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Entrevista: 
Edson Indio

'Colocar um instrumento desses na mão das empresas é deixar o trabalhador muito vulnerável'

Na semana passada o governo federal enviou ao Congresso 680/2015, que cria o Programa de Proteção ao Emprego (PPE). Com ele, as empresas mais afetadas pela crise econômica poderão reduzir em até 30% a jornada de seus trabalhadores, que terão parte de seus salários bancados pelo governo por meio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Para apresentar dois pontos de vista sobre o programa, a EPSJV/Fiocruz entrevistou o economista e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clóvis Scherer, e o secretário-geral da Intersindical, Edson Índio.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 10/06/2015 10h14 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Na semana passada o governo federal enviou ao Congresso 680/2015, que cria o Programa de Proteção ao Emprego (PPE). Com ele, as empresas mais afetadas pela crise econômica poderão reduzir em até 30% a jornada de seus trabalhadores, que terão parte de seus salários bancados pelo governo por meio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Para apresentar dois pontos de vista sobre o programa, a EPSJV entrevistou o economista e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clóvis Scherer, e o secretário-geral da Intersindical, Edson Índio. Na entrevista que segue, Índio critica a lógica por trás da medida que penaliza o trabalhador e o fundo público e resgata diversas outras derrotas da classe trabalhadora brasileira, como os layoffs.  

A redução da jornada de trabalho sem redução de salários é uma bandeira da Intersindical e de outras centrais sindicais. Mas o que o governo apresenta agora como Medida Provisória (MPV 680) é um programa com o objetivo de proteger o emprego, que libera a redução da jornada em até 30% com redução proporcional de salários. Como a Intersindical se posiciona em relação a este programa?

Consideramos a medida absolutamente falaciosa. A crise não será resolvida jogando esse problema para o trabalhador e muito menos reduzindo seu poder de compra. Permitir que as empresas reduzam a jornada com redução de salários é criar mais um mecanismo que as empresas vão dispor de chantagear o trabalhador. Por exemplo, a General Motors vem realizando demissões e isso acaba sendo um mecanismo de chantagem: ‘ou você aceita reduzir o salário ou te demito’. Então, esse é o primeiro elemento mais nocivo dessa política, ficar à mercê da chantagem empresarial. Além disso, as demais categorias, dos demais setores da economia, ao reivindicar reajuste salarial vão ouvir um não do patrão que vai dizer: ‘tem trabalhador aceitando reduzir o salário e você quer aumento?’

Então, na análise de vocês, mesmo categorias que não estejam cobertas pelos critérios ainda não definidos de enquadramento no Programa podem ser prejudicadas?

Sim, porque acaba sendo um elemento para jogar os salários em geral para baixo. As empresas já dispõem hoje de mecanismos ruins, como o layoff. Esse layoff foi aprovado em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso. Na época, quando ele veio com essa medida, houve uma grande pressão, os trabalhadores fizeram muitas mobilizações nesse período para barrar esse projeto. Infelizmente nós fomos derrotados, o layoff passou e hoje tem acordo de layoff em muitos sindicatos. E no layoff, o mecanismo é parecido, a empresa suspende o contrato do trabalhador e uma parcela do salário do trabalhador com o contrato suspenso é paga pelo FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], pelo seguro-desemprego. Existem acordos nos quais a empresa complementa isso, mas em outros acordos vigora apenas o valor do seguro-desemprego. E o layoff também não garante estabilidade. Mesmo com o layoff a empresa continua demitindo outros trabalhadores e aqueles que estão com o contrato suspenso, quando retornam, podem ser demitidos. Na verdade, a MP 680 é mais uma medida que beneficia o grande capital. Quem apoiou muito isso até agora foram as montadoras, que são, na sua totalidade, grupos econômicos multinacionais que deveriam absorver os impactos da crise e não os trabalhadores. Essas empresas enviam para suas matrizes os seus lucros, então, o que vai acontecer? O trabalhador vai abrir mão do seu salário, o governo vai utilizar uma parte do FAT para complementar e as empresas vão continuar enviando seus lucros para suas matrizes.

Mas vocês consideram que há algum avanço no PPE em relação ao layoff?

Precisamos ver os impactos com a aplicação. A princípio é uma medida tão prejudicial quanto o layoff. Talvez a única coisa que seja um pouquinho melhor seja a estabilidade que o contrato garante. Agora, como não houve nenhuma aplicação da medida na prática, não há como comparar. Mas acreditamos que os dois mecanismos vão no mesmo sentido.

A utilização dos recursos do FAT para ressarcir a perda dos salários prevista no Programa está dentro do que vocês consideram que seriam os propósitos do fundo?

