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O papel da mídia em debate na EPSJV

Dinâmica dos meios de comunicação no Brasil também foi tema do evento de aniversário da Escola Politécnica.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 29/08/2013 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

O debate sobre o papel da mídia nas manifestações que vêm acontecendo no Brasil desde junho e sobre a dinâmica dos meios de comunicação no Brasil foi o tema da mesa ‘Uma visão alternativa dos fatos: outra mídia, outro jornalismo’. O evento, realizado no dia 22 de agosto, fez parte das comemorações do aniversário de 28 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e dos 25 anos do Curso Técnico de Nível Médio em Saúde da EPSJV. Participaram do debate Bruno Torturra, jornalista, fotógrafo e um dos fundadores da Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação); Silvio Caccia Bava, sociólogo e editor do Le Monde Diplomatique Brasil; e Rodrigo Murtinho, vice-diretor de Informação e Comunicação do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e militante dos movimentos pela democratização da comunicação.



A necessidade de mudança na prática dos meios de comunicação do país foi consenso entre os debatedores. “Acredito que precisa ser feita uma profunda reforma na comunicação e, para isso, a mídia alternativa é primordial. Precisamos atualizar o sistema de comunicação, demonstrando que não estamos dando conta dos anseios e da felicidade das pessoas”, disse Bruno. E completou: “O Mídia Ninja é apresentado como inimigo da grande mídia, mas não entendemos que existam dois jornalismos, acho que existe um único jornalismo. O que está em crise é esse modelo de referencial único, que existe há muito tempo”. Rodrigo Murtinho concordou: “A mídia engessa o debate público e não tem pluralidade, traz sempre o mesmo discurso. A internet é um grande meio alternativo para se informar de outra maneira”.



Para Silvio Caccia Bava, a imparcialidade no jornalismo nunca existiu, o que sempre houve é um discurso ideológico que impõe uma visão como se fosse a de todos. “Não é preciso ser imparcial, todos têm opiniões diversas, e o fundamento e a riqueza da democracia está na diversidade. A imprensa não é imparcial, mas é preciso garantir a emergência das múltiplas vozes. A questão não é enquadrar o Estadão e a Folha, é ter no país outros grupos que gerem outras opiniões e o debate”, ressaltou.



Os debatedores mostraram que a concentração da mídia, que reflete a falta de diversidade de opiniões na cobertura da grande imprensa, por exemplo, acaba gerando distorções. Rodrigo Murtinho apresentou dados de uma pesquisa sobre a democratização da mídia, realizada pela Fundação Perseu Abramo, que mostram que 60% da população pensa que os canais de televisão são propriedade privada, enquanto apenas 28,8% sabem que eles são, na verdade, concessões públicas exploradas pela propriedade privada. Ainda de acordo com a pesquisa, quando perguntada sobre que interesses os meios de comunicação atual defendem, a maior parte da população acha que os veículos defendem os interesses de seus próprios donos, dos que têm mais dinheiro ou dos políticos. Apenas uma pequena parte acredita que eles defendem os interesses da maioria da população. “A população desconhece que essas empresas atuam por concessão do Estado. É preciso que o debate seja colocado na rua para que as pessoas discutam isso. A comunicação é vista como privada porque é feita dessa forma há muitos anos. Os grandes jornais, a imprensa comercial, se desenvolveram amplamente com o apoio do Estado”, observou Rodrigo.



O pesquisador do Icict disse ainda que o Estado é permissivo na hora de conceder ou fiscalizar as concessões de radiodifusão. “Os políticos não podem estar à frente de serviços públicos e a radiodifusão é um serviço público. Mesmo assim, o Congresso Nacional está cheio de representantes da radiodifusão”, ressaltou, acrescentando: “A concessão de 80% das rádios comerciais de São Paulo já expirou e não foi, mas a Anatel não fiscaliza como faz com as rádios comunitárias e a polícia não fecha essas rádios”.



Para Bruno Torturra, a grande revolução também deve ser feita na outra ponta da imprensa, o leitor. “Qual o papel do leitor? Mais do que questionar, ele deve ser participante, pautar e ajudar a construir. O grande debate é que tipo de política de comunicação precisamos ter no país e como a comunicação é produzida. Acredito que Mídia, Comunicação e Jornalismo deveriam ser uma disciplina no Nível Médio e Superior. Precisamos de profissionais em todas as áreas e todos deveriam saber como funciona a mídia. Isso é fundamental para uma comunicação mais democrática”, disse o Ninja, que completou: “O cidadão está entendendo seu papel, questionando a mídia e emitindo sua opinião, tirando da mídia o monopólio do debate público. Acho que dá para ser honesto, dá para ter um lado e não ser manipulador”.



