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EPSJV participa do Fórum Social Mundial da Saúde e Seguridade Social

Os desafios da agroecologia nortearam as discussões em uma das atividades autogestionadas
Ana Paula Evangelista - EPSJV/Fiocruz | 12/03/2018 13h37 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) participou no dia 11 de março da programação do Fórum Social Mundial da Saúde e Seguridade Social, que tem como tema  ‘Uma seguridade social para todas e todos é possível e necessária’. O evento é um espaço integrado ao Fórum Social Mundial, que acontece em Salvador de 13 a 17 de março.  Na atividade, a EPSJV discutiu o tema ‘As experiências e Desafios da Formação em Agroecologia e Saúde: politecnia, educação profissional e educação do campo’. O objetivo foi debater as formas pelas quais a agroecologia vem sendo assumida pedagogicamente, bem como o seu entrelaçamento com a pauta da emancipação humana no capitalismo contemporâneo.

Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da Escola, reforçou que a ideia de território é o objeto fundamental para criação de uma estratégia de fortalecimento da agroecologia no Brasil e apontou alguns desafios. Além da falta de sistematização dos projetos na área, Pessoa afirmou que um dos principais obstáculos é a luta ideológica. “A agroecologia vem para desafiar um modelo da monocultura do agronegócio. Logo, ela passa a ser uma luta contra-hegemônica. Essa característica aparece, inclusive, na formação”. O pesquisador lembrou da experiência do Curso Técnico em Meio Ambiente no Espírito Santo, onde houve um embate sobre incluir no módulo Saúde do Trabalhador o tema Equipamentos De Proteção Individual (EPI). “Ao longo dos anos passamos por muitos paradigmas. O uso de agrotóxicos exige técnicas que incluem o EPI. Mas a agroecologia tem como preceito fundamental a negação total do uso desses agroquímicos. Porém, como iríamos simplesmente ignorar que vários trabalhadores do campo vão se contaminar por falta desses equipamentos?”, lembrou. O tema não foi incluído no módulo, mas Pessoa afirmou que já existiram situações em que foi necessário fazer uma intervenção que considerasse o uso de EPI, mesmo sendo uma contradição. 

Segundo Pessoa, outro desafio é o financiamento, já que realizar a formação nesses locais exige grandes deslocamentos, por exemplo, e o custo por aluno se torna muito maior. Esse aspecto abriu espaço para discutir uma formação que é feita fora do território. “Nesse caso perdemos o elemento central da agroecologia: a territorialidade. Incluir as experiências do local no processo formativo é algo inexorável”, afirmou.

O direito a terra também recebeu destaque. “Esse pode ser considerado um dos elementos mais limitantes da agroecologia. Enquanto o agronegócio avança, muitos movimentos de luta dos povos do campo, da floresta e das águas estão apenas levantando bandeiras e deixando de lado a sua própria forma de produção. Existem assentamentos usando agrotóxicos. Precisamos ir além”, ressaltou Alexandre Pessoa, que deu como exemplo dessa prática a parceria da EPSJV com agricultores familiares para propiciar o acesso dos alunos a uma alimentação saudável e livre de agrotóxicos.
 

Experiências de formação

Eliane Oliveira Kai, educadora popular, abordou a experiência da Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, localizada no município de Prado, Extremo Sul da Bahia, região dominada pela monoculta de eucalipto. A escola nasceu em 2012 calcada na necessidade de um espaço de formação que pudesse fortalecer a luta dos trabalhadores e trabalhadoras a partir de uma educação popular, tendo a agroecologia como um pilar fundamental na construção do conhecimento e matriz de desenvolvimento para os territórios camponeses. O público-alvo são educadores, agricultores, técnicos e agentes populares de saúde. “O primeiro desafio político foi, em 2013, a implementação da campanha intitulada ‘Extremo Sul pela Vida Agrotóxico Zero que incluiu 52 escolas no território pertencente ao Movimento Sem Terra (MST). A campanha teve como finalidade proporcionar espaços de sensibilização e debates acerca da ofensiva dos agrotóxicos sobre a saúde humana e a natureza  e o desafio de discutir a agroecologia como uma matriz tecnológica no currículo das escolas do campo”, lembrou Eliane.

