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Reflexões sobre a gestão do cuidado em saúde na atenção básica

Seminário promovido pela EPSJV/Fiocruz tratou das condições necessárias para a gestão do trabalho e do cuidado no primeiro nível de atenção e da necessidade de se monitorar e avaliar as informações em saúde
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 18/10/2019 10h39 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Gestão do trabalho e do cuidado na atenção básica exige monitoramento e avaliação Foto: Katia Machado

‘Usos da informação para a gestão do trabalho e do cuidado na atenção básica’. Esse foi o título da segunda mesa de debate do seminário ‘Informação em saúde na atenção básica’, promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no dia 15 de outubro. O encontro, que reuniu diversos atores da atenção primária e do campo da informação em saúde, destacou-se pelas discussões acerca das condições necessárias para a gestão do trabalho e do cuidado na atenção básica e da necessidade de se monitorar e avaliar as informações em saúde.

Gestão do trabalho para quê? Quais são os resultados esperados da Estratégia Saúde da Família (ESF) bem executada? Como alcançar esses resultados? As perguntas foram trazidas pelo secretário-executivo da Fundação Estatal Saúde da Família da Bahia (FESF-SUS), José Santana. Na sua visão, o que se espera da ESF é a resolução da maioria das situações apresentadas nos serviços, o aumento da autonomia do indivíduo, da família e da comunidade quanto ao autocuidado, a organização da demanda para o restante da rede – ou seja, a chamada ‘coordenação do cuidado’ –, além da redução das internações por causas sensíveis à atenção primária à saúde (APS) e do fomento à participação popular e ao controle social.

Para tanto, continuou, é necessário acolher todos os usuários que procuram o serviço, atender às demandas espontâneas e desenvolver o cuidado contínuo, realizar os pequenos procedimentos, bem como as atividades de promoção da saúde e prevenção de agravos e as visitas domiciliares. “Alcançar os resultados esperados requer também fazer uma gestão compartilhada do processo de trabalho e de cuidado. Isso implica promover reunião de equipe e pensar projetos terapêuticos singulares. Além disso, requer uma gestão participativa, com a implantação de conselhos locais de saúde”, completou.

Estrutura necessária

Para Santana, há uma lista de condições importantes para a gestão do processo de trabalho em uma unidade de Saúde da Família. Dela fazem parte a estrutura física e a ambiência, a disponibilidade de equipamentos e insumos, a mobilidade no território, equipes completas, o acesso a exames, procedimentos e consultas especializadas, em articulação com a rede de saúde, planos de cargos, carreiras e salários, bem como a informatização e conectividade das unidades de saúde. “Não é fácil garantir essas condições”, afirmou.

Ele elencou vários pontos que prejudicam a gestão do trabalho e do cuidado nas unidades básicas de saúde, como a escassez de recursos financeiros, as dificuldades para licitação dos insumos, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que impõe um teto de gastos com pessoal, a dificuldade de atrair e fixar profissionais em locais com poucos recursos, , em especial médicos,  a ingerência político-partidária e o perfil inadequado de formação profissional para a Estratégia Saúde da Família. “A gestão do trabalho em saúde parte de uma concepção na qual a participação do trabalhador é fundamental para a efetividade e eficiência do SUS”, observou. E completou: “A gestão do trabalho pode ser compreendida, no campo da macropolítica, apenas sob o formato administrativo, pautada em situações de mando e no controle prescritivo da organização dos processos de trabalho. Mas também pode ser uma ação cotidiana do trabalhador, no espaço da micropolítica, a partir do reconhecimento de que todos os trabalhadores são gestores do seu próprio trabalho, exercendo graus de liberdade na organização e execução das suas práticas”.

Ainda de acordo com Santana, a informação e seu processo de produção deve ser pensada para que não gere trabalho a mais para o profissional, sirva para apoiar e facilitar o processo de trabalho, bem como os gestores e trabalhadores n tomada de decisão  e para que se possa promover a interação do cuidado na rede de atenção à saúde.

O médico sanitarista e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Eduardo Melo, reforçou o lugar da APS nas redes de saúde: “Ela é entrada preferencial; base para o reordenamento das redes de saúde; espaço privilegiado de acesso e vinculação para o conjunto da população... Em síntese, é a APS que faz o acolhimento da demanda espontânea, que realiza o cuidado continuado e atua sobre problemas coletivos de saúde”. Para isso, acrescentou, faz-se necessário suportes ambulatorial e hospitalar e, também, “microrregulação a partir da atenção básica”.

Melo explicou que o cuidado em saúde, como prática, é aquele focado na doença. “Esse é o mais comum, é como as escolas de medicina vem formando os médicos até hoje”, criticou. Há, por outro lado, o cuidado baseado nas pessoas e na experiência singular do adoecimento e do sofrimento, considerando o contexto de vida. “Por isso que a gestão do cuidado deve ser estruturada a partir das práticas individuais e coletivas”, orientou.

Ele citou alguns dispositivos e ferramentas importantes da gestão do cuidado em redes de saúde, como as linhas de cuidado, as diretrizes clínicas e protocolos, os projetos terapêuticos singulares, bem como os prontuários eletrônicos de informações clínicas e as práticas avaliativas e de monitoramento.

Monitoramento e avaliação

Mas será que os sistemas de informação em saúde atuais produzem dados que, de fato, subsidiam e qualificam os processos de gestão e de cuidado na atenção básica? Quais são as possibilidades e os limites do uso das informações produzidas pelos sistemas de saúde para o monitoramento e a avaliação das ações na atenção básica? Até que ponto as ferramentas de monitoramento e avaliação propiciam informações úteis como mecanismos indutores de reflexões coletivas dos atores envolvidos com a gestão do cuidado na atenção básica? E quais os elementos relevantes da avaliação em saúde a serem pensadas para a avaliação dos sistemas de informação em saúde na atenção básica? As perguntas nortearam a apresentação de Marly Marques da Cruz, pesquisadora em Saúde Pública e professora no Departamento de Endemias Samuel Pessoa da ENSP/Fiocruz.

“Há certo ‘modismo’ da avaliação, seja por que temos dificuldade de saber o que queremos avaliar, seja por conta da fragmentação dos sistemas de informação. Ainda não conseguimos fazer, de fato, a conexão das informações”, caracterizou. Para entender o valor que um sistema de informação tem é preciso, segundo a professora, fazer monitoramento e avaliação. “Ou seja, precisamos entender o que se quer com o sistema, o que é preciso ser definido e informado”, detalhou.

Ela explicou que monitorar não é o mesmo que avaliar. “O monitoramento é contínuo. A avaliação é pontual”, resumiu. Para Cruz, diferente do monitoramento, os processos avaliativos podem fornecer a compreensão dos problemas, levando em conta o diálogo dos interessados com pontos de vista diversos. “Amplia-se assim um tipo de rede de conhecimentos que potencializam inovações a partir de saberes produzidos por teorias também advindas da experiência do praticado, que podem orientar novas práticas”, explicitou. A avaliação, segundo Cruz, aborda efeitos de intervenções tecnológicas, programáticas e políticas, modifica intervenções e organizações, produz conhecimento e reproduz valores sociais. “Se pegarmos a estratégia do Consultório de Rua do Rio de Janeiro observaremos que é diferente de Salvador. Ao avaliar a estratégia, precisamos considerar as características culturais, socioeconômicas de cada local”, exemplificou.  “A gente monitora pouco e fazemos da avaliação um ato meramente burocrático”, concluiu.