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Cuidado em Saúde Mental

Cuidadoras relatam suas experiências em evento realizado pela EPSJV em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 16/12/2010 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 As experiências vividas pelos cuidadores em Saúde Mental em seu cotidiano de trabalho foram o tema principal do IV Encontro de Cuidadores em Saúde Mental da Cidade do Rio de Janeiro. O evento foi realizado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) no dia 10 de dezembro, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC/RJ), juntamente com o II Encontro de Cuidadores de Idosos da EPSJV.



Com o tema ‘Violência x Cuidado: desafios para a construção da autonomia’, o evento também abordou as mudanças na área de Saúde Mental com a desinstitucionalização e a implantação de novas formas de tratamento, como os Serviços Residenciais Terapêuticos, também conhecidos como Residências Terapêuticas (RT): casas destinadas a pessoas com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas e estão impossibilitadas de retornar às suas famílias de origem. As RTs foram instituídas pela Portaria/GM nº 106, de fevereiro de 2000, e são parte integrante da Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Esses dispositivos são centrais no processo de desinstitucionalização e reinserção social dos egressos dos hospitais psiquiátricos. As casas são mantidas com recursos financeiros anteriormente destinados aos leitos psiquiátricos.



Nos relatos feitos pelas cuidadoras, a violência, o preconceito, a indiferença e as más condições de trabalho foram temas recorrentes. A discriminação e o preconceito foram apontados pelas cuidadoras como uma das principais formas de violência sofridas pelos pacientes de saúde mental e, algumas vezes, também pelos cuidadores. “Quando levamos nossos moradores para a rua, esbarramos no preconceito da sociedade. O preconceito e a discriminação são formas de violência cujas marcas são invisíveis, mas são tão dolorosas quanto a violência física”, disse Sandra Maria da Silva, cuidadora de uma RT. “O estigma também é uma forma de violência. Às vezes um morador sofre preconceito até de outro morador da RT”, contou a cuidadora Cláudia Alves.



A cuidadora Maria Raimunda lembrou que violência é todo o tipo de desrespeito ao cidadão e que essa violência produz angústia, medo, desamparo, impotência e também mais violência, quando acontece o revide. “Essa violência, que é o preconceito, acaba nos afetando também. Somos vítimas de preconceito dos nossos familiares e amigos, assim como os moradores também sofrem preconceito”.  A cuidadora Inalda do Nascimento completou: “Os moradores também são violentados pelo olhar das pessoas nas ruas. Há muito descaso e desrespeito. Também são violentados pela família e pela sociedade quando são esquecidos”.



A psicóloga Vera Vital Brasil, que participou do debate com as cuidadoras, destacou o papel desses profissionais. “Os cuidadores, assim como os que são cuidados por eles, desafiam o preconceito, a discriminação e o isolamento a que são submetidos. Essas pessoas vivem em um estado de não reconhecimento”, disse.



Além do preconceito, outra dificuldade comum dos cuidadores está relacionada às condições de trabalho que, em muitas casos, são precárias. Maria Raimunda apontou a má remuneração, a demora na assinatura dos convênios para pagamento dos profissionais, a redução de funcionários e a sobrecarga de trabalho como alguns dos problemas mais comuns enfrentados pelos cuidadores. “O Estado pode nos ajudar reconhecendo o trabalho do cuidador, ouvindo nossas reivindicações, não atrasando salários e oferecendo um suporte maior às RTs”, destacou Cláudia. “O cuidador precisa ganhar visibilidade no cenário social. Há muito o que fazer para que o trabalho do cuidador seja reconhecido e respeitado. Essa falta de estrutura para trabalhar também é uma forma de violência”, completou Janete Dantas.



Sandra Maria relatou que é difícil manter as equipes porque alguns profissionais não entendem a proposta das RTs ou não conseguem permanecer por causa das dificuldades financeiras e a instabilidade dos vínculos de trabalho. “A equipe é fundamental, mas nem sempre temos a compreensão dos gestores”, afirmou. “A coordenação das RTs tem discutido alternativas para oferecer melhores condições de trabalho aos cuidadores, que são imprescindíveis para a reforma psiquiátrica e a desinstitucionalização. Isso ainda é um trabalho em construção, não basta tirar das instituições, até porque ainda há mil pessoas internadas no município do Rio de Janeiro”, disse Maria Luiza Silveira, coordenadora geral do Programa de Serviços Residenciais Terapêuticos da Coordenação de Saúde Mental da SMSDC/RJ.



