Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Movimentos sociais e juventude

Debate na EPSJV reuniu o ex-líder estudantil Vladimir Palmeira e Ana Marcela Terra, do Levante Popular da Juventude.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 29/08/2013 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

‘Movimentos sociais e juventude: ontem e hoje’ foi o tema de uma mesa de debates que fez parte das comemorações do aniversário de 28 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e dos 25 anos do Curso Técnico de Nível Médio em Saúde da EPSJV. O debate teve a participação de Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME) em 1968; e Ana Marcela Terra, integrante do Levante Popular da Juventude do Rio de Janeiro.



Vladimir, que foi um dos principais líderes estudantis dos anos 1960, relembrou alguns fatos daquele período. “Em 1968, o movimento estudantil era sindical, não tinha teoria para propor uma solução para o país. Os líderes do movimento estudantil do Rio de Janeiro aprenderam com o movimento de massa, que ensina que recuar faz parte da luta, que é longa. Tem que recuar, não dá para fazer tudo de uma só vez”, destacou Vladimir, acrescentando que o movimento estudantil lutava por outra política educacional do governo. “Tínhamos que representar os estudantes e trazer as reivindicações deles. Construímos um movimento sindical estudantil que em outros países não existia. Com isso, conseguimos dialogar com a classe média, fizemos a Passeata dos Cem Mil e fomos recebidos pelo presidente Costa e Silva”.



Vladimir contou que os movimentos de 1968 surgiram em parte por causa da desilusão da classe média com o Golpe Militar. “Inicialmente, a classe média apoiou o Golpe e se voltou contra o Jango”, disse ele, destacando que o ano de 1968 foi um ano de transição, que teve suas raízes antes de 1964. “Nessa época, a esquerda foi crescendo e foram surgindo movimentos fortes no campo. Do outro lado, os militares e a burguesia estavam juntos. Ao mesmo tempo, as forças armadas estavam divididas entre a esquerda e a direita”.



Ele lembrou que, em 1968, o Brasil estava em um período de transição para um país urbano. Ao mesmo tempo, estava em curso uma revolução nos costumes e na cultura, incluindo o comportamento sexual. “E, na imprensa, a publicidade começou a se voltar mais para os jovens, com uma grande influência norte-americana”, ressaltou Vladimir.



O ex-líder estudantil lembrou de alguns episódios nos anos de ditadura como a passeata que realizariam em 1965, no dia em que foi decretado o Ato Institucional nº 2 (AI-2, de 27 de outubro de 1965). “O governo baixou o AI-2 e não teve mais ato, mas fomos para o Centro Acadêmico da Faculdade Nacional de Direito e decidimos que íamos para a Central do Brasil conversar com os operários. Mas, como a esquerda gosta muito de conversar, só chegamos à Central do Brasil quando não havia mais operário”, contou Vladimir, lembrando também de outro momento, já em 1966, quando o movimento conseguiu reunir cinco mil estudantes em uma passeata na Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro. “Fizemos a passeata na contramão. Paramos o trânsito e a polícia não tinha como chegar até nós”.



Em outro episódio, os estudantes ocuparam a Faculdade de Medicina, que foi cercada e invadida pela Polícia Militar. “Bateram muito na gente. A partir daí, não conseguimos juntar mais ninguém até a Passeata dos Cem Mil, em 1968. Foi uma repressão brutal que nos fez repensar o movimento”, disse.



Vladimir contou que até 1968, o movimento estudantil não era associado à violência. “Nossa política era de fugir da polícia. A gente não brigava, mas ela sempre batia na gente. Quando vinha a repressão, a gente mudava de lugar e começava a passeata em outro lugar. Depois de 1968, também passamos a ir para cima, mas não era a violência pela violência”, disse.



