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EPSJV/Fiocruz conclui Curso de Atualização Profissional em Redução de Danos

Logo em seguida da cerimônia de formatura, Escola Politécnica promoveu 1º Encontro Estadual de Redutoras e Redutores de Danos
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 29/06/2023 12h04 - Atualizado em 29/06/2023 13h28

“A academia não é o paraíso. Mas o aprendizado é um lugar onde o paraíso pode ser criado. A sala de aula, com todas as suas limitações, continua sendo um ambiente de possibilidades”. Com esse trecho do livro “Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade”, da escritora bell hooks, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Ariadna Patrícia Alvarez, deu início à formatura do Curso de Atualização Profissional em Redução de Danos, no dia 22 de junho. Após a cerimônia de encerramento, foi realizado o 1º Encontro Estadual de Redutoras e Redutores de Danos, com o tema “Na Luta por Reconhecimento Profissional”. O evento contou com uma mesa-redonda, grupos de trabalho para debater sobre a precarização do trabalho e o reconhecimento profissional e uma plenária final.   

Ariadna Patrícia divide a coordenação do curso com os também professores-pesquisadores da Escola Politécnica, Dênis Petuco e Marise Ramoa; além da estagiária Thaina Miranda. Além deles, na mesa da cerimônia estava também o assessor da vice-direção de Ensino e Informação da EPSJV, Rafael Bilio.

“Tudo que vivemos em sala de aula, o que vocês trouxeram de bagagens e histórias como redutores de danos, foi muito importante para o curso acontecer. Desejo que vocês possam continuar reverberando essa potência, que foi a troca de diálogo”, ressaltou Ariadna Patrícia. “Aprendemos muito com vocês também. Construímos uma experiência comum, todos juntos, em coletivo”, acrescentou Marise.

Em sua fala, Dênis desejou boa sorte aos novos redutores de danos. “O campo da redução de danos, que é da militância política, da produção de cuidado de pessoas que usam álcool e outras drogas cresce muito com a chegada de vocês e com o fortalecimento da presença daqueles que já habitavam esse campo antes mesmo do curso”, destacou. 

Para Thaina, a redução de danos é um lugar potente de cuidado, no qual pessoas se olham de igual para igual.  “Acho que é isso que conseguimos construir ao longo do curso: jamais uma política de ’eu sei, te ensino’, mas aprendemos juntos. Nós aprendemos juntos e acho que também construímos uma rede superpotente que vai para além da Escola Politécnica e da Fiocruz, e estará em diversos espaços”, disse.

Rafael apontou o potencial do curso de redução de danos em inflexionar políticas públicas, na perspectiva da regulamentação e do reconhecimento profissional da área. “Por ser a primeira turma de demanda aberta, vocês fizeram parte de uma experiência da Escola Politécnica, no sentido de nos adensarmos e consubstanciarmos uma Política de Formação de Redução de Danos e de uma Política de Reconhecimento Profissional”, concluiu.

A estudante Vanusa Gomes, oradora da turma, falou sobre a importância de criar vínculos com os usuários. “A redução de danos, para mim, é uma forma de ver o mundo. O melhor insumo da redução de danos é o vínculo. A partir do vínculo, quando você se aproxima, escuta e começa a conversar com aquela pessoa, você consegue ofertar outros insumos”, afirmou. O estudante Marcos Antônio de Oliveira, que também foi orador da turma, completou: “O cuidado tem que ser ampliado. Temos que ter a capacidade de olhar não só o usuário, mas o ser humano em formação que está por trás daquele usuário. Se a gente perde esse olhar, o nosso trabalho vai por água abaixo”.

Encontro Estadual de Redutoras e Redutores de Danos

Na parte da tarde, aconteceu o 1º Encontro Estadual de Redutoras e Redutores de Danos. Na mesa "Formação e Reconhecimento Profissional de Redutoras e Redutores de Danos”, estiveram presentes: Luciana Surjus, do projeto Div3rso, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Rafael West, da Escola Livre de Redução de Danos de Recife (PE); Maria Luiza Quaresma, da Escola de Redução de Danos de Macaé (RJ); e Michel Marques, do Centro de Convivência É De Lei (SP).

