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Consultórios de rua são tema de oficina com trabalhadores de todo o país

Estratégia de redução de danos do Ministério da Saúde (MS) visa moradores de rua usuários de álcool e drogas. Oficina foi realizada pela EPSJV em parceria com o MS.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 28/09/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Uma estratégia de redução de danos que busca levar a atenção em saúde para os moradores de ruas usuários de álcool e outras drogas. Com esse objetivo, já estão em funcionamento no Brasil 35 Consultórios de Rua (CR), levando ações de prevenção, cuidados primários e promoção da saúde, principalmente, para crianças e adolescentes que vivem nas ruas. “Nosso primeiro objetivo é, a partir da atenção em saúde, formar o vínculo com essas pessoas no espaço das ruas. E, a partir disso, levá-las para os serviços de saúde e também tocar na questão das drogas. O consultório de rua é articulador de toda a rede de assistência”, destacou Valéria Cristina da Silva, coordenadora de Saúde Mental e do CR de João Pessoa (PB), durante a II Oficina Nacional de Consultório de Rua do SUS, realizada nos dias 24 e 25 de setembro, no Rio de Janeiro, e que reuniu trabalhadores da área de Saúde Mental de todo o país. A oficina foi realizada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) em parceria com o Ministério da Saúde.



O primeiro CR surgiu em 1999, em Salvador (BA), idealizado pelo professor Antonio Nery Filho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como uma resposta ao problema das crianças em situação de rua e uso de drogas. Em 2009, o Ministério da Saúde propôs o CR como uma das estratégias do Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde (Pead) e, em 2010, incluiu o CR no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack.



Os CR são formados por equipes permanentes que vão a lugares fixos para oferecer cuidados em saúde aos usuários de drogas, nos próprios locais onde eles vivem. A equipe do CR é multidisciplinar e inclui profissionais como médicos, enfermeiros ou técnicos de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais e redutores de danos. “Na nossa equipe, temos um redutor de danos que é ex-usuário de drogas e outro que é professor de capoeira. A roda de capoeira é uma boa estratégia para promover a aproximações dos jovens. Eles se aproximam para participar da brincadeira e depois nós falamos do projeto, perguntamos se têm alguma queixa de saúde, sentem alguma dor, e falamos sobre prevenção de DST-Aids, explicamos como usar a camisinha”, disse Valéria. “Logo que começamos o trabalho, a maior queixa deles era de dor de dente. Perguntamos se eles gostariam que levássemos um dentista para fazer uma avaliação neles. Levamos, e depois de examiná-los, o dentista disse aos meninos que tinha como resolver o problema deles, mas que eles precisariam ir ao consultório, onde havia os equipamentos necessários para o tratamento. Como já estavam confiando na gente, eles aceitaram e nós levamos todos ao consultório. Mas tudo funciona assim, nós pegamos os meninos, levamos aos locais de atendimento, esperamos que sejam atendidos e depois os levamos de volta para os locais onde vivem. Porque se só mandarmos irem ao serviço de saúde, eles não vão”, conta Valéria.



 “O CR só tem eficácia se fizer uma articulação da rede de saúde que permita uma modalidade de intervenção no território. Só funciona se tiver uma retaguarda da rede de atenção. Não adiante ter CR, mas não ter CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), não ter Rede de Atenção Básica, que possa proteger da vulnerabilidade o paciente”, ressaltou o coordenador nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, Pedro Delgado.



De acordo com a assessora técnica do Ministério da Saúde, Mirian Di Giovanni, dos 35 CR do Brasil, dois são de gestão estadual e o restante é gerido pelos municípios. Atualmente, há três CR na Região Norte, três no Centro-Oeste, 10 no Nordeste, 14 no Sudeste e 5 na Região Sul. “Todos são acompanhados e monitorados pelo Ministério da Saúde, por meio de relatórios e formulários”, explicou Mirian.