Rodrigo destacou ainda que outra mudança necessária é na lógica do financiamento da mídia pelo Estado. “Temos que questionar frontalmente como o Estado financia a mídia. Não há forma de mudar a lógica se não mudar o financiamento. Quem recebe mais dinheiro tem mais chance de se fortalecer e crescer. O anúncio no jornal privado está financiando o jornal privado”, explicou. Ele anunciou que um dos resultados mais recentes desse debate em torno da regulação da mídia é uma proposta de Projeto de Lei de Iniciativa Popular, lançada exatamente naquele dia, no Congresso Nacional. O projeto de Democratização da Comunicação está recolhendo assinaturas para poder tramitar no Congresso.



Mídia Ninja



A Mídia Ninja é uma rede de jornalismo independente, nascida a partir de coletivos culturais. Algum tempo antes das primeiras manifestações de junho, o grupo lançou uma chamada pública. Segundo Bruno, a ideia era juntar três pontos: a demanda pública por uma comunicação diferente da que existe hoje, em que as pessoas não se sentem representadas; a demanda de uma juventude que não está na faculdade; e o sucateamento de uma mão de obra de jornalistas experientes que estão sendo jogados para fora das redações e do mercado. “O plano era juntar as três pontas, mas as manifestações explodiram e fomos para as ruas cobrir sem ter ainda o lastro editorial, teórico e organizacional. A Mídia Ninja não é uma empresa, não quer ser uma empresa, não quer gerar lucro e nem ser um veículo. Nunca tivemos estrutura e uma proposta empresarial. Essa exposição inclusive nos atrapalhou. Mas acreditamos que é mais simples do que parece se comunicar e discutir a sociedade publicamente”, afirmou Bruno, que acrescentou: “As pessoas questionam se o que fazemos é ou não jornalismo. Trabalhamos com pessoas jovens, que nunca passaram por uma redação, não foram treinados e estão aprendendo na raça”. Sobre a violência que os Ninja também sofreram — no Rio de Janeiro, milhares de pessoas assistiram ao vivo a alguns deles serem arbitrariamente levados pela polícia —, ele disse não dar tanta importância. “Tentamos não fazer um drama quando somos agredidos, porque não achamos que é mais grave agredir um jornalista do que qualquer outro cidadão”, respondeu.



Le Monde Diplomatique Brasil



Com sete anos de existência, o Le Monde Diplomatique Brasil é uma franquia do Le Monde francês. Como explicou o editor, Silvio Caccia Bava, dada edição mensal é composta por 60% de matérias traduzidas da edição francesa e 40% de material produzido no Brasil. “O que queremos é construir um campo da diversidade. Não pagamos a quem escreve no jornal, as pessoas contribuem porque entendem que é uma forma de solidariedade. O que sustenta nosso jornal são as vendas, pois conseguimos poucos anúncios do governo e menos ainda da iniciativa privada”, disse Silvio, acrescentando: “Fizemos uma enquete no nosso site e 36% das pessoas disseram que fariam uma contribuição regular para manter o jornal. Então, existe uma aceitação de que esse debate é importante”.



Conjuntura



Silvio também fez uma breve análise da conjuntura antes das manifestações, destacando que antes delas, o cenário era de movimentos sociais cooptados pelo governo, que tentavam desarticular o campo da defesa de direitos. Ao mesmo tempo, avançava no Brasil, assim como em outros países da América Latina, a transformação dos bens públicos em mercadorias, com a privatização dos serviços. “A lógica da produção dos serviços foi se transformando em mercadoria e isso é perverso porque quem não tem dinheiro não tem acesso a nada. É a mercantilização da vida”, disse. Nesse cenário, os R$ 0,20 foram a faísca para a série de manifestações que tomaram o país. “Como R$ 0,20 colocam dois milhões de pessoas nas ruas em 400 cidades do país, como a gente não via desde o Fora Collor e as Diretas Já? É que a mercantilização das cidades tem um limite. Transformar a cidade em mercadoria é parte da lógica capitalista. Os processos de urbanização expulsam quem não pode pagar para as áreas mais afastadas. Além disso, os serviços de saúde e educação foram sendo sucateados para forçar as pessoas a migrarem para os serviços privados”, continuou.



Silvio destacou ainda que esse movimento de transformar as cidades brasileiras em mercadorias, iniciado nos anos 1990, tem uma concepção por trás. “Para que serve a cidade? Serve como acumulação do capital para fazer o lucro. E qual a aspiração e a demanda dos movimentos sociais? Eles querem uma cidade para o cidadão. Existe uma polarização entre a cidade como mercadoria e a cidade como um direito, em que o cidadão possa participar das decisões. O que todos querem é a formulação de políticas públicas que atendam aos interesses da maioria”, concluiu.





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