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EPSJV inicia nova turma do curso Trabalho, Educação e Movimentos Sociais

Marise Ramos e Roberto Leher falaram sobre marxismo, educação e politecnia na aula inaugural do curso de especialização
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 15/08/2013 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A relação entre Marxismo, Educação e Politecnia foi o tema da aula inaugural do Curso de Especialização em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). O evento, que aconteceu no dia 13 de agosto, contou com a participação da professora-pesquisadora da EPSJV, Marise Ramos, e o professor da UFRJ, Roberto Leher.

Marise iniciou sua fala observando que a educação tem a função de socializar e, citando Leandro Konder, disse que toda educação tem uma filosofia como base, e, mesmo que não se saiba conscientemente qual é, partimos sempre de um lugar e de uma forma de conceber o mundo. “A educação hoje (?) cumpre a função de socializar o sujeito no modo de produção capitalista em uma concepção hegemônica. Socializar para incorporar o pensamento hegemônico da sociedade e produzir mercadorias”, destacou Marise.

Esse processo de produção capitalista causa o endurecimento do trabalhador pela relação de trabalho e produção. Citando Gramsci, Marise disse que, nesse processo, o trabalhador se torna extensão da máquina, deixando de ser um sujeito e se constituindo em um objeto. “O trabalhador abstrato é aquele que produz a mercadoria, mas perde a figura do sujeito, perde a identidade de quem produziu a mercadoria”, completou.

Marise ressaltou que o trabalho é uma capacidade singular do ser humano, que é a única espécie que, para viver, precisa produzir sua existência. “O processo de produção da existência não é um processo de adaptação da natureza, ao contrário, nós não nos adaptamos a natureza, adaptamos a natureza a nós. Cada apropriação e transformação que fazemos é a transformação de nós mesmos. Somos produtos de nós mesmos”, disse ela.

Considerando que o trabalho é fundante da existência humana, Marise destacou que, portanto, não trabalhar e viver do trabalho do outro é desumanizado. “Não é inerente à vida humana, viver do trabalho dos outros. Quando um produz e o outro se beneficia é a apropriação, a exploração do trabalho do outro. O marxismo toma o trabalho como princípio educativo”, destacou a professora.

Politecnia

Marise lembrou que um dos princípios fundamentais da educação politécnica é que o ser humano precisa desenvolver todas as suas capacidades plenamente – físicas, intelectuais e sensíveis. “A educação precisa ter a perspectiva da educação politécnica. A relação entre Marxismo, Educação e Politecnia é um princípio contra-hegemônico que não se constrói de hoje pra amanhã, mas na luta social em todos os espaços”, disse a professora, acrescentando que a escola politécnica e unitária são projetos em construção, tendo em vista que a escola capitalista é dual, se diferenciando de acordo com as classes e segmentos. “A dualidade acontece por dentro das escolas porque está intimamente ligada a sociedade de classes. O filho da burguesia não estuda na mesma escola que o filho do porteiro. O conceito de escola unitária só se trabalha na perspectiva da luta de classes. A construção da escola unitária e politécnica é a construção de uma nova sociedade, pois a sociedade atual não comporta isso”, completou.

Para Roberto Leher, é necessário pensar a educação unitária sem a diferença entre quem manda e quem obedece. “Temos que ter uma forma de mediação de classes. A escola unitária nega o fundamento da educação capitalista. Temos que ter alianças de classes, ter concepções e projetos. Temos que fazer disso um projeto de educação nacional popular, um projeto de classe frente à exploração do capital”, observou ele.

Leher também propôs reflexões no plano da estratégia política, lembrando que é necessário repensar essa estratégia. “Nos últimos anos, instituições como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Itaú e ONGs atuam como consultores muito bem pagos que pensam a educação da classe trabalhadora de forma organizacional e permanente, em um movimento intitulado Todos pela Educação (TPE)”, destacou o professor.

Leher disse que o TPE, apesar de não ser denominado com um, tem todas as características de um partido. Há um primeiro grupo que elabora a educação, as metas, a pedagogia, o material didático. Um segundo grupo do TPE faz a construção de classe, buscando os aliados. E tem um terceiro grupo que fala sobre educação nos meios de comunicação, atuando junto com esses veículos e apresentando uma visão da classe dominante como se fosse de interesse geral. “Quem elabora a concepção, organiza as alianças de classe e exporta isso é organizado como um partido político, para disputar a correlação de forças e luta de classes. Isso acontece em todo o país, com o TPE e suas inúmeras ramificações, como cartilhas, projetos e telecursos. O TPE não é uma ideia original, mas tem uma clareza enorme no trabalho deles, sabem operar muito bem o que eles se propõem. Tanto que o Plano Nacional de Educação (PNE) tem como subtítulo ‘Compromisso Todos pela Educação’: o Estado assumiu como seu o projeto da classe dominante. O PNE para os próximos dez anos é a agenda do TPE”, afirmou ele.

O professor destacou também que é necessário repensar a estratégia da educação popular nos marcos da estratégia democrático burguesa. “A realidade nos mostrou que a estratégia de educação popular usadas nos anos 1960 estava errada e não era forte o suficiente para levar a frente uma revolução”, disse ele, acrescentando que em alguns momentos a educação popular no Brasil ganhou força. No início dos anos 1960, eclodiram em diversas partes do país movimentos de educação popular como o de Paulo Freire, Movimento de Cultura Popular, Movimento da Educação de base e Também se aprende a ler. “Mas esse contexto utilizado nos anos 1960 fracassou. Temos que fazer uma avaliação critica do limite estratégico da esquerda nos anos 1960. A estratégia era acelerar a revolução democrático-burguesa, empreendendo uma política burguesa anti-imperialista. Era uma alfabetização com conscientização”, disse Leher, completando que essa forma de educação popular não incluiu o problema do fim da exploração do trabalho e abolição de classes. “Só alguns anos depois, Freire foi incorporando o marxismo e Gramsci em sua obra”.

Citando Florestan Fernandes, Leher lembrou que é preciso fazer a revolução fora da ordem. “A revolução dentro da ordem não se realiza porque não temos aliados burgueses. Por isso, tem que ser fora da ordem burguesa, mas não podemos deixar de lutar no parlamento. Plano de carreira, concurso público e escola pública são proteções para que a educação pública exista”, concluiu o professor.

Curso

O Curso de Especialização em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais, realizado pela EPSJV com financiamento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), teve início no dia 8 de agosto. A previsão é que o curso seja concluído em 2015. Assim como a primeira turma do curso, que foi encerrada em maio deste ano, a nova turma é formada por 50 alunos militantes, dirigentes e responsáveis pela educação e formação do MST.