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EPSJV promove seminário internacional para debater a formação de técnicos em saúde no Mercosul

Durante o evento, foram apresentados os resultados preliminares da pesquisa sobre o tema
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 06/12/2012 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) promoveu nos dias 28 a 30 de novembro o II Seminário Internacional Formação de Trabalhadores Técnicos em Saúde no Mercosul. Durante o evento, foram apresentados os resultados preliminares da pesquisa ‘A formação dos trabalhadores técnicos em saúde no Mercosul: entre os dilemas da livre circulação de trabalhadores e os desafios da cooperação internacional’ e debatidos temas relacionados à formação dos técnicos em saúde.

Na conferência de abertura, o geógrafo Helion Povoa abordou o tema ‘As políticas de migração no contexto da mobilidade de trabalhadores no Mercosul’. “A migração é um processo social politicamente referenciado e regulado, que pode ser causada por desemprego, violência ou até mesmo por projetos pessoais. Já a mobilidade acontece de forma mais genérica com a busca por um trabalho melhor ou a movimentações de exilados e refugiados. Também existe a mobilidade estudantil, que pode vir a se tornar uma migração”, explicou Helion, acrescentando que as migrações criam uma teia de relações sociais, pois os fluxos de migração não são aleatórios, mas sim, direcionados para destinos, empregos, cidades do mercado, não é um vazio de referências.

Sobre as políticas migratórias e o direito à migração, Helion destacou uma contradição: enquanto a emigração é um direito humano, pois ninguém pode ser impedido de sair de onde está, a imigração é regulada por cada país. “Mesmo tendo em vista que uma emigração sempre gera uma imigração, não existe uma contrapartida em termos de legislação. Cada país cria as suas leis, que variam em termos de direitos dos imigrantes”, destacou o geógrafo, lembrando ainda que existem algumas convenções internacionais, como as da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas que são direcionadas para trabalhadores que estão em situação legal e regular.

Trazendo o tema para a América do Sul, Helio fez um breve histórico da migração nos países sul-americanos que, historicamente, sempre tiveram políticas de incentivo à imigração, principalmente visando atrair imigrantes europeus. A partir dos anos 1960, foi ampliada a emigração de sul-americanos principalmente para os Estados Unidos e Europa e, nos anos 1980, também para o Japão. Entre as décadas de 1960 e 1980, também houve um forte movimento de migração de exilados políticos entre os países da América do Sul. A partir dos anos 1980, os países da América do Sul passaram a reformular suas leis de imigração, reduzindo as restrições. O Brasil não acompanhou esse movimento e mantém o Estatuto do Estrangeiro, estabelecido em 1981.

Alguns anos após a criação do Mercosul, em 1990, além da livre circulação de mercadorias entre os países membros, também passou a ser debatida a questão migratória. Em 2002, Brasil e Argentina estabeleceram um acordo de livre residência para seus cidadãos nos dois países, que, posteriormente, também teve a adesão do Paraguai, Chile e Equador.

No contexto internacional em geral, a tendência é de resistência a migrações, com o fechamento do mercado de trabalho, devido às crises econômicas. “Há uma tendência de rejeição e criminalização dos estrangeiros, principalmente nos países desenvolvidos, onde eles passaram a ser vistos como ônus e não como ativos. Mesmo na União Europeia, as cláusulas de migração são desrespeitadas”, destacou Helion, acrescentando que a exceção é a migração qualificada, que continua sendo incentivada por muitos países.

Pesquisa Mercosul

Ainda no primeiro dia do evento, as equipes de pesquisa do Brasil, Argentina e Paraguai apresentaram os resultados preliminares da pesquisa multicêntrica ‘A formação dos trabalhadores técnicos em saúde no Mercosul: entre os dilemas da livre circulação de trabalhadores e os desafios da cooperação internacional’, coordenada pela EPSJV. O estudo visa analisar como é o processo de formação dos trabalhadores técnicos nos países do Mercosul, estabelecendo comparações entre os países. Para isso, foram definidos parâmetros que permitissem a comparação entre os dados de cada país, respeitando as especificidades de cada um. O objeto de discussão do Mercosul, no que diz respeito à meta de livre circulação de trabalhadores em 2015, tem como prioridade quatro áreas de formação técnica: Radiologia, Enfermagem, Análises Clínicas e Hemoterapia.

Dos quatro países que participam da pesquisa, o Brasil é o único em que a formação técnica em saúde é de nível médio, já nos outros três países, os técnicos têm formação de nível superior. A regulação da formação profissional também tem suas diferenças. Enquanto no Brasil ela é feita pelo Ministério da Educação, com a colaboração do Ministério da Saúde, e pelos Conselhos Estaduais de Educação, na Argentina, as províncias (correspondentes aos estados brasileiros) participam da regulação da formação profissional juntamente com os ministérios da Educação e da Saúde. No Paraguai, os Institutos Superiores, que se assemelham às universidades, têm autonomia para se auto-regularem; e os Institutos Técnicos Superiores, são regulados pelo Instituto Nacional de Saúde (INS) do Ministério da Saúde do Paraguai. No Uruguai, a maior instituição formadora é pública – a Universidade de La Republica (UdelaR) – e tem autonomia para se auto-regular.

