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EPSJV promove encontro de trabalhadores técnicos em anatomia patológica

Evento abordou tema como regulamentação da profissão e educação profissional.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 30/09/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Regulamentação da profissão, novas tecnologias e educação profissional foram alguns dos temas abordados no 1º Encontro de Trabalhadores Técnicos em Anatomia Patológica da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), realizado nos dias 26 e 27 de setembro.



Na abertura do evento, o professor-pesquisador da EPSJV, Francisco Lobo Neto, falou sobre os significados e conceitos de técnica e tecnologia na conferência ‘Educação profissional: distinção entre técnica e tecnologia’. Para o professor, o conceito de ciência no sentido de “como conhecer a realidade” também está diretamente relacionado com a técnica e a tecnologia. “É a percepção, por exemplo, de que a água mata a sede”, exemplificou. Quando esse conhecimento se aprofunda com a intenção de estabelecer uma correspondência entre o entendimento e a realidade, surge o saber científico. “É quando tentamos descobrir por que a água mata a sede”, acrescentou. Quando essa realidade conhecida passa a ser objeto de ações intencionais visando transformá-las para garantir a produção da existência humana e criar para os indivíduos um ambiente que favorece seu bem-estar, é criada uma técnica, que pode ser definida como um conjunto de gestos e normas de ação para obter um efeito sobre a realidade. “É quando usamos a água para fazer gelo, aplicando a técnica do congelamento. A tecnologia e a técnica não são neutras porque são usadas para o bem-viver, de acordo com nossa intenção”, completou.



Já o conjunto de técnicas para uma determinada área pode ser entendido como a tecnologia dessa área. “O conceito de tecnologia pode ter o mesmo sentido de técnica, por exemplo, ou ser definido como a ciência da técnica. Portanto, não há como separar tecnologia, técnica e ciência e sim, distinguir até certo ponto, porque são integrados”, disse. E, citando Karl Marx, – completou: “A natureza não fabrica máquinas, locomotivas, ferrovias, telégrafo elétrico, máquina de fiar automática, etc. Tais coisas são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana que se exerce sobre a natureza, ou da participação humana na natureza. São ‘órgãos do cérebro humano, criados pela mão humana’: o poder do conhecimento objetificado”. O professor destacou ainda que, quanto mais ciência, mais reflexão sobre a técnica e, consequentemente, mais desenvolvimento humano.



Citotecnologia e Histotecnologia



No segundo dia do evento, Simone Evaristo, presidente da Associação Nacional de Citotecnologia (Anacito), e a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Luiza Caputo, também da Sociedade Brasileira de Histotecnologia (SBH), falaram sobre a atuação das entidades e dos profissionais da área.



Simone destacou a utilidade social da profissão de citotécnico, que tem como uma de suas principais funções colaborar para a prevenção do câncer, por meio dos exames laboratoriais. “Mesmo com essa importante função, é uma profissão que não é regulamentada, assim como a formação também não tem um padrão definido”, disse.



Segundo a presidente da Anacito, são oferecidas formações diversificadas para esses profissionais, muitas vezes em instituições privadas que não abordam temas considerados básicos para a profissão. Em relação ao exercício da profissão, também não há uma padronização e, dependendo do local onde atua, o profissional exerce atividades diversas. “Uma tentativa de regulamentação da profissão de citotécnico foi feita com o PL 1252/1991, mas o projeto foi engavetado”, contou Simone, acrescentando que a Anacito tem como um de seus principais objetivos conhecer melhor o técnico para lutar pela regulamentação da profissão.



Assim como acontece com os citotécnicos, a profissão de histotécnico também não é regulamentada. E essa é uma das lutas da Sociedade Brasileira de Histotecnologia (SBH), fundada em 1975. O PL 2090/1991, que regulamenta a profissão de histotécnico, foi aprovado na Câmara e no Senado, mas está desde 2003 parado na Coordenadoria de Comissões Especiais da Câmara. “Visando à formação unificada dos técnicos, a primeira presidente da SBH, Wilda Siqueira, elaborou um manual sobre Histotecnologia básica, que ainda hoje é usado como referência para a formação na área”, disse Luzia, acrescentando que a SBH concedia o título de histotécnico aos profissionais aprovados em exames teóricos e práticos aplicados pela SBH, com base no manual.



Segundo Luzia, entre os desafios atuais da SBH estão agregar mais sócios para a entidade e incluir o curso de Histotecnologia no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos.



