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Juventude em movimento

Na Abertura do Ano Letivo da EPSJV/Fiocruz, representantes de movimentos estudantis e sociais falam sobre a importância da mobilização da juventude
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 15/04/2016 14h33 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

As questões que mobilizam a juventude em diversos aspectos foram o tema da Abertura do Ano Letivo da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde. A mesa-redonda ‘Urgências da Juventude: emancipação de todos’ contou com a participação de Maria Inês Lopa, do Grêmio Estudantil do Colégio Pedro II (Unidade Centro); Wesley Teixeira, do Movimento RUA; e Guilherme Braga, da Rede Meu Rio; com a mediação de Mateus Alves, aluno da EPSJV e integrante do Grêmio Politécnico, que também participou da organização do evento.

Maria Inês lembrou que, durante a Ditadura Militar, os alunos do Colégio Pedro II participaram ativamente do movimento estudantil, sofrendo forte repressão por parte do governo, assim como outros estudantes da época. Segundo ela, o colégio mantém a tradição de ter um movimento estudantil atuante, com a atuação de grêmios em todas as unidades da instituição de ensino. “O grêmio é importante não apenas para as reivindicações do cotidiano e para o bem-estar dos estudantes na escola, mas também tem como papel principal atuar no combate a opressões que os negros, as mulheres e a comunidade LGBT sofrem todos os dias”, disse ela.

Feminismo

Maria Inês integra a Comissão da Mulher de uma das unidades do Colégio Pedro II, que se reúne semanalmente para discutir sobre temas relacionados às mulheres. “É muito importante que a gente tenha a informação para perceber, poder questionar e reagir ao que está aí na sociedade. Sentir a diferença que existe até hoje entre homens mulheres é muito importante. O debate é necessário. Precisamos ter mulheres feministas e homens pró-feministas e não podemos abrir mão de nossos direitos”, afirmou a estudante.

Ela lembrou que um desses direitos, ao voto, as mulheres só conquistaram no Brasil em 1947 e que, hoje, mesmo com 52% da população brasileira sendo feminina, ainda há pouca representação das mulheres na política. “Isso causa situações como um projeto de lei que obriga as mulheres a passarem por uma burocracia enorme para provar que foram estupradas, porque são leis criadas por homens. Ou como no caso do aborto, que não é legalizado apenas para mulheres pobres porque, na prática, é legalizado para mulheres ricas, que pagam para fazer o aborto em uma boa clínica clandestina, de onde vão sair vivas. As pobres tiram o filho e acabam perdendo a vida. A luta contra o aborto é apenas pelo nascimento da criança porque ninguém quer saber dos filhos das mulheres que estão nas ruas”, defendeu.

Maria Inês contou que quando estava vindo para a Escola Politécnica, no trem, havia uma mulher negra vendendo bala e que entregava um panfleto aos passageiros explicando que vendia as balas para sustentar os filhos, que criava sozinha. “Essa situação incomoda a todos nós, mas temos que ir para a raiz do problema. Questionar porque ela está ali? Cadê o pai dessas crianças?”, disse ela, acrescentando que essa situação mostra que as causas femininas não são as mesmas para todas as mulheres. “As minhas causas não são as mesmas dela. Sou branca e tenho acesso à informação. Uma mulher negra e periférica tem outras causas. O feminismo dela é diferente do meu”.

A auto-aceitação das mulheres também é considerada essencial por Maria Inês para que elas se sintam mais empoderadas. “Ame seu corpo, ele pode não te agradar, mas é seu. Se a gente gostasse mais do nosso corpo, muitas empresas iriam falir”, disse Maria Inês, lembrando que o empoderamento feminino não acontece de um dia para o outro. “Ele acontece todos os dias. Se a gente fizer uma pequena coisa a cada dia, vamos conseguir, porque temos capacidade”, concluiu.

Movimento RUA

Wesley Teixeira, do Movimento RUA, ressaltou a dificuldade em falar das urgências da juventude pelo fato de existirem “muitas juventudes”: a negra, a estudante, do campo, da favela, mulher, LGBT. “O que todas tinham em comum era um sentimento de apatia e desesperança em relação à participação política, mas, em junho de 2013, nasceu uma nova geração política que descobriu uma coisa importante: ‘Se lutar, conquista’. Um exemplo é a ocupação das escolas em São Paulo, que fez com que o governador recuasse da reforma educacional”, disse Wesley, que contou que no dia anterior, 6 de abril, participou, junto com outros estudantes, da ocupação do Colégio Estadual Irineu Marinho, em Duque de Caxias (RJ), onde ele estudou e começou sua militância estudantil. O Rio hoje (14 de abril) já tem mais de 30 escolas ocupadas por estudantes, como parte da luta em defesa da educação pública.

A organização dos jovens no movimento estudantil foi destacada por Wesley como importante, entre outras coisas, para promover o debate de assuntos de interesse dos estudantes, principalmente nas escolas públicas. “Não adianta colocar uniforme e achar que todo mundo é igual, não é. Aqui [EPSJV] é uma escola diferenciada, que diz que a educação pode ser diferente sim, pode ter debate, pode ter grêmio. Mas na escola estadual parece que querem formatar a gente. Não sou computador, não adianta me colocar em uma sala de aula com uniforme que não me torno igual, a diferença continua existindo. Não adianta dizer que eu não posso ir além e que esse espaço não é meu”, disse ele.