A forte participação do setor privado na formação técnica, exceto no Uruguai, é uma característica comum nos países pesquisados. Na Argentina, a participação do setor privado na formação de técnicos passou a ser mais forte a partir dos anos 1990. No Brasil, 17,7% da formação de técnicos é feita por instituições públicas, 60,9% por instituições privadas e 21,5% pelo Sistema S (Senai, Sesc, Sesi Senac). No Paraguai, apenas o INS é público, todas as outras instituições são privadas. Outra característica comum entre os países é a concentração das instituições formadoras nas capitais e regiões metropolitanas.

Os resultados preliminares da pesquisa apontam ainda que Enfermagem é o curso técnico mais ofertado pelas instituições. Outra constatação é que a demanda por novos cursos, geralmente, é regulada pelo mercado de trabalho e não por políticas públicas. Além disso, não há políticas claras de formação de docentes para a formação de técnicos. E em relação ao Projeto Político Pedagógico (PPP), foi constatado que na maior parte das instituições dos quatro países, muitas vezes, é apenas um instrumento formal.

Circulação de trabalhadores e regulação profissional

No segundo dia do seminário, foram apresentados painéis sobre a circulação de técnicos em saúde no Mercosul e sobre a formação, certificação e regulação profissional na região. No primeiro painel, Isabel Duré, representante da Argentina na subcomissão de regulação e exercício profissional do SGT 11 do Mercosul Saúde, falou que a pauta de negociações do SGT 11 deve ser ampliada. Um dos temas é a validação de títulos, ou seja, a criação de convênios para a validação de títulos entre os países do Mercosul. Hoje, um profissional formado em um país, que deseje trabalhar em outro, precisa fazer uma revalidação do título no país onde deseja atuar.

Beatriz Fajian, do Uruguai, falou sobre a flexibilização da migração. “Os seres humanos têm direito à vida livre e a poder ter o necessário para viver”. Para ela, o direito ao trabalho não deveria ter fronteira. "Mas, geralmente, os imigrantes encontram dificuldades para se integrar e conseguir trabalho e documentação no país onde se estabelecem”.

No segundo painel, os participantes destacaram que em todos os países, os técnicos de saúde representam uma grande parte da força de trabalho e que é importante debater os temas e criar estratégias de integração entre os países. Isabel Duré destacou que na Argentina a regulação profissional é feita pelas províncias, enquanto no Brasil isso é de responsabilidade dos conselhos profissionais. Essa diferença é uma das dificuldades encontradas para a articulação do controle do exercício profissional no Mercosul. “Essa articulação é necessária para criar estratégias para acordos de regulação profissional no Mercosul”, disse Isabel.

No Brasil, com a regulação feita pelos conselhos, uma das dificuldades apontadas é a falta de articulação dos conselhos profissionais com o governo federal. “Os conselhos atuam em causa própria e regulam de acordo com as necessidades do mercado de trabalho”, ressaltou Miraci Astun, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde e representante do Brasil na subcomissão de regulação e exercício profissional do SGT 11 do Mercosul Saúde.

Anibal Suarez, do Ministério da Saúde Pública do Uruguai, lembrou que a livre circulação de trabalhadores é um direito, mas que deve ser pensada para não atingir outros direitos da população como o acesso à saúde. “Temos que pensar, por exemplo, como evitar a migração maciça de profissionais, pois a população tem direito à saúde e temos que manter o sistema funcionando regularmente”, disse Anibal.

Trabalhos

No último dia do evento, foram apresentados nove trabalhos divididos em dois eixos. No primeiro, intitulado ‘Formação e Certificação dos Trabalhadores Técnicos’, foram apresentados trabalhos sobre a formação dos técnicos em Análises Clínicas no Brasil; invisibilidade dos técnicos em saúde na Argentina; a educação profissional no estado do Rio de Janeiro; a educação profissional em Citotecnologia no Brasil; e a qualificação profissional dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) no Rio Grande do Sul.

No segundo eixo, chamado de ‘Modelos Formativos’, os trabalhos trataram de temas como a abordagem por competências em currículos de formação técnica na saúde; metodologia problematizadora como estratégia de ensino e de aprendizagem na formação técnica; etnografias profissionais e questões teórico-metodológicas na investigação do trabalho social; e a construção do processo pedagógico no curso técnico de ACS na Escola do Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre (RS).

Veja aqui todos os trabalhos apresentados

Documento de Manguinhos

Ao final do seminário, foi elaborado o Segundo Documento de Manguinhos sobre a Formação de Trabalhadores Técnicos em Saúde no Mercosul. O documento traz uma síntese dos últimos quatro anos, desde a realização do primeiro seminário, sobre mudanças ocorridas no Mercosul em relação à formação profissional, além de encaminhamentos para a continuidade da integração e articulação da formação de técnicos em saúde no bloco regional.