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Cenários e perspectivas da produção acadêmica sobre juventude

Em palestra na EPSJV, coordenador do Observatório Jovem da UFF aborda as pesquisas científicas sobre os jovens e aponta caminhos para o Ensino Médio no país
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 26/08/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 Dar um panorama da produção acadêmica sobre a juventude brasileira em diferentes campos do conhecimento e discutir os problemas e perspectivas do ensino médio foram objetivos da conferência ’O estado da arte da pesquisa sobre juventude e os desafios para o Ensino Médio no Brasil’, realizada no dia 19 de agosto na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSVJ/ Fiocruz). Proferida pelo professor Paulo Carrano, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), a conferência foi parte das comemorações pelos 25 anos do Programa de Vocação Científica (Provoc), coordenado pela EPSJV.

A mesa de abertura do evento, realizado no dia em que a EPSJV completou 26 anos, reuniu, além da diretora da Escola, Isabel Brasil e da coordenadora do Provoc, Cristina Araripe, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, o pesquisador emérito da Fiocruz e um dos fundadores da EPSJV, Luiz Fernando Ferreira, e o chefe do Instituto de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Marcelo Pelajo, ex-aluno e atual orientador do Provoc.



Balanço



Coordenador do Observatório Jovem da UFF há dez anos, durante sua apresentação Carrano deu um breve balanço sobre dois momentos distintos da produção acadêmica com a temática da juventude no país - entre 1980 e 1998 e entre 1999 e 2006 - que foram objeto de duas publicações resultantes do projeto Diálogos com o Ensino Médio, parceria do Observatório Jovem da UFF, do Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Ministério da Educação (MEC). “Até 1998, as pesquisas entendiam os jovens como uma categoria homogênea, o que obscurecia várias outras facetas que não estão cobertas nessas categorias, como a temática dos jovens negros, questões de gênero, trabalho, etc. Essas questões começaram a aparecer no segundo momento como temas emergentes, mas ainda convivem com essa matriz homogeneizadora e por vezes conservadora”, apontou Carrano, que também criticou a superficialidade de algumas análises. No campo da relação do jovem com o ensino técnico e com o mundo do trabalho, Carrano destacou uma “colonização” do debate sobre economia. “Com a emergência do neoliberalismo, as teses acabaram virando plataformas de denúncias contra o capitalismo e o neoliberalismo, e não peças acadêmicas de interpretação dessa realidade. Esse é um ponto a ser superado”, afirmou.



Diálogo



Paulo Carrano chamou a atenção para a necessidade de se estabelecerem canais de diálogo entre professores, pesquisadores e jovens. “Uma das coisas mais complicadas hoje nesse campo da juventude, tanto para quem faz pesquisa quanto para quem se relaciona diretamente com os jovens, é saber quem é o jovem”, afirmou, ressaltando: “Só sabe quem é o jovem hoje quem está vivendo a juventude nessa época histórica marcada por muita instabilidade, insegurança, impossibilidade de prever o futuro. Esse tempo, que alguns pesquisadores chamam de ‘era da indeterminação’, possui muitas características que nos colocam em um patamar de diferenciação em relação ao que foi a nossa juventude. As distâncias são muito grandes”. Isso coloca desafios para a produção científica na área, uma vez que, segundo o palestrante, muitos professores e pesquisadores têm dificuldades para estabelecer esse diálogo. “Muitas vezes nós partimos para o diálogo sem construir as condições de igualdade para que ele ocorra, seja por assimetria de autoridade ou por já sabermos o que pretendemos e o que o jovem deve responder”, criticou. 



