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Luta de classes e educação

Seminário sobre o tema fez parte das atividades de encerramento do Curso de Especialização em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 22/05/2013 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

 “A luta de classes sempre esteve presente na educação. Desde a metade do século XX temos ações orgânicas articuladas do capital sobre a educação. O capital se apropriou da teoria do capital humano e fez uma redefinição do homem como força de trabalho. O senso comum é: se a educação melhora o homem como força de trabalho, então é legítimo e necessário que o homem atue na educação”. Com essa afirmação, Roberto Leher, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), iniciou sua fala no seminário ‘Luta de classes e educação’, realizado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) no dia 15 de maio. O evento fez parte das atividades de encerramento do Curso de Especialização em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais.



Segundo Leher, ao longo do tempo, a teoria do capital humano, tal como foi apropriada pelo sistema capitalista, passou por altos e baixos. Na década de 1980, houve alguns avanços na concepção de educação carreados pelo ascenso dos movimentos sociais. Mas, a partir da década seguinte, o capital vem, sistematicamente, difundindo outras teorias com a liderança de movimentos que agregam representantes dos setores dominantes do capital. “Um exemplo é o Todos pela Educação, que reúne empresas como Itaú, Odebrecht, Vale, entre outras, o núcleo sólido dos setores dominantes, que operam uma agenda acachapante que a sociedade usa como seus referenciais”, disse o professor, acrescentando que o capital faz uma forte ofensiva sobre a educação pública e exemplificando com o Plano Nacional de Educação, no qual tudo que diz respeito à formação profissional está ligado ao setor sindical.



“Existem poucos questionamentos e tensionamentos na sociedade brasileira sobre o processo de educação. Até na esquerda há um consenso que a educação está no caminho certo. As mesmas empresas que fazem as grandes obras, como Odebrecht e Vale, estão pensando a educação pública. As coisas estão muito imbricadas”, ressaltou Divina Lopes, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que também participou do seminário.



Para Leher, os setores dominantes têm consciência que fazem luta de classes e é necessário que a educação seja vinculada à estratégia política. “A educação abandonou o debate sobre a estratégia e temos que refletir sobre isso”, disse o professor, que considera que a última intervenção estratégica no Brasil foi o debate da educação popular ocorrido nos anos 1960, com trabalhos como o de Paulo Freire, o Movimento Pés Descalços e o Movimento de Educação de Base. Nessa estratégia, a educação era alfabetização e conscientização, com a concepção de formar uma consciência nacional desenvolvimentista. “O objetivo era ampliar os eleitores, porque analfabeto não votava nessa época, e conscientizar sobre a necessidade das reformas e a revolução democrática burguesa. A burguesia não fez as reformas e cabia aos trabalhadores empunhar essa bandeira para que as reformas acontecessem. Mas essa estratégia resultou em um fracasso monumental com o golpe de 1964 e a debilidade da reação popular ao golpe. As forças nacional-desenvolvimentistas se juntaram ao grupo do golpe de 1964 e isso exigiu que a esquerda reavaliasse sua estratégia política”, destacou.



A contraposição entre neoliberais e desenvolvimentistas, que faz parte dos debates atuais, é a mesma matriz teórica de 1960. “O debate de hoje é o mesmo que balizava nossa reflexão nos anos 1960. Estamos aprisionados em uma lógica da educação que não pode romper com a classe em si. Temos que atualizar o debate para um projeto autônomo de classe pensado pelos trabalhadores. Como escreveu Florestan Fernandes, a escola que estamos solicitando não pode reproduzir a lógica burguesa. Temos que trabalhar um horizonte de educação de uma sociedade sem classes”, observou Leher.



Para Divina, um dos desafios dos movimentos sociais na luta de classes pela educação é evidenciar as contradições que existem na sociedade capitalista. “A educação pública no Brasil está a serviço de quem? Hoje está a serviço dos grupos privados. A formação está hegemonizada pelo capital e é feita em grande parte pelas empresas, vinculada ao sistema produtivo. A expansão do ensino superior, a interiorização das universidades e expansão dos IFETS (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia) está vinculada ao sistema produtivo. A educação pública está a serviço do capital”, destacou ela.



Fragmentação



A fragmentação da política educacional atual foi destacada pelos dois palestrantes como uma das maneiras de manter a dominação sobre a classe trabalhadora. “A política educacional é organizada em programas para atender especificidades, não é pensada como um direito universal estruturante para todos”, ressaltou Divina.



Citando Gramsci, Leher lembrou que uma sociedade é tão menos desenvolvida, quanto mais tipos de escolas possui. “A defesa da escola unitária de Gramsci é estratégica porque é a oposição a fragmentação. É possível uma classe disputar a hegemonia sem ser dominante”, disse o professor, acrescentando que, hoje, o Estado particulariza um subgrupo e faz uma educação específica para ele. “As escolas atuais cumprem a função de socializar, difundindo uma maneira de pensar e viver. E a pessoa bem socializada é um bom capital humano e pode pleitear um emprego. O Sistema S forma um exército industrial de reserva para que as indústrias façam uma troca constante de funcionários. Tem que formar mais gente para manter o salário achatado. Isso é o sentido da fragmentação”, explicou ele.



Para Divina, luta pela não fragmentação da política educacional é um grande desafio para os movimentos sociais. “O MST tem uma grande experiência pedagógica para pensar a educação na perspectiva da luta de classes. Temos uma concepção que é mais que escola e está ligada a movimentos mais amplos da sociedade. Nossa luta é pela organização de um processo educativo que garanta o acesso à escola, mas dispute com o Estado a condução desse processo. A educação traz a luta do MST não apenas pela terra, mas também pela transformação social”, disse ela.



Ainda citando Gramsci, Leher falou sobre como os dominantes dominam, lembrando que, nem sempre os partidos estão organizados como tais: muitas vezes, outras organizações capazes de conduzir a hegemonia e a visão de mundo cumprem essa função. “O Todos pela Educação não é um partido dos setores dominantes, mas atua como um partido ao difundir um projeto para a Nação. Eles disputam os postos chaves do Estado, como a Secretaria de Educação Básica e o Inep, e têm uma influência crescente sobre os setores que elaboram a agenda. O Plano Nacional de Educação (PNE) é um exemplo. Foi elaborado com a assessoria do Todos pela Educação e é diferente do aprovado na Conferência Nacional de Educação (Conae). Temos que organizar lutas para combater os nexos do TPE com o poder. É crucial que esse nexo fique evidenciado para avançar na reflexão e na crítica”, disse Leher, que citou ainda como exemplo de dominação a centralização da produção de materiais pedagógicos por quatro grandes corporações mundiais.



Especialização



O seminário fez parte das atividades de encerramento do Curso de Especialização em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais realizado pela EPSJV, com financiamento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A Turma Comuna de Paris teve início em junho de 2011 e era formada por alunos militantes, dirigentes e responsáveis pela educação e formação do MST.



Também como parte das atividades de encerramento do curso, os alunos apresentaram seus Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) para as bancas de examinadores. Os trabalhos foram feitos individualmente pelos educandos e abrangeram quatro linhas de pesquisa – Trabalho e Educação; Estado, políticas públicas de educação e luta de classes; Universidade, Ciência e hegemonia: a questão da consciência; e Movimentos sociais e as experiências da luta pela educação.