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Profissão

As palavras profissão e ocupação têm diferentes significados? Para Marise Ramos, pesquisadora da área de Trabalho e Educação e coordenadora da pós-graduação em Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), o conceito de profissão se desdobra nas dimensões sociológica, ético-política, psicológica, pedagógica e econômica. Segundo ela, a dimensão sociológica se remete à ideia de que determinado conjunto de atividades tem utilidade social.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 24/01/2007 17h42 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

As palavras profissão e ocupação têm diferentes significados? Para Marise Ramos, pesquisadora da área de Trabalho e Educação e coordenadora da pós-graduação em Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), o conceito de profissão se desdobra nas dimensões sociológica, ético-política, psicológica, pedagógica e econômica. Segundo ela, a dimensão sociológica se remete à ideia de que determinado conjunto de atividades tem utilidade social. “Disso decorre um reconhecimento pela sociedade de que aquelas atividades não podem ser feitas por qualquer pessoa, mas sim por indivíduos que tenham sido credenciados para tal função. Então, para fazer uma determinada atividade é preciso o domínio de sua estrutura técnico-científica. E, para isso, a pessoa deve ter desenvolvido essa capacidade mediante um processo formal de educação, que a sociedade também delimita e valida. Para isso, a sociedade cria instâncias legitimadas por ela que proporcionam o ensino desses conceitos e passam a conferir a quem as freqüenta o título para o exercício da profissão”, explica.

Daí decorrem, segundo a pesquisadora, as dimensões econômica e pedagógica. “A dimensão econômica se dá quando a sociedade reconhece que aquela atividade é socialmente necessária e aceita pagar por ela. Assim, o sujeito que a exerce pode viver daquela profissão. A dimensão pedagógica, por sua vez, exige processos específicos à formação dos sujeitos que vão exercer determinada atividade, como cursos, diploma e registro”, afirma. E completa: “À medida que a sociedade estabelece códigos e exigências para que determinadas pessoas sejam legitimadas para o exercício de uma profissão, aquele grupo de profissionais constrói um conjunto de valores e normas para que outros sujeitos possam exercer a mesma atividade.

Esses valores e normas vão desde os aspectos regulatórios até os aspectos éticos do exercício da profissão. "É a existência dessas regras que dá coesão ao grupo”, diz. Já a dimensão psicológica determina o processo de reconhecimento do sujeito como pertencente a um grupo profissional. “É quando a pessoa ‘se sente’ médico, enfermeiro, professor. Não basta apenas ter o diploma, é preciso exercer a profissão para se reconhecer como parte daquele grupo”, afirma.

Naira Lisboa Franzoi, doutora em Educação e autora dos verbetes ‘profissão’ e ‘ocupação’ do ‘Dicionário da Educação Profissional em Saúde’, editado pela EPSJV, lembra que a profissão vai se construindo historicamente. “Na Idade Média, por exemplo, algumas pessoas se especializaram no cuidar médico que, no século XVIII, tornou-se uma profissão, a medicina”, explica. Segundo a pesquisadora, no Brasil, as profissões foram regularizadas pelo Estado. “Uma profissão é criada a partir de uma legislação. E isso é conseguido por meio de lobbies feitos por grupos que se unem a partir de organizações formadas por pessoas que exercem a mesma atividade e querem que a sociedade as legitimem como profissionais”, afirma, acrescentando: “No caso do Brasil, o Estado pós-1930 investiu na regulamentação das ocupações/profissões para, a partir dela, definir aqueles que seriam sujeitos de direitos. Para as ‘profissões regulamentadas’, a posse do diploma era suficiente. Para as não regulamentadas, era necessária a comprovação na prática da competência”, escreve ela no ‘Dicionário’. Ela diz ainda que, para ser considerada uma profissão, a atividade precisa ter um sindicato ou conselho, e deve existir uma lei que determina quem pode exercer aquela profissão. “Hoje está constituído no Brasil que, para ter uma profissão, é preciso ter certificação”, explica, exemplificando: “Técnico de enfermagem é uma profissão porque tem a certificação regulamentada e reconhecida”, diz.

Segundo a pesquisadora, foi nos anos 40 que as atividades de nível médio foram reconhecidas como profissão. “Nessa década, foram criados os cursos técnicos de nível médio. Em 1968, foi regulamentada a profissão de técnico industrial que, segundo alguns historiadores, serviu de modelo para grande parte das profissões de nível médio. Mas já existiam profissões regulamentadas, cujos certificados não eram esses que hoje se conhece como de nível médio. A lei de 1932, que regulamenta o exercício da medicina, odontologia e medicina veterinária, regulamenta também as profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira, cujos aprendizados não correspondiam ao técnico de nível médio. No início da década de 70, foi criada grande parte dos cursos técnicos de nível médio e a regulamentação dessas profissões se expandiu, pois tratava-se de uma tentativa do governo de frear a procura pelo ensino superior”, explica.