Ex-aluna do curso de Atualização Profissional no Cuidado ao Idoso Dependente da EPSJV, Elizabeth da Silva considera que a função dos cuidadores é uma grande virada na saúde mental. “Cuidar é garantir o direito dessas pessoas de viver dignamente. O ato de cuidar é antes de tudo uma tomada de posição quanto aos destinos do paciente”, disse Elizabeth.



O coordenador do curso de Atualização Profissional no Cuidado ao Idoso Dependente da EPSJV, Daniel Groissman, lembrou que está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que cria a profissão de cuidador de pessoas (PL 2.880/2008). “É necessário que os cuidadores lutem pela regulamentação da profissão e também por sua inserção nas políticas públicas”, observou Daniel.



Vidas transformadas



Mas além das dificuldades, o trabalho também traz satisfação quando os cuidadores observam a evolução dos pacientes moradores das RTs. A cuidadora Rosimere Silva relatou como a dedicação dos cuidadores transformou a vida dos moradores da RT na qual ela trabalha, que vieram de internações em instituições psiquiátricas. Um deles era agressivo quando chegou à RT e se recusava a aceitar o cuidado. “Com o tempo fomos ensinando a ele que havia outras maneiras de se expressar e, aos poucos, ele foi aprendendo a se comunicar e a aceitar seu novo lar. Foi entendendo que era uma forma do cuidado em liberdade”, contou. Outro jovem era totalmente dependente dos cuidadores quando chegou à RT. Por ter ficado muito tempo preso a uma cama, tinha dificuldades para andar e tremores nos braços e pernas, o que dificultava ações rotineiras, como comer. Com o cuidado recebido na RT, seu quadro evoluiu e o jovem passou a comer sozinho e andar sem dificuldades, além de deixar de usar fraldas, já que as usava apenas porque estava preso a uma cama. “É muito bom ver a evolução deles. Já tive o pensamento preconceituoso de achar que tinham que ficar internados, mas hoje vejo que essa não é a melhor forma de cuidar”, disse ela.



Rosimere contou que começou a ter contato com a saúde mental quando foi trabalhar na Colônia Juliano Moreira, na empresa que servia as refeições para os pacientes. “Ali, comecei a ser despertada para o cuidado com essas pessoas. O trabalho como cuidadora nos mobiliza e modifica”.



Outra pessoa que teve a vida transformada após ser acolhida em uma RT foi Iolanda, uma senhora que sofreu um AVC e que não tinha mais familiares. “Quando a encontrei, internada no Hospital Getúlio Vargas, seu lado esquerdo do corpo era paralisado e ela dizia que queria morrer para não dar mais trabalho”, contou Cláudia, que é cuidadora na RT em que Iolanda mora. Por causa das sequelas do AVC, Iolanda havia se tornado uma cadeirante e também passava por dificuldades financeiras devido às despesas com tratamentos, remédios e o pagamento de cuidadores particulares, já que ainda não havia sido assinado um convênio para o pagamento dos profissionais que atuavam nas RTs. Depois de um período difícil, as dificuldades foram contornadas com a assinatura de um convênio para o pagamento dos cuidadores. “Hoje Iolanda está bem, já pede para sair de casa e é bem humorada. Ainda depende de cuidados intensivos da equipe da casa, mas melhorou sua auto estima”, finalizou Cláudia.



Relatos



Em breve, os textos dos relatos de experiências apresentados pelas cuidadoras durante o evento estarão disponíveis neste site.

Comentários

Bom dia. Primeiramente parabenizo a comissão organizadora pela proposta de apresentar as experiências dos profissionais e alunos sobre a atuação na área do cuidado/ assistência à pessoas portadoras de transtornos mentais (Saúde Mental). Existe um curso de Cuidador em Saúde Mental. Existe formalização por órgaos competentes (conselhos, MEC, Pronatec, outros, que regulamente o Curso de Cuidador em Saúde Mental? Qual o horário minimo para este Curso? Existe Registro Profissional junto ao Ministério do Trabalho, como no caso da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) reconhece a ocupação de Cuidador de idosos, no grupo de Cuidadores de crianças, jovens, adultos e idosos, sob registro 5162? Atenciosamente, Rubens G. Corrêa