Profaps



A formação do Técnico em Citopatologia dentro do Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde (Profaps) foi o tema da conferência do professor-pesquisador da EPSJV, Leandro Medrado, no segundo dia do evento.



Coordenado pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGETS), do Ministério da Saúde, e lançado em dezembro de 2007, o Profaps tem como objetivo qualificar 745.435 trabalhadores em oito anos, principalmente nas profissões de Técnico em Radiologia, Técnico em Hemoterapia, Técnico em Vigilância Ambiental, Epidemiológica e Sanitária e Citotécnico. “A escolha do Citotécnico tem relação principalmente com a prevenção ao câncer de colo de útero”, explicou Leandro, que representou a EPSJV nas oficinas de trabalho promovidas pelo Ministério da Saúde para definir os mapas de competências profissionais do técnico em Citopatologia. “Foram realizadas três oficinas com representantes de várias regiões do Brasil, o que foi um processo histórico ímpar na área. Identificamos os saberes necessários e elaboramos o mapa de competências da profissão”.



Após a etapa das oficinas, a SGETS realizou uma consulta pública sobre a proposta de formação elaborada durante os encontros e, em seguida, uma oficina de validação para incorporar mudanças ao texto, a partir das sugestões recebidas na consulta pública. “Na proposta final, conseguimos alguns êxitos como incluir a questão do laudo técnico, que sempre foi um embate de interesses com a classe médica e farmacêutica. Conseguimos incluir que o citotécnico realiza sim, um laudo técnico. Também conseguimos ampliar o espectro formativo e os conhecimentos de base para o citotécnico, com uma fundamentação teórica bem maior do que acontece atualmente”, disse Leandro. “Mas, o grupo que participou das oficinas se surpreendeu quando foi apresentada publicamente a primeira prévia da publicação. Havia muitas diferenças entre o texto validado por nós e o publicado pela SGETS. Os êxitos que conseguimos foram excluídos do documento”, contou.



Em agosto de 2011, a SGETS realizou uma nova oficina, na qual apresentou a proposta de fusão da Citologia com a Histotecnologia. “Por discordarem da proposta, a EPSJV e a Anacito se retiraram do processo e o Inca, por sua vez, foi excluído da discussão pela SGETS”, contou Leandro, acrescentando que a EPSJV enviou uma carta à SGETS se retirando do processo por considerar que o documento final apresentado não refletia o que foi discutido nas oficinas e solicitando ainda a retirada do nome da EPSJV entre os signatários do documento. “Desde então, continuamos na luta, aguardando o desdobramento dos fatos”, finalizou.



Citotecnologia



O primeiro painel do evento foi apresentado pela presidente da Anacito, Simone Evaristo, que falou sobre o trabalho em Citotecnologia, que é a técnica de estudo das células do corpo humano em condições normais e patológicas, observadas ao microscópio. “O princípio do método citológico é comparar a imagem observada com a imagem normal, com o objetivo de detectar células antes que se tornem um câncer. Para esse profissional, a acuidade visual é muito importante, pois, algumas vezes, a diferença entre uma célula normal e uma maligna é muito pequena”, disse.



Simone explicou que a profissão do citotécnico surgiu com George Papanicolaou, considerado o pai da Citologia Esfoliativa. Em 1928, Papanicolaou descobriu que era possível, detectar células de câncer colhendo material com esfregaço. Dessa maneira, sem usar uma técnica muito invasiva, conseguia definir quem precisava de tratamento.



Antes de serem classificados como citotecnologistas, os profissionais da área eram chamados de técnicos de laboratório e auxiliavam os médicos, preparando o material que seria observado no microscópio. Com a demanda em massa para a realização de exames preventivos de câncer, surgiram, em 1940, os técnicos em citologia que, dez anos depois, passaram a ser chamados de citotecnologista e, nos Estados Unidos, eram chamados de caçadores de câncer.



No Brasil, existem atualmente dois centros formadores de Técnicos em Citologia - a Seção Integrada de Tecnologia em Citopatologia (Sitec), Divisão de Patologia (Dipat) do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro; e a Fundação Oncocentro (Fosp), em São Paulo. Cada instituição forma cerca de 15 profissionais a cada ano.



