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Entrevista: 
Jerônimo Rodrigues da Silva

'Nós, sim, pensamos num Brasil de futuro'

Foi lançado em 17 de julho o “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras”, o Future-se, que, de acordo com o MEC, tem como objetivo “promover maior autonomia financeira em universidades e institutos federais ao incentivar a captação de recursos próprios e o empreendedorismo”. A maioria dos esforços se volta para os efeitos do programa sobre as universidades. o que tem deixado uma lacuna no debate sobre a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Nesta entrevista, Jerônimo Rodrigues da Silva, presidente do Conif, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal, explica que muitas características da Rede não se encaixam no programa, queixa-se da falta de debate em torno da medida e garante que ela não responde às dificuldades de financiamento vividas hoje pelas instituições.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 02/09/2019 11h32 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Foto: Conif Divulgação

Depois de duas semanas de intensa especulação, quando chegaram até a circular rumores de que o Ministério da Educação (MEC) poderia instituir a cobrança de mensalidades nas graduações oferecidas pelas instituições federais, foi lançado em 17 de julho o “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras”, o Future-se. De acordo com o MEC, o objetivo é “promover maior autonomia financeira em universidades e institutos federais ao incentivar a captação de recursos próprios e o empreendedorismo”. O governo ressalta que a adesão é voluntária e promete um aporte de “recursos adicionais” quase “instantaneamente”, através de diversas fontes, como a transferência de patrimônio da União – imóveis, por exemplo – para fundos do programa. Depois do lançamento, contudo, a poeira esteve bem longe de baixar. A essa altura, dezenas de análises saíram na imprensa, eventos acadêmicos foram organizados e debates promovidos com o intuito de compreender as implicações da medida. A maioria dos esforços, contudo, se volta para os efeitos do programa sobre as universidades. E isso tem deixado uma lacuna no debate sobre a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que reúne 41 instituições, sendo 38 institutos espalhados por todo o país, dois centros (Cefets) e o Colégio Pedro II, com campi localizados no estado do Rio. Para compreender melhor essa realidade, a Poli entrevistou Jerônimo Rodrigues da Silva, presidente do Conif, o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal, que analisa: “O Future-se foi feito para o ensino superior”. Nesse sentido, muito das características da Rede não se encaixam no programa que, de todo modo, na avaliação do presidente do Conif, não foi devidamente debatido, nem responde às dificuldades de financiamento vividas no presente pelas instituições.

Como e quando o Conif ficou sabendo da criação do Future-se?

O Future-se foi lançado pelo MEC no dia 17 de julho. A informação do lançamento chegou no dia 12 de julho, mas na forma de convite aos reitores [das universidades e institutos] – não ao Conif. Até esse momento, basicamente a cinco dias do lançamento, não tínhamos conhecimento do programa. Nos pegou de surpresa. Alguns reitores tiveram condições de participar, mas julho é mês de recesso acadêmico. Consequentemente, alguns reitores tiram férias no período – eu mesmo. Acompanhamos de longe. E da mesma forma que o Conif não foi convidado nem para participar das discussões, nem para o lançamento, outras entidades, como a Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior], também não. Não houve uma prévia discussão a respeito do programa.

Ficou claro, da parte do MEC, por quanto tempo essa proposta foi debatida?

Não tenho certeza mas acredito que algumas questões presentes no Future-se estavam sendo discutidas pelo governo anterior. O atual ministro, em três meses de cargo, pegou as contribuições anteriores e deu a cara do governo [para lançar o programa]. Imprimiu o que eles pensam sobre o financiamento e a autonomia das nossas instituições. Não vejo como algo criado de uma hora para outra. Há também a perspectiva de importar modelos de outros países, que têm uma cultura totalmente diferente, sem considerar as particularidades brasileiras. E isso também não é algo novo: em outros momentos já se pegou modelos de educação superior e profissional e importou para o Brasil. Na minha visão, é algo importado de países como Austrália, e talvez até do governo americano.

Como o Conif gostaria que tivesse sido o processo de discussão do Future-se?

O Future-se foi feito para o ensino superior. E como os institutos federais trabalham com a educação superior – com ensino, pesquisa, extensão e inovação –, de uma certa forma fomos colocados nesse projeto, na perspectiva de adesão. Gostaríamos que o governo tivesse ouvido as instituições. Para o Conif, falar de educação profissional é a referência.

