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Ensino médio integrado é tema de evento na Escola Politécnica

Colóquio reuniu pesquisadores de diversos estados que estudam o tema.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 09/09/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


“Abrimos uma brecha para o ensino médio integrado à educação profissional, mas não enfrentamos um projeto de educação básica para o país. O que há é um enfrentamento pontual”. A análise é de Carlos Artexes, diretor de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), durante o colóquio ‘Produção de conhecimento sobre ensino médio integrado: dimensões epistemológicas e político-pedagógicas’, realizado nos dias 3 e 4 de setembro, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). A fala de Artexes se refere ao decreto 5154/04, que possibilitou a integração entre a formação geral e o ensino técnico, em substituição ao decreto 2208/97, que não permitia a integração.



O fato de o ensino médio integrado ainda não ser uma política pública foi um dos consensos da primeira mesa-redonda do colóquio. “Não temos a construção orgânica de uma política pública para o ensino médio integrado, mas temos questões importantes como o financiamento, algumas políticas de gestão democrática, a formação de professores, o material didático, profissionalização, transporte, alimentação”, lembrou Carlos Artexes, um dos debatedores da mesa. O evento, organizado pela EPSJV, pelo GT Trabalho e Educação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (Anped) e pelos Projetos Integrados (UFF, UERJ e EPSJV/Fiocruz), teve também apresentação de diversos trabalhos de pesquisadores de todos o país que estudam o assunto. “Não temos políticas de Estado para o ensino médio integrado, temos políticas de governo. No plano federal, o MEC se pautou na pedagogia dos resultados e em programas fragmentados”, acrescentou Gaudêncio Frigotto, professor da Uerj.



Dante Moura, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), que também compôs a mesa, destacou que o ensino médio integrado não deve incluir apenas a educação profissional, mas também seus eixos estruturantes - trabalho, ciência e cultura. “O que temos que discutir é que sentido tem o ensino médio para a população que está nessa fase da vida (adolescência e juventude). O que ele traz para esse sujeito? A construção do ensino médio integrado é a busca da construção nesse sentido, que poderá ser a educação profissional ou não. O ensino médio deve ser unitário em sua base de formação, mas com atenção à diversidade”, questionou.



Outra questão apontada na mesa foi a formação docente. “Quando se fala em ensino médio integrado, precisamos discutir isso também na formação de professores, que precisam ser qualificados”, observou Luiz Caldas, diretor de Políticas da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, que falou também sobre a ‘opinião’ geral de que os estudantes formados pela educação profissional não se dirigem ao mercado de trabalho, e que, portanto, procuram essa formação em busca de uma educação de qualidade. “Isso é especulativo, não há pesquisas que comprovem. Mas se os estudantes fazem isso em busca de uma formação de qualidade, não podemos tirar deles a liberdade de fazer isso na perspectiva de uma educação melhor”. Um dos ‘parâmetros’ que os alunos utilizam para ‘medir’ essa qualidade pode ser, inclusive, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio): é que, no último resultado, referente a 2009, três das cinco escolas mais bem pontuadas no Brasil oferecem ensino médio integrado — Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.



Politecnia



Com o tema ‘Ensino Médio Integrado e a perspectiva da politecnia: a experiência da EPSJV/Fiocruz’, a segunda mesa do colóquio contou com a participação de Cláudio Gomes, coordenador dos cursos técnicos integrados ao ensino médio da EPSJV; e de Gaudêncio Frigotto, professor da Uerj.



Cláudio iniciou sua fala lembrando que a proposta pedagógico-formativa de Karl Marx para os trabalhadores recebeu, pela consagrada tradução portuguesa, o nome de politecnia, mas outra sugestão de tradução é o termo educação tecnológica. “A fórmula mínima e corrente em que a politecnia se define é apresentar os princípios e os fundamentos científicos e tecnológicos que presidem o processo produtivo e, como um todo, a reprodução da vida no sistema capitalista”, disse Cláudio, acrescentando que o debate sobre politecnia e currículo integrado depende da possibilidade de problematizar os processos científicos e tecnológicos do processo produtivo. Gaudêncio completou: “Ao pensarmos a politecnia ou educação tecnológica em Marx, temos que lembrar que a tecnologia é a ciência que está na técnica. O Ensino Médio Integrado é tautológico porque pensa o ser humano em sua omnilateralidade”. Tudo isso requer, segundo o professor, pensar o papel da escola. “A escola não pode ser doutrinária, tem que ser científica e não cientificista. Uma escola interessada precisa ser dialética”.