Falando sobre o que considera ser a herança daquele momento, Vladimir destacou que um dos maiores legados de 1968 são as universidades públicas brasileiras. “Queriam privatizar como os americanos fizeram, mas nós não deixamos. Nos anos 1970 começaram a abrir as faculdades privadas. Durante meus dez anos de exílio (1969-1979), a ditadura permitiu a ampliação do ensino superior privado, de qualidade duvidosa, mas as universidades públicas continuam sendo de excelência”, ressaltou o ex-líder estudantil. E acrescentou: “Outra lição de 1968 é que não se deve aceitar o que os mais velhos dizem sem desconfiar. Tem que pensar sobre o que está estabelecido e ter uma ação crítica, pensar com a própria cabeça e não aceitar sem questionar”.



As manifestações hoje



Para Vladimir, as manifestações atuais são “arejadas” e querem mudar o mundo. “É isso que a gente quer e é o que nos faz ser de esquerda”, disse ele. Sua opinião sobre uma das mais conhecidas instituições representativas dos jovens, a União Nacional dos Estudantes (UNE), é mais crítica: “A UNE não representa nada porque não parte dos estudantes. Eles se afastaram da base e não representam a massa estudantil. Todo movimento social tem que ser corporativo e o movimento estudantil atual tem uma estrutura em torno do nada”.



Perguntado sobre o que achou da resposta do governo federal às manifestações das ruas, Vladimir, que também é ex-deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores e um dos fundadores do partido, do qual não faz mais parte, fez uma avaliação negativa. “No primeiro momento, o governo disse que o problema não era dele. Depois veio com a proposta da Constituinte exclusiva, que eu achei ótimo, mas depois o governo recuou”, disse ele. E completou: “O governo Lula foi um grande governo, o melhor dos últimos 50 anos porque distribuiu renda e isso não acontecia há muitas décadas, mas o governo Dilma é muito ruim. Os programas sociais continuam, mas o país está sem norte na economia. A Dilma grita, mas acaba recuando e fazendo o que os empresários querem”.



Diante desse quadro, ele não é otimista sobre as próximas eleições. “Não temos alternativa eleitoral, pelo menos por enquanto, porque as candidaturas que se colocam são as mesas de sempre. PT e PSDB são partidos da ordem. Como não tem mais partido de esquerda, tem que estar no partido da ordem para dar conta. O PT está incrustado no aparelho de Estado. Quando um partido de esquerda teme os movimentos de massa é porque não é mais um partido de esquerda”, finalizou.



Levante Popular da Juventude



Ana Marcela Terra, integrante do Levante Popular da Juventude (LPJ), falou sobre a importância de os jovens se organizarem para lutar por seus direitos. “Queremos criar um sujeito de história. Não queremos ser o futuro, mas o presente. Queremos ser agentes de transformação porque nosso tempo é agora, temos que lutar agora. Temos que nos organizar cotidianamente e temos força para isso”, destacou ela, acrescentando que as novas formas de organização são importantes, mas que todos os grupos, como partidos e sindicatos, têm seu papel na luta.



Segundo Ana Marcela, o LPJ surgiu em 2006, no Rio Grande do Sul, pensando em um projeto popular para o Brasil. Atualmente, o movimento tem atuação em 17 estados brasileiros. “No Rio de Janeiro, as atividades começaram em 2012 e estamos crescendo”, disse ela, destacando que o LPJ é baseado em um tripé – organização, formação e luta – e que inclui movimentos estudantis, populares e campesinos. Ela aproveitou ainda para convocar a todos para o 19º Grito dos Excluídos, que acontecerá em todo o país no próximo dia 7 de setembro. “Nossa expectativa é que a marcha deste ano seja muito maior que a dos anos anteriores”.



Para Marcela, é importante também que as lutas sejam articuladas entre si. “Temos que articular, por exemplo, a luta da favela com a do asfalto. Ninguém da esquerda é a favor das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Isso [a política de UPP] só trocou quem está atrás da arma. Antes era o traficante, agora é o Estado”, observou.



Perguntada sobre o que achava dos Black Blocs, Ana disse que os considera um movimento organizado e bem articulado. “Eles sabem o que querem e tem um papel na luta, mas a estratégia do Levante é diferente e não segue a prática deles”, concluiu.