Luciana destacou que não dá para construir uma política pública desconectada das pessoas que se utilizam dessa política pública. Segundo ela, existe, muitas vezes, uma distância entre os serviços públicos e a realidade das pessoas que são atendidas. “A maioria dos trabalhadores universitários são pessoas brancas e de classe média; quando atendemos as pessoas no SUS [Sistema Único de Saúde], em sua maioria, são pessoas negras e periféricas. E vamos construindo linguagens tão distantes que não conseguimos produzir encontro e vínculo, que é o básico para seguir produzindo alguma transformação que é para o outro, mas também para nós”, afirmou.

Luciana falou sobre a experiência do Div3rso, um grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão da Unifesp, credenciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Temos desenvolvido um processo de construção de conhecimento, partindo do pressuposto que não dá para construir conhecimento longe das pessoas que, supostamente, iriam usufruir esse conhecimento produzido. Então, temos, muitas vezes, mais pessoas da comunidade, que não a comunidade acadêmica, do que alunos de graduação, pós-graduação e pesquisadores. Construímos um enfrentamento para que as pessoas pudessem entrar na universidade e serem respeitadas e reconhecidas como legítimas naquele espaço”, contou a pesquisadora. 

Ao fazer um resgate histórico de como a Escola Livre de Redução de Danos de Recife foi criada, Rafael afirmou que o existir da redução de danos é na base da resistência. “É se colocar com uma outra perspectiva, é garantir direito humanos básicos. Quando fazemos um curso como esse, quando nos colocamos em um encontro desse, esses episódios são fatos históricos. Estamos fazendo história, contando um outro futuro para a Política de Drogas, para a redução de danos. Temos um espaço enorme ainda para construir e para instituir, para fazer um outro modelo de Política de Drogas no Brasil”, apontou.

Maria Luiza contou algumas ações que aconteceram no período da pandemia de Covid-19, no âmbito da redução de danos, em Macaé (RJ). “Em 2020, na pandemia, fizemos um documento norteador que definiu que a Coordenação Geral de Políticas sobre Drogas do município passaria a trabalhar a partir de um tripé: educação permanente, atendendo aquilo que o SUS preconiza e que se materializa pela Escola de Redução de Danos; pesquisa; e articulação em rede”, destacou. De acordo com ela, no mesmo ano, a Escola conseguiu se transformar em lei: “A Escola de Redução de Danos existe em Macaé desde 2011, mas, em 2020, ela se conformou em lei. Isso garante, de certa forma, que ela se mantenha como projeto de desenvolvimento social”.

Por fim, Michel afirmou que o momento em que a sociedade vive é de criminalização das ações dos agentes de redução de danos, seja nas atuações enquanto trabalhadores, seja nas formações. “Há uma criminalização desde o insumo até o financiamento da redução de danos. Então, estamos passando por um momento difícil, e não é só em São Paulo, poque isso vai aparecendo também na Câmara Federal com a criação de legislações totalmente inconstitucionais. Precisamos nos focar no Legislativo para derrubar essas leis. É muito importante lembrarmos do nosso papel de luta”, destacou.

Para ele, a prática da redução de danos está ligada à defesa dos direitos humanos. “Como colocamos essa prática na saúde? Como colocamos a prática dessa defesa do nosso cotidiano de trabalho? Como transformar a política municipal, estadual, a política lá da daquela região em que vivemos?”, questionou.

Na parte da tarde, os convidados foram divididos em grupos de trabalho para debaterem termas como precarização do trabalho e reconhecimento profissional. Em seguida, houve uma plenária final. “Falamos sobre a necessidade de luta por concursos públicos nos municípios para redutores de danos, foi sugerida a ampliação da carga horária do curso de formação e também pensamos na organização do 2º Encontro. Esse momento foi muito importante para que redutores que trabalham em serviços vizinhos e não se conhecem, tivessem a oportunidade de se encontrar para falar sobre a defesa das políticas públicas de saúde”, destacou Ariadna Patrícia.