A rigor esse é um fundo público, existe um conselho de administração e tudo passa por esse conselho. Agora, o governo utilizou esses recursos nos últimos anos através do BNDES. O governo empresta para grupos econômicos dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Aliás, ele tem destinações várias, inclusive empresas podem acessá-lo para fazer um processo de reestruturação interna, por exemplo. É o dinheiro do trabalhador financiando sua própria demissão, porque é o que acontece nesses processos de reestruturação. E, agora, nós vemos o mesmo. O dinheiro do trabalhador para subsidiar empresas, na maioria das vezes, conglomerados econômicos multinacionais. Esses são os elementos mais graves. Agora, tem outra questão, no momento em que o trabalhador já está endividado, o custo de vida vem aumentando e os salários estão arrochados, ele vai perder ter mais perdas salariais? Por outro lado, a questão da crise econômica. Nós sabemos que quanto mais diminuir o poder de compra dos salários, tende a alimentar a crise, tende a travar ainda mais a economia. Ao invés de ser um elemento para fazer o país sair da crise, acaba que comprime mais a atividade econômica, diminui o consumo e transforma-se em mais um elemento para jogar o país na recessão.

O governo e os defensores do Programa afirmam que o contrário dessa política seriam as demissões. Qual a solução que vocês consideram necessárias para as demissões não ocorrerem?

Entre as medidas necessárias está a redução da taxa de juros. A indústria automobilística, por exemplo, reclama que as vendas caíram. Isso é porque houve um aumento da taxa de juros e o custo do carro está mais alto. Algumas dessas empresas não produzem mais carro porque estão investindo dinheiro na ciranda financeira. Algumas montadoras estão ganhando dinheiro comprando títulos da dívida do governo. Então, o imediato é a redução da taxa de juros. A outra questão é ter uma política cambial mais apropriada que leve em consideração as necessidades do setor exportador. Uma terceira medida, que é mais estrutural, mas em nossa opinião tem que acontecer, é uma reforma tributária ampla, que desonere o salário e diminuir a carga dos impostos indiretos de forma a taxar grandes fortunas, heranças, ganhos de capital, movimentações financeiras internacionais. Há ainda outra medida que seria importante. Os trabalhadores, quando recebem a participação nos lucros das empresas, pagam imposto de renda. Já as empresas de capital aberto, quando distribuem sua lucratividade entre os acionistas, sobre os dividendos desses acionistas, não incide imposto de renda. Outro aspecto é: se desoneramos salários e diminuímos a incidência de impostos indiretos – IPI, ICMS, enfim – acabamos forçando as empresas a investir na produção e não na especulação financeira. Essas são medidas estruturais que podem segurar o desemprego. E podem indicar para a empresa que é melhor manter os trabalhadores e não demiti-los. E uma medida ainda mais estrutural que nós sabemos que não está na pauta hoje é rompermos com essa agenda de retrocesso social e recolocarmos na agenda do país a redução da jornada sem redução de salários. Os estudos do Dieese apontam que se tivéssemos uma redução de jornada das atuais 44 para 40 horas semanais, seria possível gerar mais dois milhões de novos postos de trabalho.

Isso dependeria de uma guinada da política de forma a contrariar os interesses dos empresários...

Claro, dependeria de mudar a agenda do país. Nós achamos que é preciso interromper o ajuste fiscal que o governo está fazendo e adotar uma política econômica que não seja recessiva. O que o governo está fazendo é adotar uma política econômica para derrubar a atividade econômica do país. A discussão é qual vai ser o tamanho da recessão, até que ponto vai o crescimento negativo do PIB. Estamos discutindo qual o tamanho da puxada de freio na economia.

Na mesma semana que a MP 680 foi enviada ao Congresso, os metalúrgicos da Mercedes Benz de São Bernardo do Campo rejeitaram uma proposta de redução da jornada em 20% com redução de 10% dos salários por um ano. Vocês consideram que rejeitar esse tipo de acordo vai ser uma tendência do conjunto dos trabalhadores?

É preocupante. E compreensível que o trabalhador que está ameaçado de perder o emprego escolha ter um salário menor e consiga manter o emprego. É compreensível que o trabalhador individualmente pense assim. Agora, não é compreensível que o movimento sindical que, por dever de ofício tem que ter um olhar mais global, aceite esse tipo de coisa. Na Mercedes Benz a maioria dos trabalhadores recusou. Agora, parece que vão recolocar essa discussão após a Medida Provisória. O layoff já está disseminado e os sindicatos de todas as matizes já assinaram. Um exemplo disso ocorreu em 2013 na GM, em São José dos Campos. A GM ameaçava tirar uma planta da cidade e levar para a Argentina. Fizeram muita pressão e chantagem, os trabalhadores foram forçados, digamos assim, e o sindicato negociou um acordo no qual reduziu o piso salarial drasticamente, flexibilizou a jornada, apenas para garantir que a GM fizesse esse investimento na cidade, sem nenhuma garantia de emprego, pelo contrário. Na mesma semana em que esse acordo foi assinado, houve mais de 700 demissões. Temos vários exemplos mostrando que colocar um instrumento desses na mão das empresas é deixar o trabalhador muito vulnerável.