A Rede Federal tem hoje mais de 950 mil matrículas e uma política de destinar metade das vagas à educação técnica de nível médio. Quais são as especificidades da Rede que não cabem no desenho do Future-se?

Nós, por obrigação da lei que nos criou [11.892/2008], temos que ofertar no mínimo 50% [das vagas] para o ensino técnico de nível médio e 20% para a formação de professores. Ficamos com 30% para graduação e pós-graduação stricto e lato sensu. Então, vamos supor que um Instituto adere ao Future-se: como vai ficar essa lógica? É verdade que, em função da verticalização do ensino que implementamos, nossos alunos do nível médio participam de pesquisas juntamente com os estudantes da graduação e da pós. Mas como ficaria esse financiamento? Além disso, 75% dos nossos alunos têm renda familiar per capita de, no máximo, um salário mínimo e meio. Temos que nos preocupar com a permanência e o êxito desses alunos, então precisamos de assistência estudantil. E não está claro como isso vai ser financiado. Outra preocupação é com a formação de professores, que não está ligada ao atendimento da indústria e, sim, das redes estadual e municipal de educação. Então, o foco do Future-e na educação superior e no atendimento à indústria não nos atenderia.

"Os institutos são mais próximos à comunidade, no dia a dia do desenvolvimento regional"

E eu vejo também que o empreendedorismo e a inovação já são realizados nas nossas instituições. Nós temos nove polos de inovação [voltados para o desenvolvimento de pesquisa aplicada, ampliação da produtividade e competitividade da indústria nacional]. Na verdade, estamos aguardando o governo lançar um novo edital – a promessa é de mais três a cinco polos – para participarmos. E o relato que temos do presidente da Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial] é que os institutos fazem bem essa integração.

Os institutos são mais próximos à comunidade, no dia a dia do desenvolvimento regional. Mas o Future-se não pensa nessa dimensão de Brasil, nas particularidades das regiões, na capilaridade que mais de 600 campi espalhados pelo país têm. Talvez um IF de São Paulo tenha mais facilidade para fazer a adesão porque está mais próximo dos polos industriais. Um instituto da região Norte, por outro lado, pode não ter essa proximidade.

O modelo dos institutos pensa no desenvolvimento regional. Nós temos que promover o desenvolvimento regional primeiro para que, depois, as indústrias possam chegar até essas localidades e, consequentemente, termos condições de que essas indústrias mais próximas possam ser atendidas pelos profissionais que nós formamos. Nós, sim, pensamos num Brasil de futuro. Não num Brasil do agora para o presente imediato.

O programa promete “o fortalecimento da autonomia administrativa e financeira” das instituições de ensino superior por meio de “parceria com organizações sociais” e do “fomento à captação de recursos próprios”. Mas as OSs não trazem mais dinheiro, só administram recursos públicos, de modo que todas as fichas estão na captação de recursos próprios. Haveria interesse da iniciativa privada em investir em uma rede que oferece metade das matrículas no ensino técnico de nível médio?

É incerto. Como dizem, o nome do programa é até interessante: Future-se – o futuro é incerto. Nós não temos condições de dimensionar se as empresas vão querer investir nessa perspectiva. Nós não temos essa cultura de investir em educação – até mesmo as empresas, como acontece em outros países. Além disso, o mercado investe e o investidor quer dividendos.

A Rede possui 75 mil servidores efetivos, entre docentes e técnico-administrativos. O Future-se propõe uma organização diferente do processo de trabalho ao prever, por exemplo, que os professores exerçam cargos na OS, recebam por fora de seus pagamentos valores de programas desenvolvidos no âmbito do programa, explorem direitos de propriedade intelectual, dentre outros. Nesse sentido, como o Future-se impactaria?

Hoje, a maioria dos nossos professores são contratados em regime de dedicação exclusiva e se dedicam às ações de ensino, pesquisa, extensão e inovação nas instituições. O governo abre a possibilidade de esses professores conseguirem aumentar os seus salários em função de pesquisas, de registros de patentes, etc. Mas a nossa instituição não é só de pesquisa, inovação e empreendedorismo; ela tem o ensino. Há a possibilidade de prejudicar essa atividade diante das outras frentes. O professor não vai querer dar aula, vai querer fazer sua pesquisa para ganhar dinheiro extra. E este é o ponto do projeto que pode chamar atenção de alguns profissionais. Mas isso não vai ser para todos. Você cria um diferencial, seja porque alguns têm mais afinidade com a captação de projetos, seja porque têm profissionais da área de Humanas que ficariam de fora. E a gente tem que pensar os institutos e as universidades de modo mais uniforme, não criando uma disputa entre os profissionais. Isso não é saudável. Além disso, a gente percebe que novas contratações seriam feitas por outro regime, através das OSs.

