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Lançamento de livros pauta produção e difusão do conhecimento crítico

Mesa-redonda com Virgínia Fontes, Marise Ramos e Márcia Valéria Morosini  discute educação, trabalho e as determinações do capitalismo contemporâneo
Leila Leal - EPSJV/Fiocruz | 18/08/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 ‘Produção e difusão do conhecimento: ampliando a educação politécnica’ foi o tema da mesa-redonda realizada na tarde do segundo dia do Seminário Trabalho, Educação e Saúde – 25 anos de Formação Politécnica no SUS, que comemora o aniversário da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O debate marcou o lançamento dos livros ‘O Brasil e o capital-imperialismo – teoria e história’, de Virgínia Fontes, ‘Trabalho, educação e correntes pedagógicas no Brasil: um estudo a partir da formação dos trabalhadores técnicos da saúde’, de Marise Ramos, e ‘Educação e trabalho em disputa no SUS: a política de formação dos Agentes Comunitários de Saúde’, de Márcia Valéria Morosini.



 



A mesa, composta pelas autoras das publicações, foi coordenada por Carlos Nelson Coutinho, professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de sua Editora, que publicou os dois primeiros livros em parceria com a EPSJV. Carlos Nelson manifestou seu desejo de que essas publicações sejam o início de um trabalho conjunto entre a EPSJV e a Editora UFRJ, destacando a convergência do espírito crítico das duas instituições.



 



A formação dos filhos da classe trabalhadora em debate



 



Marise Ramos, professora-pesquisadora da EPSJV e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), contou que ‘Trabalho, educação e correntes pedagógicas no Brasil: um estudo a partir da formação dos trabalhadores técnicos da saúde’, produzido em parceria com a Editora UFRJ, é resultado de  um longo processo de pesquisa e investigação, cujo objetivo central é problematizar a educação dos filhos da classe trabalhadora. Segundo ela, a principal motivação para a elaboração da pesquisa foi justamente sua vivência como filha de trabalhadores, formada pela escola técnica e direcionada à produção de sua sobrevivência ainda jovem. “A gente não pesquisa aquilo que não conhece. Conhecendo uma realidade empiricamente, buscamos elementos teóricos e métodos para compreendê-la mais profundamente”, disse.



 



Ela destacou que sua pesquisa, ao investigar a formação profissional no Brasil, adotou um corte para a educação em saúde. Segundo Marise, a compreensão de saúde como esfera de produção da vida humana amplia o problema da formação dos trabalhadores que atuam nesse setor. Buscando as determinações da formação profissional em saúde no Brasil a partir do momento em que isso vira uma questão importante para o Sistema Único de Saúde (SUS), a pesquisa parte do resgate histórico da educação profissional em saúde para apontar as seguintes questões: a educação politécnica é hegemônica na formação desses profissionais no contexto brasileiro? Se não é, quais as concepções que têm embasado a formação dos trabalhadores da saúde no país? Partindo da recuperação da história das correntes pedagógicas no Brasil, o livro investiga as concepções implementadas, direta ou indiretamente, nas Escolas Técnicas do SUS.



 



Lembrando que não existe neutralidade no campo da produção de conhecimento, Marise Ramos esclareceu que seu ponto de partida para essa questão é a defesa da pedagogia histórico-crítica, que sustenta uma concepção de formação baseada no trabalho como princípio educativo e a práxis (o par indissociável entre teoria e prática) como uma dimensão da formação e da existência humana. A autora lembrou que questões como a compreensão do trabalho como categoria central da formação humana e a problematização da relação entre trabalho e educação sustentaram permanentemente a sua pesquisa. “A concepção defendida no livro, da educação politécnica, não é hegemônica, mas sim minoritária no cenário geral das Escolas Técnicas do SUS. Não é ela que estrutura a formação dos profissionais técnicos da saúde.  No entanto, essa não é uma concepção derrotada. Há um grande potencial para a construção de perspectivas e para o avanço em direção a outra lógica formativa, que tenha no horizonte a emancipação humana”, avaliou. E completou: “Esse potencial é o da contradição, presente na realidade. É a partir daí que podemos avançar para superar uma formação baseada na divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, para negarmos, por um lado, a lógica do treinamento, e, por outro, a do conteudismo, que trata a formação desvinculada do fazer e do SUS”.



 



ACS e a luta contra a precarização



 



O segundo livro apresentado na mesa, ‘Educação e trabalho em disputa no SUS: a política de formação dos Agentes Comunitários de Saúde’, de Márcia Valéria Morosini, vice-diretora de ensino da EPSJV, problematiza as políticas de formação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) a partir de sua institucionalização pela Estratégia de Saúde da Família nos últimos anos. Segundo Márcia Valéria, a pesquisa parte de um incômodo com a situação de a ampliação da cobertura em saúde pela Estratégia de Saúde da Família se concretizar através da precarização do trabalhador que é o elo central dessa política. A constatação da precariedade dos vínculos para a contratação dos Agentes Comunitários de Saúde e da formação aligeirada desses profissionais foi o ponto de partida para uma investigação baseada na análise dos documentos que orientam essa política de formação e em entrevistas com diversos atores desse processo.



 



Márcia Valéria lembrou que os Agentes Comunitários de Saúde foram apresentados na década de 1990 como os profissionais que poderiam elevar os índices de saúde em várias áreas, como a redução da morbi-mortalidade materno-infantil e muitas outras, e ainda mobilizar os indivíduos de suas comunidades para a transformação da realidade em que vivem. No entanto, destacou a autora, o mesmo Ministério da Saúde que apresentava esses profissionais como o elo central da política de saúde do país dizia que, para eles, bastava saber ler e escrever e poder trabalhar 40 horas por semana. “Os ACS recebiam apenas um módulo inicial de formação introdutória, baseada em uma cartilha. Mas foi justamente a partir da discussão dessa cartilha que o movimento organizado dos trabalhadores começou a questionar de maneira mais profunda o sentido e o conteúdo da formação desses profissionais”, disse.



