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Entrevista: 
Noemia Porto

'Negociação pressupõe condições iguais de debate. Numa relação de emprego, independentemente da faixa salarial, não é isso o que ocorre'

O secretário especial de Previdência e Trabalho, do Ministério do Trabalho, Bruno Bianco, anunciou nesta semana, em coletiva de imprensa, que mais de um milhão de trabalhadores tiveram a jornada de trabalho reduzida ou o contrato de trabalho suspenso por conta da implementação da Medida Provisória (MP) 936/20. A medida entrou em vigor no primeiro dia do mês de abril de 2020. Nesta entrevista, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noêmia Porto, explica as consequências da aprovação dessa MP para os trabalhadores.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 16/04/2020 10h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

Como tem avaliado, em geral, as medidas que o governo tem tomado em proteção aos trabalhadores? Elas estão dando respostas aos principais problemas?

Houve avanços nas medidas legislativas quando se estabeleceu a previsão de benefício emergencial, como típica política pública para manutenção da renda. O mesmo pode-se dizer da preocupação com os trabalhadores intermitentes. Também foi importante o estabelecimento de alguma renda capaz de atender aos incontáveis trabalhadores informais. No entanto, pouco  avançou com aporte de recurso público endereçado às micro e pequenas empresas para que possam manter, em contrapartida, os contratos de trabalho. Além disso, medidas provisórias que incorporam dispositivos com clara controvérsia constitucional, tendem a gerar muita insegurança jurídica, como na tentativa de eliminar ou enfraquecer a autonomia negocial coletiva e a atuação sindical, tal como ocorre tanto com a MP 927 quanto com a MP 936.

Como a Anamatra avalia a redução de salário e jornada dentro do contexto de pandemia proposta pela MP 936?  De que maneira isso protege o trabalhador?

A Constituição de 1988, no art. 7º, VI e XIII, permite tanto a redução salarial quanto alterações de jornada, respeitado o limite legal. Para ambas as circunstâncias, há exigência de negociação coletiva. Então, em situações extraordinárias e extravagantes, redução salarial e alteração de jornada são viáveis, desde que negociadas coletivamente.

O que significa o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda? Como ficam os cálculos para quem recebe um a dois salários-mínimos, até cinco salários e até 10 salários? Haverá perda de salário mesmo com o benefício proposto?

O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda é um aporte público que visa à complementação, em parte, da renda do trabalhador empregado que tenha o contrato suspenso ou venha a sofrer redução de jornada e de salário, em razão da excepcional situação da pandemia. O benefício não consegue compensar de forma completa e satisfatória o impacto remuneratório na vida do trabalhador e da sua família. A compensação é apenas parcial. Os cálculos dependerão da faixa salarial e da redução que for praticada, lembrando que há teto e limite para o valor do benefício emergencial. Exemplo: redução de 70% (maior faixa) em salário de R$ 3.135,00. O benefício, equivalente ao limite do seguro-desemprego, será de R$ 1.269,10. Isso somado ao que restou para o empregador pagar (R$ 941,00) resultará em R$ 2.210,00 (benefício + salário reduzido). A perda foi de quase 30%, isso considerando apenas o salário nominal. Mas há outras perdas: recolhimento previdenciário; cálculo do FGTS; média para férias e 13º salário. E, no exemplo acima, a redução, pela previsão literal da medida provisória, acontecerá sem negociação coletiva. O trabalhador, com receio de perder o emprego, receberá um contrato para assinar em que constará a redução.

Qual é a principal consequência em individualizar a negociação com o empregador?

O trabalhador fica absolutamente exposto, sem nenhuma possibilidade de diálogo. Na realidade, não há negociação individualizada. Não é essa a expressão correta. Para quem precisa do trabalho para viver, haverá, na realidade, imposição. Negociação pressupõe condições iguais de debate. Numa relação de emprego, independentemente da faixa salarial, não é isso o que ocorre.

 

A suspensão do contrato de trabalho impede que o trabalhador peça seguro-desemprego. O que, na prática, em valores, o trabalhador perde?

O trabalhador e a trabalhadora receberão, mensalmente, um valor de renda inferior ao que vinham recebendo e não terão segurança quanto ao cálculo desse período para outros direitos trabalhistas, como férias, 13º salário e aviso prévio proporcional. Além disso, perderão recolhimentos de FGTS.

Como o trabalhador se enquadrará no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e quais são as principais vantagens e desvantagens desse enquadramento?

O enquadramento dependerá da comunicação do empregador sobre a negociação que foi realizada, se de suspensão contratual ou de redução de jornada e salário. A MP 936 não deixa clara a natureza jurídica do benefício. Em sendo similar ao do seguro-desemprego, não integrará o contrato e a remuneração do trabalhador para outros fins, mas isso é bastante controverso.