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Saúde, Educação e Trabalho em debate

Ex-alunos e especialistas fazem um balanço dessas áreas ao longo dos 30 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 03/08/2016 11h10 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Maycon GomesUm panorama da história da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) pelo olhar de alunos de épocas diferentes desses 30 anos de existência da Escola. Esse foi o tema da mesa de abertura do 1º Seminário Temático da EPSJV, realizado no dia 28 de julho, com o objetivo de discutir o Programa Político Institucional (PPI) da Escola. Na mesa ‘Reflexões sobre os desafios da EPSJV ao longo destes 30 anos à luz do panorama e balanço político das áreas de educação, trabalho e saúde’, quatro ex-alunos da Escola falaram sobre suas experiências na instituição, com a mediação do aluno Mateus Alves, integrante do Grêmio Estudantil da EPSJV.

Regina Pereira, aluna do Curso Técnico em Administração Hospitalar, de 1988 a 1990, contou que estudou na Escola em uma época que a EPSJV estava começando e ainda procurava o seu caminho. “Era tudo muito novo, a própria Fiocruz questionava o papel da Escola. Ainda estava se discutindo o que era a politecnia e a nossa turma foi a ‘turma piloto’”, lembrou ela. Na mesma época, o Brasil passava pelo processo de redemocratização e os professores incentivavam a participação política dos alunos, que iriam ver pela primeira vez uma eleição direta para presidente. “Fomos a várias manifestações e até participamos de uma caravana para Brasília”, contou a ex-aluna.

Outro marco da época em que Regina estudo na EPSJV foi a criação do Sistema Único de saúde (SUS), em 1988. “Estudamos muito a lei do SUS e também divulgamos o SUS para a população”, disse ela, que ressaltou ainda que, na década de 1980, existiam poucas escolas técnicas, principalmente na área da saúde, e que as que existiam eram para os filhos das elites. “Ao mesmo tempo, não existia um grande mercado de trabalho para os técnicos da área de saúde, que acabavam se formando e não tinham onde trabalhar, exceto os técnicos em Histologia, que conseguiam emprego nos laboratórios e hospitais. O técnico em Administração Hospitalar não era reconhecido. Da minha turma, apenas uma pessoa ainda está trabalhando na área de saúde, as outras acabaram saindo por falta de oportunidade”. 

Já na turma do Curso Técnico em Histologia, de 1996 a 1999, da qual o ex-aluno Pablo Trindade fez parte, muitos permanecem até hoje trabalhando na área de saúde, assim como ele, que é neurocientista. Pablo contou que, após se formar, trabalhou no Hospital Geral de Bonsucesso como técnico, depois se formou em Biologia, fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Na minha turma, metade ficou na área de saúde e todos tiveram sucesso por causa da formação que receberam aqui no Politécnico. Na minha época, foi fácil conseguir emprego porque tinha uma demanda grande e não existiam tantos técnicos, mas eu quis seguir a minha formação acadêmica e realizar meu sonho de ser pesquisador”, contou ele, lembrando ainda que fazer a monografia (exigida para a conclusão do curso) foi difícil. “Lembro que foi tão difícil fazer a monografia como um aluno do Ensino Médio, mas depois, foi tão mais fácil na faculdade com o que eu tinha aprendido aqui”, disse o ex-aluno.

Para Pablo, um dos papéis principais da Escola Politécnica em sua formação foi mostrar aos estudantes a importância de serem críticos. “Hoje, temos o ‘Escola sem Partido’, não queremos escola sem partido, queremos escolas com partidos diferentes, para mostrar diferentes visões de mundo para os estudantes. Eu trabalho com neurobiologia do desenvolvimento e sei que os jovens ainda estão em desenvolvimento do cérebro e se não forem expostos à crítica nessa fase, fica difícil formar indivíduos críticos. Acho que o Poli continua no caminho certo, formando cidadãos críticos”, destacou ele.

Outro exemplo desses “indivíduos críticos” é o ex-aluno Ramón Chaves, que fez o Curso Técnico em Gerência de Saúde nos anos 2000. Ele contou que o principal motivo que o fez se interessar por estudar na EPSJV foi o fato da Escola ter um Grêmio Estudantil. “Eu estudava em uma escola particular, com bolsa, e lá não podia ter grêmio. Uma amiga me disse que no Politécnico o pessoal era politizado e tinha grêmio. Vim aqui assistir a uma palestra da Isabel Monal (filósofa cubana) e fiquei impressionado com a escola. Fiz a prova, passei e comecei a estudar aqui”, contou Ramon, que fez parte do Grêmio Politécnico no período em que foi aluno da Escola e lembrou que na época em que entrou na EPSJV, o assunto que mobilizava o grêmio e os demais estudantes era o fim da bolsa, pois estava sendo implantado o bandejão, e os alunos não receberiam mais o auxílio financeiro para custear a alimentação. “A luta foi vitoriosa porque conseguimos manter a bolsa, que passou a ser uma bolsa social, paga para os estudantes que tinha mais necessidade financeira”, disse Ramon.