O passo seguinte da escola foi ampliar sua atuação. Para isso foram organizados seminários e oficinas pedagógicas, a partir do conceito da agroecologia, buscando as reflexões e o compromisso de defender o princípio da soberania alimentar e abolir o uso de agrotóxicos e sementes transgênicas no território trabalhado.   Segundo Eliane, o trabalho de sensibilização nas escolas apontou para a necessidade de um currículo em agroecologia que fizesse uma contraposição aos programas de educação ambiental coordenados pelo agronegócio, em especial via o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), que eram oferecidos pelas secretarias municipais de educação. “Esse processo culminou, em 2014. com o primeiro curso específico de formação de professores e contou com a participação de 27 escolas de Educação Básica com 70 educadores”.

Em 2015, um coletivo de educadores iniciou a elaboração do componente curricular em agroecologia garantindo aportes teóricos e conteúdos, como história da agricultura, Revolução Verde, história e fundamentos da agroecologia. Esse currículo serve como base para os educadores da educação infantil, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio trabalharem essa temática. Atualmente, os municípios de Alcobaça, Mucuri e Santa Cruz de Cabralia têm a agroecologia no currículo escolar. A escola também publicou o caderno ‘Agroecologia na Educação Básica’, organizou um encontro regional com as crianças do MST para discutir alimentação saudável e realiza ações reflexivas nas cantinas das escolas. “O resultado do pequeno percurso apontam que os estudantes têm se demonstrado satisfeitos com o trabalho de implantação de alguns arranjos produtivos tais como horta, sistema agroflorestal”, definiu Eliane.


Preocupação com a rentabilidade

Félix Rosemberg, diretor do Fórum Itaboraí: Política e Ciência e Cultura na Saúde, da Fiocruz Petrópolis, compartilhou os desafios da agroecologia no município, que possui sua economia voltada para agricultura. “Primeiramente há muitas pessoas sem terra, mas essa questão não é sequer discutida. Além disso, os poucos produtores que trabalham com orgânicos não tem suporte financeiro para manter as famílias. E o fator econômico faz com que muitos recorram ao uso dos agrotóxicos, na tentativa de aumentar a produção e os lucros”, explicou Félix.

Uma das atividades do Fórum consiste na cooperação para a criação e manutenção de um arranjo produtivo na região serrana, através do cultivo de plantas medicinais. O projeto se destina a gerar e disseminar conhecimentos, inclusive por meio de cursos, que democratizem a apropriação da biodiversidade vegetal da região.  O projeto pretende ampliar o acesso aos medicamentos e promover a geração de renda pela produção e pelo processamento de plantas medicinais e outros produtos, de preferência em níveis de micro e miniempresas, em organização associativa. “A produção de plantas medicinais pressupõe uma negação ao uso dos agrotóxicos. No entanto, apenas 10% dos produtores de Petrópolis tem produção orgânica”. Para atrair mais, é necessário criar condições para isso seja comercialmente rentável”.

A primeira conquista foi um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que criou um fundo para produção orgânica. Após muitas articulações, a prefeitura propôs que para a merenda escolar seja exigida a compra de alimentos orgânicos, assim como para hospitais e unidades de saúde. “Discutir em termos comerciais da produção orgânica é algo importante, mas por muitas vezes não pensamos na viabilidade da manutenção econômica da família camponesa que a produz. A ideia é criar uma cooperativa que organize todo processo, que lute pelo seu espaço”, almeja Félix.

Oficina

Após a atividade autogestionada, a EPSJV também organizou uma oficina sobre os ‘Caminhos das Águas e da Agroecologia diante da Crise Hídrica. O objetivo foi apresentar tecnologias sociais como filtro de barro e cabaça, além de discutir os desafios dos manejos domiciliar e comunitário das águas de consumo e de produção diante da crise hídrica.