 



Nos anos 2000, dois importantes marcos para essa luta: em 2002, foi criada oficialmente a profissão dos ACS e, em 2004, foram aprovadas as diretrizes para sua formação técnica. Márcia Valéria destacou: “Nesse contexto, podemos dizer que ganhamos, mas não levamos. A aprovação da formação técnica para os ACS era um avanço, mas iniciou-se um bloqueio para essa formação, sobretudo pelas prefeituras. A elevação da formação implicaria aumento de salários, e o argumento da falta de verbas passou a ser apresentado como impedimento para a formação técnica dos ACS”, explicou. Ela contou que havia ainda um outro argumento, segundo ela mais perverso, que se baseava na hipótese de que  profissionais com formação mais qualificada perderiam a capacidade de dialogar com suas comunidades. “Isso é a desconstrução de todo o projeto político da formação técnica”, apontou.



 



Márcia Valéria finalizou sua intervenção destacando a necessidade de disputa desse projeto. Ela lembrou que o próprio SUS não é um projeto acabado, mas sim em disputa – e que exige a problematização de que saúde se quer, para quem, com que tipo de prática, com que trabalhadores e com que formação. Nessa esteira, o debate da formação técnica dos trabalhadores também deve ser problematizado. “A formação técnica não é uma saída por si só. É preciso disputar o seu sentido também. A formação envolve temas complexos, como a relação entre teoria e prática, que devem ser levados em consideração nesse debate. Hoje, desenvolvimentos na EPSJV um projeto piloto de formação técnica para ACS que pode ser um caminho nesse sentido”, lembrou.





 

O capital-imperialismo na formação social brasileira



 



Virgínia Fontes, professora-pesquisadora da EPSJV e da Universidade Federal Fluminense (UFF), encerrou o debate apresentando os temas que nortearam a elaboração de ‘O Brasil e o capital-imperialismo – teoria e história’, feito em coedição com a Editora UFRJ. Segundo ela, a publicação busca clarear o terreno sobre o qual a classe trabalhadora trava suas lutas na atualidade, problematizando as transformações do capitalismo e os reflexos dessas transformações na estrutura do sistema. As modificações sofridas pelo capitalismo no Brasil e no mundo, sobretudo no cenário que se abre com o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, são o ponto de partida para a compreensão crítica da realidade em que vivemos ao final da primeira década dos anos 2000.



 



A professora lembrou que, ao enfrentarmos o mundo real, não o fazemos ‘desarmados’, mas sim baseados em teorias e em um  método que possibilitem sua compreensão de maneira aprofundada. Citando clássicos como Marx, Lenin e Gramsci, Virgínia reafirmou o caráter criador e criativo do marxismo, que não pode ser aplicado como fórmulas prontas e pré-concebidas. Nesse sentido, seu livro parte das contribuições clássicas para pensar as novas formas de dominação elaboradas pelo capitalismo, que precisam ser enfrentadas também a partir de suas especificidades. “Lenin estudou as modificações sofridas pelo capitalismo no início do século XX, em ‘O imperialismo’. E agora, mais de 100 anos depois, o que mudou? Quais as determinações do pós-Segunda Guerra Mundial?”, questionou a autora.



 



A construção do capital-imperialismo contemporâneo a partir de 1945,  segundo Virgínia, gerou uma associação de capitais sem precedentes na história do capitalismo, que se expressa em todas as esferas da vida. A expansão do capitalismo em todo o mundo, marcada por contradições, inicia a acumulação de capital em outra escala. Baseada na expropriação das massas populares, sobretudo camponesas, essa expansão se materializa pelo viés do capital-imperialismo. “É um período marcado pelo aprofundamento das desigualdades sociais, por mais que isso pudesse parecer impossível diante das desigualdades já existentes. Nesse cenário, as transformações não se restringem à expansão militar ou de uma potência, embora esses temas sejam fundamentais. O capital-imperialismo não é apenas uma estratégia de dominação política, mas sim um momento da expansão do capital em suas variadas formas”, explicou a professora, que destacou a importância da compreensão das ‘formas de apassivamento’ da classe trabalhadora a partir da escala de concentração do capital brasileiro. “A forma social brasileira corresponde à forma do capital-imperialismo, e isso precisa ser compreendido para o enfrentamento dessa realidade”, disse.



 



Sessão de autógrafos



 



As atividades do dia foram encerradas com uma sessão de autógrafos e um coquetel. Além dos livros debatidos na mesa-redonda, foram lançados também os volumes 1 e 4 da coleção ‘Conceitos e Métodos para a Formação de Profissionais em Laboratórios de Saúde’, desenvolvida em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e organizada por Etelcia Molinaro (EPSJV), Luzia Caputo (IOC) e Regina Amendoeira (IOC); o livro ‘A Direita para o Social e a Esquerda para o Capital’ do Coletivo de Estudos de Política Educacional da EPSJV, publicação organizada por Lúcia Neves e editada pela Xamã; a versão em hipertexto do ‘Dicionário de Educação Profissional em Saúde’ e em hipermídia do livro ‘O território e o processo saúde doença’, da Coleção ‘Educação Profissional e Docência em Saúde: a formação e o trabalho do ACS’, materiais educativos produzidos pelo Núcleo de Tecnologias Educacionais (Nuted) da EPSJV;  e o site do Projeto Mandala: acampamentos pedagógicos, também elaborado pelo Nuted.