A formação crítica e o trabalho de iniciação científica que a EPSJV desenvolve com seus estudantes levou Ramon a decidir por cursar Sociologia na universidade. Atualmente, seu tema de estudo são as políticas públicas para a juventude, com ênfase no empreendedorismo nas favelas pacificadas. “Tudo isso só foi possível por causa da formação que tive aqui. Na iniciação científica, estudei temas como flexibilização do trabalho, terceirização e precarização do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde”, destacou Ramon, que em sua fala lembrou ainda da ex-aluna da EPSJV e trabalhadora da Fiocruz, Ana Carolina Cassino, morta em 2014, devido a negligência médica, após dar entrada no Hospital da Unimed com uma crise de apendicite. “Esse é um exemplo dos efeitos da mercantilização da vida e da saúde e também da concepção de saúde que existe na formação dos médicos. Ela não foi atendida porque não era vista como ser humano, mas como dinheiro. E é essa mercantilização que essa Escola enfrenta tão bem”, destacou o ex-aluno.

Felippe Cezario, ex-aluno do Curso Técnico em Vigilância em Saúde, na década de 2010, contou que sua formação na EPSJV não foi feita apenas dentro da sala de aula. “A educação não deve ser entendida só como a sala de aula. Educação se faz entre professor e estudante na rua, na sala de aula, nos assentamentos. Os espaços de debate que esta Escola oferece são raros fora daqui. A universidade nos veda os olhos. Quando a gente se depara com uma universidade, que não se debruça sobre nada, dá uma saudade desta Escola”, disse ele.

Cezario, que também fez parte do Grêmio Politécnico, contou que sempre estudou em escola pública e que só conseguiu entrar na EPSJV em sua segunda tentativa, pelo sistema de cotas. “Saí de uma escola estadual e entrei em uma escola na qual se lia Hegel, Marx e Foucault. Aprendíamos sobre a sociedade não só em Ciências Humanas, mas também em Português e Matemática. Tive professores maravilhosos que me guiaram nessa jornada e muito além do Politécnico”, contou ele, dizendo ainda que na Escola Politécnica conheceu diversos movimentos sociais e foi motivado a entender a sociedade como um todo. “Conheci MST, MTST, a Escola Nacional Florestan Fernandes. Essa vivência no território foi muito importante. Esta Escola me formou e me forma até hoje. São pessoas que nos formaram em espaços fora da Escola.”, ressaltou o ex-aluno, que hoje cursa Saúde Coletiva na UFRJ.

Saúde, Educação e Trabalho

Maycon GomesDando continuidade ao seminário temático, foi realizada a mesa-redonda ‘Panorama de balanço, análise política e principais desafios das áreas de educação, trabalho e saúde nos últimos 30 anos’, que contou com a participação de especialistas das áreas de Educação, Trabalho e Saúde e de uma profissional da EPSJV.

José dos Santos Souza, especialista em Educação e Trabalho e professor da UFRRJ, falou sobre as relações entre os dois temas nos últimos 30 anos. O professor lembrou que, a partir de 1985, com a crise do capital, teve início a reestruturação produtiva, com o objetivo de recompor as bases de acumulação. “A reestruturação trouxe mudanças nas bases técnicas e ético-políticas, com o aumento da produtividade no trabalho e nas estratégias de produção, com ampla utilização das potencialidades do trabalhador”, destacou José, acrescentando que, na mesma época, vieram as reformas do Estado, visando o chamado “Estado mínimo” e a consequente redução de gastos. “Como demanda desse processo, começou a formação de um trabalhador de um novo tipo e as escolas passaram a fazer novos mecanismos de conformação desses trabalhadores, principalmente entre a parcela pobre da população, de 18 a 24 anos, que virou alvo dessa conformação”, disse o professor.

Segundo José, o processo de valorização do capital é incapaz de disponibilizar livremente os conhecimentos tecnológicos a todos. “A burguesia verbaliza uma integração que não integra. O ensino é pragmático e imediatista. A integração entre educação básica e profissional não existe na prática porque integrar vai muito além de juntar as disciplinas. A formação integral como a do Politécnico não é comum”, afirmou o professor.