Falta de suporte



 Outro problema identificado por Carrano, é a escassez de pesquisas e de programas de iniciação científica e orientação vocacional. Segundo ele, consequência disso é a falta de informação sobre as carreiras e de suporte para os estudantes, que por conta disso, após concluírem o ensino médio, acabam seguindo “trajetórias erráticas” na universidade, mudando constantemente de curso.  “Os jovens são levados muito cedo a terem que escolher as carreiras que vão seguir pelo resto da vida. Por outro lado, a universidade quer especializar muito rapidamente, sem ciclos de formação básica mais longos, que poderiam criar campos de conforto maiores para a experimentação. Então, hoje o que acontece é que você tem alunos que querem se formar rapidamente para entrar no mercado de trabalho, por conta de pressões não apenas financeiras, mas também porque encontram no trabalho a autonomia necessária para não depender mais de ninguém”, disse. No entanto, afirmou ele, muitos desses jovens acabam se frustrando e voltando para a universidade. “Não há um serviço de orientação vocacional na universidade que funcione. Isso tem aparecido nas nossas pesquisas, que mostram que os jovens estão se sentindo sós, porque não encontram quem lhes dê suporte para enfrentar as provas existenciais que a vida lhes tem colocado, e ao mesmo tempo se sentem cansados de pensar em um futuro incerto. Os serviços de orientação vocacional poderiam dar suporte nesse processo”, avaliou.



Segundo Carrano, pesquisas desenvolvidas pelo Observatório Jovem revelaram uma desorientação e desconhecimento de estudantes do ensino médio em relação às carreiras. “Nós acabamos de concluir uma pesquisa realizada em três cidades do Pará em que perguntamos aos jovens se o ensino médio estava fazendo diferença nos seus projetos de futuro. A resposta basicamente foi ‘não’”, contou. “E muitas escolas até inibem a possibilidade de apresentação de carreiras universitárias para não frustrar os estudantes, sem, no entanto oferecer um projeto qualificado de formação profissional de ensino técnico que possa servir de suporte para que esses jovens não entrem nas formas precárias de exploração do trabalho”, completou.



Teoria e prática



Em sua apresentação, Paulo Carrano também destacou o que chamou de “liga perversa” entre o ensino médio e a universidade, que é a dissociação entre teoria e prática. “Os jovens reclamam muito nas pesquisas por não saberem direito para que servem determinadas disciplinas que eles são obrigados a aprender. Essa demanda não é ilegítima e nem imediatista, mas sim uma exigência de quem quer organizar seu cotidiano e emprestar sentido ao conhecimento, e as escolas não estão conseguindo dar respostas” diz.



Lançamentos



Além da palestra de Paulo Carrano, a comemoração pelo aniversário do Provoc e da EPSJV contou com o lançamento do Observatório Juventude, Ciência e Tecnologia. Durante o evento, também aconteceu o lançamento do livro ‘Para além da comunidade: trabalho e qualificação dos agentes comunitários de saúde’, organizado por Monica Vieira, Anna Violeta Durão e Márcia Raposo Lopes, e o relançamento de ‘Juventude e iniciação científica: políticas públicas para o Ensino Médio’, organizado por Cristina Araripe Ferreira, Simone Ouvinha Peres, Cristiane Nogueira Braga e Maria Lúcia de Macedo Cardoso.



Provoc



Coordenado pela EPSJV, o Provoc surgiu pouco depois da criação da EPSJV, em 1985, com o objetivo de proporcionar aos alunos do Ensino Médio a vivência no ambiente de pesquisa. Após 25 anos, quase dois mil estudantes já passaram pelo Programa, e muitos deles seguiram carreira na área de ciência, saúde e tecnologia. Atualmente, participam do Provoc alunos de escolas públicas e privadas da cidade do Rio de Janeiro, incluindo as unidades do Colégio Pedro II, os colégios de Aplicação da Uerj e da UFRJ, Colégio São Vicente de Paulo, Instituto Metodista Bennett e Centro Educacional Anísio Teixeira (Ceat). Para participar do Provoc, os jovens devem estar cursando o primeiro ano do Ensino Médio em uma das escolas conveniadas. As inscrições são feitas diretamente nas instituições, uma vez por ano. Mais informações sobre o Provoc podem ser obtidas aqui ou pelo e-mail provoc@fiocruz.br.