E como saber quando uma atividade é uma profissão? “É preciso verificar se as dimensões sociológica, ético-política, psicológica, pedagógica e econômica foram contempladas. Se um desses critérios estiver frágil, a atividade está em processo de profissionalização. A profissão é uma categoria de processo, não é dada pura e sempre”, explica Marise, dando um exemplo. “As empregadas domésticas estão em vias de se profissionalizar. Elas conseguiram a regulamentação, que é um dos aspectos que determinam se uma ocupação é ou não profissão”, diz. Segundo a pesquisadora, há também algumas atividades que estão se desprofissionalizando. “Professor é um exemplo disso. Muita gente exerce essa função sem ter a formação necessária”, diz.

A socióloga Monica Vieira, doutora em Saúde Coletiva e pesquisadora do Laboratório do Trabalho e da Educação Profissional em Saúde da EPSJV, concorda. “A profissionalização tem a ver com reconhecimento social. O momento histórico vivido pelos trabalhadores é fundamental para legitimá-los ou não. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os agentes comunitários de saúde, que ganharam espaço na sociedade principalmente por fazerem parte de uma política governamental, a Estratégia Saúde da Família”, analisa.

Diferença

E o que diferencia uma profissão de uma ocupação? “Ocupação diz respeito ao lugar que pode ser ‘ocupado’ por um sujeito na divisão social do trabalho, seja atividade profissionalizada ou não”, explica Marise. E ela faz questão de lembrar que não são consideradas profissões apenas as atividades que requerem nível superior. “Técnico em química ou em enfermagem, por exemplo, são atividades profissionalizadas, ou seja, só uma pessoa que passou pelo curso pode desempenhar o trabalho”, explica.

Segundo Naira, o termo ocupação serve para identificar todas as atividades, profissionais ou não, que uma pessoa pode exercer no mercado de trabalho. “Mas, diferentemente da profissão, essa palavra é utilizada principalmente para nomear as atividades nas quais o indivíduo não precisa de um certificado para exercer”, ressalta.

Hoje, no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, não faz distinção entre profissão e ocupação, que define como sendo “o cargo, função, profissão ou ofício exercido pela pessoa”. Segundo informações da assessoria de imprensa do IBGE, nas pesquisas com a população o Instituto utiliza apenas o termo ocupação para indicar qualquer atividade remunerada que uma pessoa realize. Já o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) criou, em 1982, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que identifica as atividades que são consideradas ocupações no mercado de trabalho brasileiro. Segundo Naira explica no verbete ‘ocupação’ do ‘Dicionário’, “a CBO, que descreve as ‘ocupações’ brasileiras sem função de regulamentação, embora editada pela primeira vez em 1982, obedecia a uma estrutura elaborada em 1977, como resultado de um convênio firmado entre o país e a Organização das Nações Unidas (ONU), por intermédio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo como base a Classificação Internacional Uniforme de Ocupações (CIOU) de 1968.

A pesquisadora também lembra que, nos Estados Unidos, em 1947, um ato consolidou essa diferenciação, determinando que as profissões teriam estatutos e direito de organização em associações profissionais enquanto as ocupações teriam apenas o direito a uma organização sindical. Mas conclui criticando esse tipo de diferenciação. “A distinção semântica é inútil. O que está em jogo é uma hierarquização preconceituosa entre as diferentes categorias profissionais. Na língua portuguesa, para efeitos legais, não há essa distinção. Há uma diferenciação entre ocupações regulamentadas e não regulamentadas. A diferença entre os termos remonta à expansão e consolidação das universidades, ficando o termo profissão associado às ocupações nelas aprendidas. Utilizado nesse sentido, o termo profissão estabelece uma distinção clara e hierárquica entre trabalhadores com maior ou menor status, manuais ou intelectuais, os que sabem mais e os que sabem menos, e assim por diante, quando, na realidade, trata-se de saberes diferentes. O que é importante revelar é que por trás do reconhecimento de determinados grupos profissionais em detrimento de outros, obedece-se a uma luta de poder, que muitas vezes está mais ligada a um interesse de um grupo específico, de reserva de mercado, do que de proteção da sociedade. Isso acontece, por exemplo, quando um grupo com mais poder, construído historicamente, tenta barrar o reconhecimento de um outro grupo. Mas isso não significa que não seja importante o reconhecimento de um corpo de saberes próprios a determinados grupos”, completa.

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