A Rede Federal foi instituída em 2008. Muito se fala da situação de universidades federais novas, como a do Sul da Bahia, que é a mais afetada do país pelos cortes do MEC. Imagino que há vários Institutos com o mesmo problema, recém-criados, com campus ainda em fase de implantação. Pode falar sobre esse cenário?

A Rede Federal é nova. Tem mais de 600 campi, muitos ainda estão por ser consolidados. E aí não só em termos de equipamentos e infraestrutura, até mesmo com pessoal docente e técnico-administrativo. Quem vai querer investir em algo que não está consolidado, não está em funcionamento real? Mal comparando, quem investiria em uma estrada que o governo não tivesse terminado e colocado para funcionar? No meu Instituto [Federal de Goiás], existem 14 campi. Desse total, só os quatro mais antigos estão consolidados e dispõem de infraestrutura adequada. Os demais não têm laboratórios e equipamentos adequados. Esses fundos [do Future-se] não rendem de um dia para o outro. A pergunta é: como ficam as instituições que aderirem a um programa como este? Qual é a expectativa?

Na nota oficial, o Conif argumenta que “nenhuma ação de futuro deve preceder o ato de sanar a grave situação financeiro-orçamentária vivenciada pela Rede, cujo funcionamento se encontra seriamente ameaçado pelos bloqueios então processados”. No decreto de contingenciamento de R$ 29,5 bilhões do orçamento federal, em termos absolutos, a área mais afetada foi a educação, com um bloqueio de R$ 5,83 bi. Como o funcionamento da Rede Federal está comprometido?

Nossa matriz orçamentária do ano passado, onde fazemos uma projeção das nossas necessidades de investimento e custeio, chegou a um valor de R$ 4 bilhões. Recebemos [na LOA] R$ 2,9 bi. Desse total, foram contingenciados R$ 865,5 milhões.
Hoje, a Rede Federal está trabalhando com um orçamento de custeio quase igual ao de 2015 [R$ 2,8 bi]. Mas, de lá para cá, tivemos um aumento significativo de oferta – mais 400 mil alunos e também criação de 32 campi. Houve um decréscimo de orçamento e um aumento do número de matrículas e campus. Isso é gestão. Diminuímos basicamente serviços com terceirizados, imprimimos eficiência aos gastos e chegamos à situação última: não dá mais para cortar nada. Hoje, com o que o governo liberou, dá para fechar o mês de setembro. Nosso deadline é setembro. A maioria das instituições suspendeu visitas técnicas, bolsas [internas] de monitoria e pesquisa; outras reduziram essas bolsas e visitas pela metade. Além disso, somos impactados pelos cortes do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], que projeta que também não tem como pagar as bolsas que financia depois de agosto. Isso tudo é em relação ao custeio.

Se eu falar em investimento, ele não está acontecendo. Daquilo que foi aprovado na LOA, até agora foi liberado 20%. Em um instituto com 20 campi, dá 1% para cada um se você for fazer uma disposição linear. Com isso não se compra equipamento, nem faz obra. Está tudo parado. Não temos condições de equipar as obras que conseguimos terminar.

Aí nós ficamos na expectativa e sem a possibilidade de fazer o planejamento de 2019. O governo disse que vai descontingenciar – mas até hoje não sabemos quanto, nem quando. E o nosso futuro é incerto também em 2020. Estamos caminhando para o final de agosto e, até agora, não sabemos quais são os valores do PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual]. O governo não nos informou. Em suma, estamos impossibilitados de fazer planejamento para fechar 2019, e também para 2020.
No próprio discurso do governo sobre o Future-se, os recursos do programa seriam “adicionais”. E aí a gente volta para a questão do presente: com um contingenciamento de 30% nas verbas, bloqueios e tudo o mais, o cenário adicional é outro. Seria adicional se nossas instituições estivessem todas consolidadas e funcionando normalmente.