Para o militante, a juventude atual está sendo disputada pelas ruas, pela mídia, escolas, igrejas e luta por um mundo mais justo. “O mundo é injusto, mas não é imutável, porque ele é feito por pessoas, que podem mudar essa situação. A gente é a juventude que vai muito mais fundo, mas também é o elo mais fraco dessa corrente, que ocupa os postos de trabalho mais precários”, destacou Wesley, contando que o Movimento RUA foi criado em janeiro de 2014 e que ele milita em várias frentes, lutando pelas pautas dos negros, mulheres, comunidade LGBT e outros temas como a violência contra os jovens. “Eu olho os números da violência e vejo que morreram 30 mil jovens no Brasil em 2012. Para mim, não são só números, é o meu amigo de turma que levou um tiro pelas costas e a polícia disse que ele era um bandido, ou o primo de uma amiga que levou um tiro. E a polícia continua agindo da mesma forma”.

Para concluir sua fala, Wesley citou uma frase de Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. E completou: “Caminhar cansa, mas a gente vai caminhar junto, coletivamente, na luta, se organizando e transformando a sociedade que a gente vive. Pode mudar a conjuntura, o governo, mas nós continuamos nas ruas e nas lutas, porque vai ter resistência o tempo todo e vamos lutar por uma democracia muito mais avançada do que essa que está aí. Estamos caminhando para isso”.

‘Meu Rio’

A importância do movimento estudantil também foi destacada por Guilherme Braga, do ‘Meu Rio’, que hoje tem 32 anos, mas contou que participou ativamente do movimento quando era mais jovem. “Nessa crise, a juventude é quem tem dado mais respostas assertivas. Quando se fala em crise da democracia, em Congresso não representativo, é a juventude que tem ido para as ruas, ocupado escolas, criado mobilizações nas redes sociais e outras formas inovadoras de participação direta”, disse ele, que destacou a importância de “mostrar para os velhos o que há de novo e para os novos, o que há de velho nessa história toda”. Para ele, o movimento estudantil, pela força e história que tem, possui um potencial incrível para colocar o debate na mesa e abrir espaço para o novo acontecer, não ficando apenas nas formas antigas de participação.

O Meu Rio é uma rede de mobilizações da cidade, com grande participação dos jovens, e tem a missão de agir e mobilizar a sociedade em rede para alguns temas, criando algumas ferramentas para essa mobilização. “O Meu Rio dá suporte à mobilização de pessoas que se organizam em prol de uma causa da cidade, participando e interferindo em políticas públicas”, explicou Guilherme.

De acordo com ele, o Meu Rio tem um carinho especial pelas escolas e entre os casos mais marcantes que o movimento já atuou está o da Escola Municipal Friedenreich. O colégio, considerado um dos melhores da rede municipal e que fica dentro do complexo do estádio do Maracanã, iria ser demolido, durante as obras para a Copa do Mundo de 2014, para a construção de um estacionamento no local, sem nenhuma consulta à comunidade escolar. As pessoas se mobilizaram e, com o apoio do Meu Rio e de outras entidades, conseguiram impedir a demolição da escola e a transferência dos alunos. “Só em uma das ferramentas criadas pelo Meu Rio, que nós chamamos de Guardiões, conseguimos que mais de duas mil pessoas se cadastrassem para serem guardiões da escola, além de ter mais de 20 mil assinaturas em um abaixo-assinado contra a demolição”, contou Guilherme, explicando que essa ferramenta mandava uma mensagem por celular para os guardiões cadastrados para que fossem até a escola caso alguma máquina chegasse para iniciar a demolição do prédio. Com toda a mobilização, a escola não foi demolida e o projeto de reformas no Maracanã teve que ser alterado.

Outra ferramenta criada pelo Meu Rio em apoio a mobilizações da sociedade é a ‘Panela de Pressão’, que envia mensagens para alguma autoridade que pode decidir sobre um tema, como a demolição de uma escola. “Essa autoridade passa a ser o alvo da mobilização e vai receber uma enxurrada de mensagens ou ligações contra a demolição, por exemplo. É fundamental que sejam criadas formas estratégicas e criativas de pressão”, ressaltou ele.

Para Guilherme, por um lado, é extremamente necessário sair da superficialidade de todo mundo igual, e por outro, nunca foi tão importante as pessoas estarem juntas, se unindo para resistir a possíveis avanços conservadores que podem acabar criando retrocessos e destruindo direitos já conquistados. “Ou a gente se une, ou vamos estar fragmentados. Como diria Maquiavel, os poderosos nos dividem para poder nos dominar mais facilmente. E cabe a nós nos unirmos para resistir a essas derrotas que querem nos impor. Vamos reconquistar a cidade a partir das experiências que temos visto a juventude protagonizar e vamos pensar pra frente”, concluiu.

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Debate na Abertura do Ano Letivo da EPSJV teve a participação de José Rodrigues e Paulo Sérgio Tumolo. Evento também marcou o lançamento do livro ‘Caminhos da Politecnia’