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Desigualdade, Saúde e Cidade

Temas foram debatidos na aula aberta do Curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde da Escola Politécnica
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 09/06/2016 13h33 - Atualizado em 01/07/2022 09h46
Foto: Maycon Gomes

“Desigualdade, Saúde e Cidade” foi o tema da aula aberta do Curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde (CTACS) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), realizada no dia 6 de junho. As interfaces entre os três temas foram abordadas pela antropóloga Ana Paula Alves Ribeiro, professora da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF/UERJ); Gilney Costa Santos, gerente de Educação em Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; e dois representantes do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Fabíola de Souza (coordenação Niterói-RJ) e Vitor de Lima Guimarães (coordenação nacional).

Ana Paula falou sobre suas experiências e percepções a partir de pesquisas realizadas na cidade do Rio de Janeiro, para seus trabalhos de doutorado e pós-doutorado, sobre a violência em algumas áreas da cidade. Segundo ela, mesmo vivenciando a violência em seu cotidiano, mais de 60% das pessoas não querem deixar os locais onde moram por causa da rede de vizinhança que construíram. “Essa rede ajuda a diminuir as desigualdades na vida dessas pessoas. O que elas querem é a sensação de segurança, é ter iluminação pública, não ouvir barulho de tiros”, contou Ana, acrescentando que nesses locais uma ausência muito sentida pela população, além da das queixas como transporte, iluminação e policiamento, é a falta de equipamentos públicos de lazer, cultura e esporte.

A antropóloga ressaltou ainda a importância da mobilização popular para a conquista de direitos e melhores condições de vida. “Independente dos espaços, das lutas e das manifestações, é importante que a gente se engaje e estejamos juntos. Quando estão unidas, as pessoas conseguem fazer valer suas agendas e suas demandas. Precisamos ocupar os espaços e estar juntos”, disse Ana Paula.

A ocupação de áreas que não cumprem sua função social é a estratégia de luta usada pelo MTST para mobilizar os trabalhadores urbanos, a partir da luta pela moradia, a lutar por outros direitos. “A luta dos trabalhadores muda a vida, se ficarmos parados, nada vai mudar. Nós organizamos os trabalhadores para lutarem por seus direitos. Não achamos que eles têm que ter apenas um direito, tem que ter todos, e enquanto não tiverem, vamos continuar lutando. Todos merecem ter uma casa”, afirmou Vítor. 

Segundo ele, pela legislação brasileira, são consideradas sem-teto, todas as pessoas que não possuem uma casa, que moram em uma casa com muitas pessoas, que vivem em coabitação familiar ou que gastam mais de 30% de sua renda com moradia. “Todas as pessoas que se enquadram em uma dessas condições, fazem parte do déficit habitacional. No Brasil, as pessoas não tem direito a moradia, tem direito a esperar pela moradia. Elas se inscrevem no programa habitacional e ficam esperando ser sorteadas. São cinco milhões de pessoas esperando por uma casa e, enquanto esperam, pagam aluguel e, muitas vezes, moram em áreas de risco”, disse Vitor, acrescentando que o Programa Minha Casa, Minha Vida não foi pensado com os movimentos sociais. “Ele se intitula o maior programa habitacional do Brasil, mas não é um programa habitacional. Foi feito para atender aos interesses dos maiores doadores de campanhas eleitorais, que são as empreiteiras, e manter o mercado da construção civil dinâmico com uma grande cadeia de empregos. O programa não enfrenta o déficit habitacional diretamente”.

Fabíola, que mora no Acampamento 6 de Abril, em Niterói (RJ), destacou que a cor da pele também é um fator de desigualdade social. “As desigualdades começam quando a cor da sua pela diferencia a forma como você é julgado. O dia que reconhecerem que o país não é só de gente branca, que quem movimenta o Brasil é o preto, negro, favelado, ficará mais fácil”, disse ela.

Gilney lembrou que os ACS trabalham em territórios de desigualdade social, vulnerabilidade e violência e falou sobre a questão dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS), que afetam a vida das pessoas de acordo com o local em que vivem e trabalham. “É um conceito vivenciado diariamente pelos ACS, que, entre os profissionais de saúde, são os que têm a maior incidência de tuberculose, porque entram nas casas e tem contato direto com as pessoas”, destacou ele.

Para reduzir as desigualdades, Gilney lembrou a importância da mobilização popular. “Viver em sociedade é um ato político. Temos que nos articular coletivamente se quisermos mudar os rumos que a cidade está tomando”, afirmou.

Maycon Gomes

Formação

A turma atual do Curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde, formada por 33 ACS que atuam em oito municípios do estado do Rio de Janeiro, é a décima que será formada pela EPSJV, que oferece o curso desde 2008 e já proporcionou a formação técnica para 234 ACS no estado do Rio de Janeiro. Em 2011, a EPSJV concluiu a formação da primeira turma de ACS da região Sudeste a fazer um curso técnico. Foram formados ACS que atuam na região de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2012, a EPSJV concluiu a formação de sete turmas, com a participação de 210 ACS que atuam no município do Rio de Janeiro. Esse foi o segundo grupo de trabalhadores da categoria no estado que recebeu formação técnica completa, conforme determinam os referenciais curriculares do Ministério da Educação (MEC), que regulamentam a formação desses profissionais. A terceira oferta do curso foi concluída em 2014, com a formação de 31 ACS que atuam nos municípios do Rio de Janeiro e Duque de Caxias (RJ).

“A formação é uma das muitas lutas dos ACS e não é uma realidade na maior parte do Brasil porque, apesar de ser um processo fundamental para os ACS, apenas a primeira etapa da formação é financiada pelo Ministério da Saúde. A segunda e a terceira etapas são financiadas pelos gestores municipais. E, na maioria das vezes, os ACS só fazem um curso rápido, aligeirado, que não atende as necessidades do serviço”, disse Mariana Nogueira, que faz parte da equipe de coordenação do CTACS, junto com Danielle Moraes, Cristina Morel e Camila Borges.

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