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Saberes, práticas e competências

Estudo coordenado pela EPSJV analisa o processo de trabalho dos trabalhadores técnicos da Estratégia Saúde da Família
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 28/06/2017 11h47 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Os saberes, práticas e competências dos trabalhadores técnicos em saúde que atuam na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS) foram o tema da pesquisa “Processo de trabalho dos técnicos em saúde na perspectiva dos saberes, práticas e competências”, coordenada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O estudo teve a duração de dois anos e foi financiado por um edital do Ministério da Saúde voltado para a Rede de Observatórios em Saúde. “A pesquisa visou apreender os saberes dos trabalhadores técnicos da Estratégia Saúde da Família desde a formação, os níveis de escolaridade, até a formação técnica propriamente. Também pesquisamos como eles aprendem no trabalho e como articulam esse aprendizado que vem da formação com o aprendizado que vem da experiência do trabalho”, explica Marise Ramos, coordenadora da pesquisa e professora-pesquisadora da EPSJV.

A pesquisa teve como objetivo analisar a formação profissional desses trabalhadores técnicos, considerando os princípios e diretrizes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e as características do processo de trabalho. No estudo, foram analisados os auxiliares/técnicos de enfermagem, os técnicos de saúde bucal (TSB), os agentes comunitários de saúde (ACS) e os agentes de combate a endemias (ACE), que integram equipes da ESF. O trabalho de campo da pesquisa foi realizado em 20 municípios de 13 estados brasileiros, que possuem índice de cobertura da ESF maior ou igual a 60% e equipes compostas por enfermagem, ACS, TSB e ACE.

Participaram do estudo, 15 professores-pesquisadores da EPSJV e 15 profissionais das Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS) dos estados participantes da pesquisa. Durante a realização do estudo, os pesquisadores entrevistaram todos os trabalhadores técnicos das equipes de ESF participantes e cada pesquisador ficou uma semana inserido no processo de trabalho dessas equipes.

Formação

Os resultados da pesquisa mostram que houve uma acentuada elevação da escolaridade dos técnicos, principalmente entre os ACS. Marise destaca o fato da elevação de escolaridade ter aumentado justamente entre os profissionais cujo requisito mínimo para o acesso a profissão é apenas o ensino fundamental. “Essa elevação não aconteceu por causa de uma política pública, é uma iniciativa pessoal deles, pois o sistema de saúde só oferece os cursos iniciais”, observa ela.

O estudo também constatou que a formação inicial dos técnicos de Enfermagem e de Saúde Bucal é, prioritariamente, realizada em instituições privadas e não seguem um padrão único, além de não serem feitas de acordo com os princípios do SUS, ao contrário do que acontece no caso dos ACS e dos ACE, cuja formação inicial atende aos princípios do sistema de saúde.

Em relação à formação continuada desses trabalhadores técnicos, a pesquisa verificou que ela não segue um padrão e que os profissionais a consideram insatisfatória. “A formação continuada também é escassa para esses trabalhadores, que gostariam de participar de capacitações mais longas e com temas específicos. Normalmente, são oferecidos cursos de curta duração, durante o horário de trabalho e com temas pontuais”, ressalta Marise.

Saberes

A pesquisa também verificou a relação entre a tipologia dos conhecimentos – técnico-científico, relacional e ético-político - e suas fontes – educação formal ou prática/experiência. A prática profissional é a principal fonte dos conhecimentos que estruturam os saberes desses profissionais técnicos. “Especialmente, pelo fato da formação em Enfermagem e do técnico em Saúde Bucal não ser estruturada a partir da política de saúde. Então, é na prática que eles vão aprender os princípios da Atenção Básica”, destaca Marise, acrescentando que a formação inicial aparece como fonte de aprendizado principalmente quando referida ao conhecimento técnico-científico.

Segundo Marise, a formação inicial inclui o conhecimento técnico-científico, mas ele não está presente na prática do trabalho. Enquanto isso, os conhecimentos relacional e ético-político estão presentes na prática, mas não fazem parte da formação inicial. “Isso mostra a necessidade de repensar essa formação, no sentido de construir maior unidade e articulação entre esses conhecimentos. Nossa ponderação é justamente sobre a necessidade de qualificação das duas fontes, a formação inicial deveria incorporar os conhecimentos do tipo relacional e técnico-científico e a prática deveria ser requalificada ao ponto de que o conhecimento técnico-científico possa ser apreendido ou requalificado na relação com os fundamentos e não só na realização dos procedimentos”, ressalta a pesquisadora.

Modos de cognição

Os modos de cognição, ou seja, a maneira como o conhecimento é utilizado, também foi tema da pesquisa com os trabalhadores técnicos. No caso desses profissionais, o modo de cognição mais utilizado é o intuitivo-associativo. “Eles são capazes de contextualizar o conhecimento formal nas situações práticas, mesmo em situações novas e diferentes, para aplicar o aprendizado formal na prática. E o inverso também acontece, ele aprende na prática, mas consegue fundamentar esse aprendizado. Ou seja, ele é capaz de contextualizar o saber científico e também de ‘cientifizar’ o conhecimento prático”, explica Marise, acrescentando que esse processo de contextualização acontece de forma tácita, não explícita, por isso é considerado intuitivo, mas tem um fundamento teórico. “Por utilizar esse modo de cognição, o técnico tem elevada capacidade resolutiva. Eles dão conta dos problemas que acontecem no seu trabalho, justamente porque usam o modo de cognição intuito-associativo”.

Segundo Marise, o modo analítico de cognição, em que o profissional não age porque precisa analisar a situação para compreender o que está acontecendo, não é típico do trabalhador técnico, assim como o modo de cognição automático, no qual o trabalhador cumpre suas tarefas de maneira automática e não tem capacidade para agir em imprevistos, também não foi observado entre esses profissionais.

Práticas

Na análise do escopo de práticas desses trabalhadores técnicos, os pesquisadores consideraram três parâmetros que regulam essas práticas – a Política Nacional de Atenção Básica (Pnab), as leis do exercício profissional e as leis complementares dos sistemas de saúde. Segundo a pesquisa, foram observadas três situações – as tarefas prescritas e realizadas, que já são as totalmente esperadas desses trabalhadores; as prescritas e não realizadas, que, normalmente, estão associadas à falta de condições ou estrutura no serviço; e as não prescritas e realizadas que, em alguns casos, se caracterizam como desvio de função e, em outros, como novas demandas pela ausência do profissional que deveria fazer aquele serviço. “As tarefas não prescritas e realizadas, que surgem das articulações entre os técnicos, consideramos como ampliação ou transformação do escopo de práticas, que acontece com muitas profissões”, observa Marise.

Divulgação

Os resultados da pesquisa serão divulgados por meio de um livro, um dossiê temático, um seminário e uma série de televisão em parceria com o Canal Saúde, da Fiocruz. A previsão é que todos os produtos estarão finalizados até o final de 2017.