Fátima Siliansky, especialista em Saúde e professora da UFRJ, falou sobre os avanços e retrocessos das políticas de saúde nos últimos 30 anos, apontando cinco questões que ela considera principais desse período e os prós e contras de cada uma delas. A primeira questão é a extensão da cobertura da Atenção Básica no país. “Por um lado, isso trouxe investimentos para a ampliação da Estratégia Saúde da Família e impactou na melhora dos indicadores de saúde. Por outro, nessa expansão prevalece o modelo biomédico e as pessoas continuam pagando pelos atendimentos de média e alta complexidade”, destacou a professora.

A segunda questão apontada por Fátima é a descentralização da gestão, que, ao mesmo tempo, que reforça a gestão nos municípios, não considera as desigualdades regionais para a municipalização. “Muitas cidades são pequenas, com pouca arrecadação e não tem recursos para investir”, disse ela. A expansão do Controle Social e dos Conselhos de Saúde é a terceira questão apontada pela professora. “Isso trouxe discussões mais ampliadas, mas esses mecanismos também são marcados por muita cooptação”, observou.

A expansão do financiamento público da saúde é o quarto destaque dos últimos 30 anos apontado por Fátima. “Depois de um subfinanciamento no governo Collor, isso começou a mudar no governo FHC e continuou no governo Lula. Com isso, veio a ampliação das unidades e equipamentos de saúde, mas também aumentou a terceirização e a privatização da saúde”, ressaltou ela. A quinta questão apontada pela professora são os investimentos em melhorias de reprodução social, como obras de saneamento e programas de renda mínima, o que também trouxe melhorias nos indicadores de saúde e redução da mortalidade. “Mas, ao mesmo tempo, algumas dessas melhorias não têm sustentabilidade por causa do modelo econômico. Na economia brasileira, o ajuste fiscal é permanente”, afirmou Fátima.

Para a professora, a contradição principal é que a saúde como um direito se contrapõe à responsabilidade estatal subsidiária do mercado da saúde como um negócio. “A expansão do gasto público é acompanhada da ampliação dos planos privados de saúde, que tratam a saúde como um negócio. A Reforma Sanitária foi flexibilizada, ao mesmo tempo que defende um sistema público, universal e gratuito, admite a ampliação da mercantilização”, concluiu Fátima.

30 anos de EPSJV

Maycon GomesBianca Cortes, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz, encerrou a segunda mesa relembrando alguns fatos da história da Escola Politécnica ao longo de seus 30 anos. “Esta Escola é fruto do encontro entre o sanitarista Sérgio Arouca, que era presidente da Fiocruz na época, e do pesquisador Luiz Fernando Ferreira, que foi formado nesta instituição, que tem como função ensinar, produzir e pesquisar. O Politécnico é fruto desse encontro de diferentes, que tinham em comum a disposição de fazer transbordar o conhecimento que estava sendo produzido”, destacou Bianca, que era aluna do Curso de Saúde Pública da Ensp, na época da fundação da EPSJV.

Segundo Bianca, nos primeiros anos de existência, a EPSJV oferecia curso supletivo, o Projeto Fazendo e Aprendendo e coordenava o Programa de Vocação Científica (Provoc). “O Projeto Fazendo e Aprendendo reunia um conjunto de atividades que mais tarde nortearia a escola. Com esse projeto, começamos a conhecer melhor a Fiocruz porque estávamos em todos os cantos”, contou a professora, explicando que o projeto era voltado para os filhos de funcionários da Fiocruz que recebiam os menores salários da instituição e estavam matriculados na escola. “Depois vimos que os critérios eram excludentes porque os filhos desses funcionários não conseguiam ir para a escola por falta de condições financeiras. Aí envolvemos o supletivo para garantir a escola. Os alunos ficavam um tempo nas oficinas da Fiocruz e outro no Politécnico, cursando o supletivo”, disse Bianca, que coordenava o projeto junto com Júlio Lima e Tirsa Barbosa.

Bianca e Júlio, junto com André Malhão, também foram responsáveis pela implantação do Curso Técnico de Segundo Grau. No início do curso, as aulas da formação geral eram ministradas por professores da Rede Estadual de Educação e a formação técnica era feita por pesquisadores da Fiocruz. “Era um curso com custo zero e muito trabalho. Tínhamos o trabalho como princípio educativo na formação para a saúde”, destacou Bianca, acrescentando ainda que Luiz Fernando e Arouca, além de Gaudêncio Frigotto e Demerval Saviani foram muito importantes no processo de construção do curso e da Escola Politécnica.

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