminho dos ACS, realizada na tarde do dia 5 de outubro, Wagner Sousa, do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde (Sindacs) do município do Rio de Janeiro, afirmou que o maior obstáculo da categoria é o próprio trabalhador. “É um emprego que vem de favela com o estigma de que o ’favelado não pode isso ou aquilo’. A gente começa a trabalhar e só depois recebe ou não uma formação técnica, que está cada vez mais difícil de conquistar. Podemos conseguir mudar isso quando compreendermos que nós somos profissionais de saúde. E a formação é essencial para mudar essa realidade”, destacou.

Para Wagner, o ACS tem deixado de ser um profissional de promoção, prevenção e vigilância, para ser um burocrata da saúde, que só tem que bater metas e apresentar números: “Esse é um grande desafio nosso. Precisamos ir pra rua fazer o nosso trabalho. Está na nossa essência a promoção à saúde. Não só levar saúde como um todo, mas discutir o problema do saneamento básico, da água, da violência. Ser ACS é ter capacidade de mudar a realidade de onde a gente vive”.

Wagner citou ainda os retrocessos: “Temos que enfrentar a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos por 20 anos, a Reforma Trabalhista, a nova Política Nacional de Atenção Básica... Hoje recebemos a notícia que a prefeitura quer acabar com 300 equipes de Saúde da Família no Rio de Janeiro, o que dá em torno de 1.500 ACS demitidos. Eles querem voltar à velha forma do Posto de Saúde, isto é, tirar assistência da população, retirar acesso e direitos. Precisamos lutar por um SUS público e para todos”.

A professora-pesquisadora Mariana Nogueira, que integra a equipe de coordenação do Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde da EPSJV, comentou os desafios a partir de três temas que ela considera como obstáculos não somente para os ACS, mas também para toda a classe trabalhadora brasileira: as disputas na Atenção Primária em Saúde, a organização dos trabalhadores em geral e a conjuntura política e social do país. “Vivemos uma conjuntura que afeta a classe trabalhadora em geral e o ACS tem particularidades nisso. A desigualdade sócio-estrutural é um desafio para o ACS. Devemos reconhecer que as condições da saúde da população que a gente lida hoje foram historicamente produzidas pela desigualdade social”, afirmou.

O problema, segundo Mariana, de ter a volta do Sarampo ou da Febre Amarela, por exemplo, não é somente porque o ACS não está indo até as casas ou pela população que não quer se vacinar. “É também pelo sucateamento do SUS. Faltam vacinas com frequência. De acordo com dados do Ministério da Saúde, a região Sudeste ainda tem milhões de pessoas sem acesso à Atenção Básica em Saúde, mesmo que registrem que 60% do país está coberto”, alertou.

A professora criticou ainda a nova Política Nacional de Atenção Básica, que propõe um novo formato de equipe que não exige a presença dos ACS. “Na cidade do Rio de Janeiro, já temos cerca de 300 ACS demitidos, no ABC Paulista mais 250. Se cada ACS acompanha cerca de 700 pessoas, olha o quanto significa a demissão de mais de 500 ACS. Milhares de pessoas ficarão sem cobertura”, lamentou.

Para Mariana, é o ACS que movimenta o serviço de saúde e leva as demandas da favela para o SUS. Portanto, a presença desse profissional é fundamental para defender a Atenção Primária como um direito universal em uma concepção ampliada de saúde. “O grande desafio é lembrar do passado de luta de trabalhadores, não se deixar oprimir e não se resumir a uma categoria profissional. Precisamos percebemos e lançar luz a formas de resistência. Os sindicatos precisam voltar a fazer formação política”, defendeu.

Semana do ACS

Também como parte das comemorações do Dia do ACS, foi realizada, no dia 1 de outubro, uma campanha de doação de sangue no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da Fiocruz.  A Semana do ACS teve ainda debates com os temas ‘30 anos do SUS – comemorar ou resistir?’ e ‘A saúde na mira da violência’; atividades culturais, ações de promoção e prevenção da saúde em Manguinhos e um almoço coletivo.

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