Para Cláudio, como método crítico, a politecnia precisa evidenciar as formas sistêmicas de dominação e hegemonia, de supremacia do capital sobre o trabalhador. Cláudio concluiu então que a politecnia é, nela mesma, um programa epistemológico-pedagógico que lança mão de alguns elementos para sua finalidade emancipatória. “Em síntese, trata-se de uma epistemologia crítico-dialética da economia política que, por assumir o trabalho como experiência humana principal da realidade, exige sua problematização à luz da determinação que a técnica moderna abre e fecha à sociabilidade capitalista. Portanto, por necessidade lógico-conceitual, a organização curricular de projetos pedagógicos inspirados na politecnia deve ter como eixos o trabalho, a ciência, a cultura, a política e a tecnologia, nem sempre explicitamente, mas presentes de modo decisivo”, disse o coordenador da EPSJV.



Destacando a relação entre teoria e prática, Gaudêncio lembrou que “a batalha das idéias é fundamental, mas se esteriliza se não é testada na prática”. E concluiu: “Temos que trabalhar na contradição, na luta do embate teórico”.



Síntese do colóquio



No encerramento do colóquio, foram apresentadas as principais questões sobre o ensino médio integrado discutidas durante as apresentações das dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o tema. Entre os principais desafios enfrentados para a construção do ensino médio integrado estão a organização do currículo, a formação docente, a estruturação das escolas e a interdisciplinariedade.



Gaudêncio Frigotto falou sobre as dificuldades das escolas em organizar um currículo integrado. “Temos que fazer cursos integrados de fato, sem separar as áreas técnicas das áreas humanas e também proporcionar aos jovens estágios não predatórios”, disse o professor.



Já Marise Ramos, professora-pesquisadora da EPSJV e da Uerj, destacou a necessidade de a integração ir além do currículo. Ela lembrou que, desde a revogação do Decreto 2208/97, que não permitia a integração entre o ensino médio e o técnico, a expressão Ensino Médio Integrado tem sido amplamente utilizada para designar uma das formas de articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio. “Mas, por outro lado, trata-se de uma concepção de educação que pressupõe a integração de dimensões fundamentais da vida - o trabalho, a ciência e a cultura -, possibilitando aos trabalhadores um processo formativo que permita sua emancipação como classe. E um dos aspectos que precisa ser enfrentado é a redução do ensino médio integrado apenas à concepção curricular”, disse.



Cláudio Gomes ressaltou que um dos aspectos recorrentes durante as apresentações de trabalho é que “na prática, a teoria é outra”. “A prática precisa ser criticada e é preciso criticar desde onde se pratica. Segundo ele, foram apresentadas diversas críticas pertinentes e fundamentadas como a qualificação dos professores e a estruturação das escolas. Em muitas escolas, não se dá a devida importância ao Projeto Político Pedagógico. É preciso ter um projeto que orienta a prática, se não vai revelar a incapacidade da teoria”, disse Cláudio.



Maria Ciavatta, professora da UFF e da Uerj, lembrou também que são recorrentes as falas de que os professores se ressentem de preparação. “Não há acompanhamento, nem avaliação. É como pegar um carro sem saber dirigir. Por outro lado, a resistência dos professores também é grande porque as diretrizes são impostas de cima pra baixo. Além disso, há a falta de condições materiais. Os professores também reivindicam maior participação institucional, o que se torna mais difícil, por exemplo, com os professores temporários. Por isso as reivindicações de concursos plenos”, finalizou Maria.