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Entrevista: 
Renato Kfouri

‘O país é muito grande, muito desigual e as causas de não adesão à vacina são muitas’

Aumentar os índices de vacinação infantil contra a Covid-19 e recuperar as altas coberturas vacinais em geral são desafios que o Brasil precisa enfrentar neste momento. Nesta entrevista, produzida para subsidiar a reportagem de capa da Revista Poli nº 84, o presidente do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, explica a gravidade da volta de doenças controladas, destaca a urgência de se recuperar a confiança da população no programa de imunizações e, para isso, aposta na importância das estratégias de comunicação oficial, promovida pelos governos.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 03/06/2022 10h50 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

Existe diferença, do ponto de vista da produção e da vigilância de eventos adversos, entre vacinas que são exclusivas para crianças e aquelas que valem para crianças e adultos?

Em geral você desenvolve vacinas para públicos-alvo específicos. Quando vai estudar uma vacina para herpes zoster, por exemplo, você vai estudar em idoso, que é em quem a vacina provavelmente será usada. Quando vou estudar uma vacina de paralisia infantil, vou estudar em crianças porque é uma doença infantil. Com uma vacina para gestante ou adolescente acontece a mesma coisa. Então, geralmente as vacinas têm sua proposta de licenciamento, já nos seus estudos iniciais, com foco nos públicos-alvo. Os estudos seguem a mesma normativa de fases pré-clínicas, de modelos animais, laboratoriais, fase em humanos, fases um, dois e três e aprovação. E depois a vigilância é que vai confirmar o perfil de segurança dessas vacinas no mundo real, porque ela será aplicada não mais em milhares ou dezenas de milhares, mas em milhões de indivíduos que serão vacinados. Isso vale para medicamentos e para vacina. Eu vou estudar um remédio de colesterol para bebês? Não, colesterol é para tratar gente mais velha. Se é um remédio para bronquite, vou testá-los em crianças. Essa é a lógica que faz com que os modelos de experimentos em vacinas e em medicamentos sejam definidos pelo público-alvo a que ela principalmente se destina. E é claro que tem produtos, como a gripe e a vacina de Covid-19, que em teoria são para todo mundo, então você acaba começando nos grupos mais vulneráveis. A [vacina contra] Covid foi primeiro focada em adultos idosos, que seriam os primeiros a ser vacinados, e depois a gente avançou para os estudos em criança.

Mas a vacina contra a Covid-19, por exemplo, é diferente para crianças e adultos. Existem diferenças no risco e na vigilância de eventos adversos quando se trata de crianças?

Se você tem uma doença com um nível de complicações muito frequente numa faixa etária, você tolera muito mais eventos adversos porque o benefício vai ser tão grande que compensa eventuais riscos. Já em populações em que a doença não é tão grave, quando a faixa etária não é tão acometida, cresce a preocupação com os eventos adversos. Você precisa de alguma coisa que seja bastante segura porque o benefício não vai ser tão importante quanto nas populações mais afetadas. A Covid é o exemplo mais evidente. O idoso tem 80 vezes mais risco de hospitalização e morte. Então, se você falar que tem um caso de trombose com a vacina da AstraZeneca ou um caso de miocardite em adultos vacinados para cada 200 mil doses aplicadas, mesmo assim eu vou vacinar todos os idosos porque vou salvar muito mais vidas do que as miocardites e as trombose que eu vou ter. Essa mesma frequência de eventos adversos pode ser inadmissível em uma criança porque você vai ter mais complicação com a vacina do que com a doença nessa população.

Mesmo com o benefício da vacina contra Covid-29 sendo menor em crianças do que em adultos, porque a doença é menos frequente, ainda assim o benefício supera de longe os riscos

No caso concreto da Covid-19, a relação custo-benefício para crianças é positiva?