Os processos seletivos ficam na berlinda?

Exatamente. Novas turmas, novos cursos, novas ofertas... Praticamente a gente para com essa perspectiva.

Houve um segundo bloqueio no orçamento federal no dia 22 de julho, de R$ 1,44 bi. O MEC foi afetado com um contingenciamento de R$ 348,47 milhões. E anunciou que o corte seria na produção, aquisição, distribuição de livros e materiais didáticos e pedagógicos da educação básica. A Rede Federal oferece ensino médio integrado à educação profissional, portanto, educação básica. Isso tem impacto?

Qualquer corte que aconteça dentro de um orçamento já defasado – e que ainda por cima foi contingenciado em 30% – tem impacto significativo.

Finalmente, em 7 de agosto, o governo apresentou um projeto de lei que determina a anulação de mais R$ 3 bilhões de verbas, e 114 ações diferentes de funcionamento e reestruturação das universidades e institutos federais podem ser afetados com um corte definitivo de R$ 462 milhões. Quanto desse valor impacta a Rede Federal?

Ainda não tenho esse valor. Mas houve também corte de emendas parlamentares que atenderiam nossas instituições, o que acontece de tempos em tempos. E esse PL pode trazer esse outro corte.

O secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Lima Junior, anunciou que a Pasta estuda atrelar a distribuição de recursos às universidades federais a critérios como inovação, empregabilidade e governança. Neste último quesito, que segundo ele poderia entrar em vigor já em 2019, seria usado o ranking de governança do Tribunal de Contas da União (TCU). Há algum apontamento de que os institutos federais poderiam ser incluídos? Qual é a leitura sobre uma mudança como essa?
Eu realmente tenho escutado essa possibilidade, mas não sentaram conosco para conversar. A gente pergunta: por que não se discutem esses critérios? Fazer uma mudança de regras de uma hora para outra? Para valer a partir de 2019... Essa não é uma lógica boa. Nos institutos, o recurso é baseado no número de alunos, no tipo de curso que esse aluno faz, se tem laboratório, quantos laboratórios, se é curso na área agropecuária, que tem aluno que é interno, logo, um custo maior. Existem critérios.

O MEC ressalta que a adesão ao Future-se é voluntária, e “não pretende diminuir os repasses da União para as instituições, apenas promover uma complementação nos recursos”. O senhor já disse que o programa aponta para a diminuição gradativa da participação da União no orçamento da Rede Federal. De que forma?

Vamos analisar o porquê de o governo estar demorando a definir o orçamento para 2020. Pelas informações que obtivemos, esse orçamento seria menor do que 2019. Bom, se o governo solta uma perspectiva dessas, ele já acabou com o Future-se. Porque fica claro que não é adicional, é buscar lá fora o que não tem [de recursos do Tesouro]. Então acredito que o governo vai lançar um orçamento no mínimo igual ao de 2019, senão não se discute o Future-se – porque ficaria claro que o discurso apresentado caiu por terra. Com a Emenda Constitucional 95, as demandas vão aumentando, mas existe um teto de gastos; obviamente o fato que nós temos que trabalhar é a perspectiva de a educação ficar fora disso daí. E aí nós podemos arrecadar e gastar além da EC, investir nas nossas instituições.

"O ideal seria o MEC chamar as entidades e discutir a melhor forma de financiamento. Nós estamos dispostos"

Mas esse perigo existe. Nós estamos disputando: o Ministério da Educação disputa recursos com a Saúde, a Segurança, etc.

Qual é a leitura política que o Conif faz desse programa diante desse contexto, quando além dos contingenciamentos e propostas de cortes em ações, houve três manifestações, a primeira delas bastante grande, contra a política educacional do governo e os cortes?
Essa leitura nós estamos fazendo agora. É tudo muito novo. Fizemos uma reunião extraordinária no dia 31 de julho, de onde saiu a nota oficial divulgada em 1o de agosto. E, agora, estamos ouvindo as entidades. Fomos ouvir o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior [Confies]. Também estamos convidando pessoas do mercado imobiliário para entender essa linguagem usada pelo programa. Houve talvez um discurso precipitado do governo – em relação não só à educação – que provoca um tumulto. Acho que o que está faltando no governo é a decisão de governar o país. E para governar, precisa sentar e conversar. Não dá para ser um governo que fica atirando de um lado e recebendo pedrada do outro. O país vai parar não só na área de educação. A gente tem que ouvir o contraditório. O ideal seria o MEC chamar as entidades e discutir a melhor forma de financiamento. Nós estamos dispostos. O entendimento do Conif é que queremos participar das discussões.