Histotecnologia



O trabalho e a educação profissional em Histotecnologia foram temas de dois painéis apresentados pelo professor-pesquisador da EPSJV, Leandro Medrado, que fez uma pesquisa com profissionais da área, em 2010, para subsidiar sua dissertação de mestrado, que teve como tema ‘Levantamento dos conhecimentos fundamentais à construção de novos referenciais curriculares para a educação profissional na área da histotecnologia’.



A formação em serviço e a busca pela qualificação profissional depois de já estar inserido no mercado de trabalho foi uma das constatações da pesquisa - 50% dos trabalhadores entre 31 e 45 anos buscaram a formação depois que já estavam inseridos no mercado de trabalho. Para 61% dos entrevistados, uma sólida base teórica é a qualidade mais importante de um histotécnico, mas 36% deles fizeram a formação em serviço. “A formação profissional na área não é regulamentada e isso é um dos motivos da formação ser feita muitas vezes em serviço, com o adestramento do trabalhador para desempenhar as funções de um histotécnico, sem uma formação mais ampla”, disse Leandro.



Como não há regulamentação, a duração dos cursos voltados para histotécnicos é variável. Há cursos com seis meses de duração (16%), um ano (32%), dois anos (11%) e de três a quatro anos (41%).



A pesquisa constatou ainda que 48% dos trabalhadores recebem entre R$ 1.001 e R$ 2 mil; 30%, de R$ 300 a mil reais; 13%, de R$ 2.001 a R$ 3 mil; e 9%, mais de R$ 3 mil. Para 68% desses profissionais, a jornada de trabalho é de oito a nove horas por dia; 23% trabalham de quatro a seis horas por dia; e 9%, de 11 a 12 horas por dia. Além de atuarem como histotécnicos, os profissionais da área também exercem outras atividades para complementar a renda - 46% são professores de Biologia; 18%, técnicos de Necrópsia; 18%, técnicos de Análises Clínicas; e 9%, Citotécnicos. “A profissão de histotécnico não é regulamentada, é uma profissão que não existe. Então, antes de lutar pelo salário, temos que existir. Temos que buscar a regulamentação da profissão para definir formação, salário e outras questões”, disse Leandro.



Qualificação Profissional



A qualificação profissional dos técnicos em saúde foi o tema do painel apresentado pela professora-pesquisadora da EPSJV, Marcia Lopes. Segundo ela, há poucos dados disponíveis sobre a qualificação dos técnicos em geral, pois são realizadas poucas pesquisas sobre o tema. “Hoje, a formação dos técnicos já é bem maior do que há alguns anos. Houve um aumento da escolarização desses trabalhadores, principalmente nos grandes centros, onde o número de trabalhadores que atuam como técnicos com nível superior é relevante”, disse.



Mesmo com a escolaridade ampliada, Marcia disse que não foram observadas mudanças relevantes nos processos de trabalho desses profissionais. “O salário, por exemplo, que é um ponto importante do reconhecimento social, não melhorou”, disse a pesquisadora, que falou também sobre a qualificação dos trabalhadores. “A qualificação também gera uma discussão mais ampla sobre a valorização do trabalhador”.



Marcia falou também sobre a concepção essencialista de qualificação do trabalho a partir de dois autores. Segundo ela, de acordo com Friedmann, a qualificação está relacionada principalmente à complexidade da tarefa e à posse de saberes exigidos para desenvolvê-la. Já a concepção relativista, de Naville, considera a qualificação como um processo e um produto social, que decorre, por um lado, da relação e das negociações tensas entre capital e trabalho e, por outro, de fatores socioculturais que influenciam o julgamento e a classificação que a sociedade faz sobre os indivíduos.



Novas Tecnologias



O encontro teve ainda um painel sobre as novas tecnologias aplicadas a microscopia, apresentado por Pedro Paulo de Abreu Manso, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Pedro fez um breve histórico da microscopia, que surgiu em 1595, na Holanda, quando Zacharias Jansen associou duas lentes em foco. “A microscopia é uma das principais ferramentas para médicos e biólogos. Ao longo dos anos, a microscopia passou por muitas mudanças e evoluções, com o surgimento de novas técnicas”, disse Pedro, acrescentando que a microscopia atual se baseia em fenômenos físicos e biológicos complexos, depende de tecnologias avançadas, ultrapassa as barreiras da observação e demanda novas tecnologias de preparo de amostras. “Antes, microscopista era apenas o profissional que limpava o microscópio para quem fosse usar. Hoje, quem opera o microscópio precisa ter uma formação especializada”, completou.