Avaliação



Com o funcionamento dos CR em diversos municípios brasileiros, já foram percebidos resultados positivos, como o aumento das ações intersetoriais, a ampliação da oferta do cuidado e o envolvimento da equipe com o projeto, entre outros. “Conseguimos sensibilizar os profissionais que estão trabalhando conosco e hoje vivo uma situação de ter que administrar os parceiros. Queremos que eles participem, mas sem sensacionalismo e sem perder o foco do projeto, que é prestar assistência a crianças e adolescentes. Hoje, temos psiquiatra, fisioterapeuta e outros profissionais querendo participar. O promotor da Infância e Juventude também quer ir para a rua conosco, não como promotor, mas como cidadão, para ouvir a história dos meninos”, disse Valéria, acrescentando que é importante também que a seleção da equipe seja feita pelo coordenador do serviço e que seja uma equipe exclusiva para o CR.



Mas as equipes também relatam problemas para a realização do trabalho nos CR. De acordo com Olga de Sá Ferreira, da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti, da UFBA, que é responsável pela supervisão do funcionamento dos 14 primeiros consultórios de ruas implantados no Brasil, um problema comum apontado pelas equipes dos CR é a dificuldade na contratação de profissionais. “A contratação do redutor de danos, que é um profissional novo, normalmente é complicada dentro das normas de administração municipal”, observou Olga. “Mas cada município terá que criar seus mecanismos para a contratação desses profissionais”, orientou Pedro.



Outro entrave comum apontado pelas equipes é a dificuldade de encaminhar alguns pacientes para os serviços de saúde por causa da falta de documentação pessoal. “Outras dificuldades são a falta de um registro rotineiro do trabalho realizado, a ausência de recursos de identificação da equipe, a falta de insumos para a prevenção de DST/Aids, entre outros problemas”, relatou Olga.



Oficina



 A II Oficina Nacional de Consultório de Rua do SUS foi realizada pela EPSJV em parceria com a Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Drogas do Ministério da Saúde, mediante convênio para fortalecimento das ações do Pead. A prioridade do Pead está direcionada para os 100 maiores municípios brasileiros, com população superior a 250 mil habitantes (incluídas todas as capitais brasileiras), além de sete municípios de fronteira. Juntos, esses municípios concentram 41% da população do país e neles estão os maiores problemas na área de consumo nocivo de álcool e drogas.



Em maio deste ano, a EPSJV promoveu, também em parceria com o Ministério da Saúde, o Curso de Atualização Profissional em Atenção ao uso de prejudicial de álcool e outras drogas, do qual participaram 45 trabalhadores dos serviços de saúde de diversos municípios dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em outubro de 2010, a parceria irá promover a realização de uma nova turma do curso, em Brasília (DF), desta vez para trabalhadores da Região Centro-Oeste.



O Pead tem entre suas principais finalidades ampliar o acesso ao tratamento e à prevenção em saúde, diversificar essas ações e promover a intersetorialidade entre elas. “A ampliação do acesso é, na verdade, a questão central do SUS não só em relação aos usuários de drogas. O SUS ainda não atingiu a universalidade e a equidade que ele propõe. E uma das formas de ampliar esse acesso é diversificar as ações. A intersetorialidade das ações também é fundamental, não é uma questão só de saúde, tem que juntar a assistência social, a segurança pública e outros setores”, disse Pedro.



Outro plano lançado pelo governo federal para o enfrentamento ao uso de drogas é o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (Pied) - Decreto 7.170, de 20/5/2010. O Pied visa à prevenção do uso do crack, ao tratamento e à reinserção social de usuários e ao enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas.



Pedro também destacou como novas estratégias do Ministério da Saúde o lançamento do NASF 3 (Núcleo de Apoio à Saúde da Família), que irá apoiar a Estratégia Saúde da Família em municípios pequenos com prioridade para a atenção integral para usuários de crack, álcool e drogas. “Vamos lançar também um edital para o PET Saúde Mental (Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde Mental/Crack, Álcool e Outras Drogas), que irá selecionar professores (para serem preceptores) e alunos de graduação da área de saúde para irem a campo. Vamos fazer a qualificação em serviço dos profissionais pra a atenção em saúde mental, crack, álcool e outras drogas”, disse Pedro.