Há algum indicativo de que, após a consulta pública, o MEC vá debater a proposta final com os reitores antes de enviá-la ao Congresso?

Não existe nenhum indicativo. O ideal seria que o governo pudesse esperar que as instituições e entidades pudessem fazer um outro tipo de contribuição. Estamos à disposição para fazer o debate. De qualquer forma, o projeto vai chegar ao Congresso. E antes mesmo de chegar, os debates já estão acontecendo.

Quais são os planos em relação à atuação no Congresso, já que o projeto – pelo menos, por enquanto – precisa alterar 17 leis diferentes?

Há audiências públicas acontecendo, outras já marcadas. Algumas entidades apresentarão substitutivos ao projeto. A participação e a articulação com parlamentares já estão acontecendo. Agora, não sabemos se o projeto vai passar pelos trâmites normais, por todas as comissões. Ele envolve mudanças de 17 leis, acredito que não é algo rápido. Logicamente, o governo pode querer caminhos mais curtos. Neste momento, nossa preocupação é que esse caminho não seja encurtado, que realmente [o projeto] passe por todas as comissões para que tenhamos tempo de debate. Estamos fazendo uma conscientização junto aos parlamentares. Queremos educação de qualidade e precisamos debater a função social das universidades e dos institutos federais. E esse debate não pode ser resumido a um entendimento voltado ao mercado. É mais amplo. Nós, logicamente, temos que formar profissionais para atender o mercado, fazer pesquisas aplicadas para atender o mercado, fazer extensão tecnológica – e fazemos. Mas há outros tipos de pesquisa que fazem parte da academia e talvez não sejam do interesse da indústria embora sejam do interesse do desenvolvimento do país como um todo.

Qual é a avaliação que o Conif faz do Future-se e dos maiores riscos que o programa traz?

Tenho participado de eventos e audiências tentando entender o Future-se e me parece que o projeto não tem nada de novo. Com exceção de dois pontos: o financiamento e a autonomia, quando se fala das OSs. Não estamos entendendo como isso se dará. No fundo, os perigos moram naquilo que não está descrito. O PL deveria ser mais explicativo. Ele fala que o programa vai ter um comitê gestor. Mas como vai ser esse comitê? Não sabemos. Como vai ser a relação da OS com a gestão?

Os institutos têm uma estrutura democrática de discussões, com conselho superior, departamentos. O reitor trabalha com as instâncias, que fazem o debate para que, coletivamente, possamos definir uma política para nossa instituição. E a cada quatro anos temos um plano de desenvolvimento institucional que aponta os rumos que queremos tomar. Isso é orgânico. Como entraria a OS nessa perspectiva? Existe o perigo de sermos verdadeiros fantasmas, existir a figura do reitor, mas não ser ele a conduzir essa discussão. Está certo que a OS pode trabalhar na questão do empreendedorismo e da inovação, mas não podemos desligar essas duas ações, que nós já fazemos, do restante das ações ou do tripé ensino-pesquisa-extensão.

Pode ser até algo muito bom. Mas não tem respostas. Precisa escrever e detalhar como vai ser essa relação. O Conif entende que há necessidade de sentar numa mesa, verificar o que o governo tem proposto. Porque não adianta fazer uma proposta sem aqueles que vão executá-la. Tem que haver a participação na condução. Não somos contra qualquer possibilidade aditiva de financiamento à educação. Não somos contra a aproximação com as indústrias – e nós somos próximos a elas, naquilo que é possível. As instituições têm esse papel também de promover o desenvolvimento regional, econômico e social. O difícil é chegar algo novo, importado de outros países que têm uma cultura e trajetória diferente, universidades que têm centenas de anos, quando no Brasil a educação superior é algo novo. E os Institutos Federais são algo mais novo ainda. Mas a Rede Federal é estratégica para o Brasil, em função da sua capilaridade, da sua verticalização do ensino. Acredito que qualquer governo que entender o modelo dos institutos tem condições de definir boas políticas públicas.