É positiva, certamente. Mesmo com o benefício da vacina contra Covid-29 sendo menor em crianças do que em adultos, porque a doença é menos frequente, ainda assim o benefício supera de longe os riscos. E essa análise é feita não só neste momento mas ao longo do tempo. Talvez no período pós-pandêmico, quando a pandemia passar, a gente resolva que nem vai vacinar as crianças, que não compensa porque a doença estaria tão rara que iria acometer só indivíduos de grupos de risco. E a gente poderia fazer que nem faz com a influenza, vacinar só os grupos prioritários, não ser uma vacinação universal. Mas isso em outro momento, hoje nem se discute.

A cobertura da vacina contra Covid-19 entre as crianças de 5 a 11 anos, para as quais existe vacina aprovada, está muito baixo no Brasil. Na sua avaliação, a que isso se deve? Isso coloca as crianças mais em risco? Tem efeito sobre a pandemia como um todo?

Três fatores, a meu ver, estão atrapalhando a busca por vacinas. Um está relacionado à percepção de risco que, em relação à Covid, é desproporcional nas crianças. Um segundo fator é que a vacinação das crianças chegou praticamente na metade da [onda provocada pela] ômicron, já em uma decrescente. O período de lua de mel que nós vivemos depois disso afastou todos, não só as crianças mas os adultos também, de buscar reforços [da vacinação]. Isso tem a ver com a percepção do risco em momentos de menor circulação do vírus, menor notícias de casos e de mortes. Tudo isso foi um desmotivador da vacinação. E o terceiro fator é, sem dúvida, a propaganda contra. Foram muitas fake news e tanta propaganda, muitas vezes oficial do governo, colocando receio nos pais no sentido de defender que a vacina não fosse obrigatória, que precisasse de receita, que se deveria ouvir o contraditório... Teve ministro citando efeito colateral como se fosse da vacina para comemorar... Tudo isso veio do órgão oficial. E é esquizofrênico porque ele compra a vacina e, ao invés de ter uma propaganda estimuladora da vacinação, faz uma propaganda inibidora. Isso, infelizmente, deixa muitos pais hesitando, e atrapalha.

Uma das coisas que se começou a dizer é que, na medida em que a população toda está vacinada e as crianças não, elas passam a ser o ambiente principal pelo qual o vírus começa a circular e isso gera maior possibilidade de desenvolver variantes e talvez agravar a situação das próprias crianças no futuro. Isso faz sentido?

Hoje em dia faz menos sentido. Com as variantes que surgiram, com o distanciamento da cepa original de Wuhan [China], as vacinas perderam muito a sua capacidade de prevenir a transmissão. A variante ômicron é um exemplo clássico disso: não poupou indivíduos vacinados, infecta todo mundo. A vacina tem uma baixa eficácia na prevenção da infecção e das formas leves da doença. Não é vacinando que a gente vai reduzir formas leves da doença. Mas a vacina continua excelente para a prevenção de formas graves, evita hospitalização e morte. Dificilmente alguém vacinado vai complicar. Daí a importância de vacinar. O princípio da vacinação [contra Covid-19] é a prevenção de formas graves, não é a prevenção de transmissão porque elas não são boas para isso, eram razoáveis para isso nas cepas originais mas para as variantes vão perdendo cada vez mais sua capacidade protetora. Claro que vai diminuir: quanto menos gente infectada, obviamente menos transmissão tem. Mas não se espera atingir nenhum tipo de imunidade populacional ou redução de transmissão significativa por efeito indireto da vacina.

Tem que dizer para uma geração nova de pais que, se você não vacinar, as doenças voltam

Uma boa parte do calendário do PNI, o Programa Nacional de Imunizações, é formada por vacinas voltadas apenas para crianças. A maior parte das doenças imunopreveníveis, aquelas para as quais existe vacina no calendário do PNI, são vistas como menos danosas, sem grandes riscos à saúde, com exceção, talvez, da poliomielite. Isso é verdade?

Hoje o cenário das doenças imunopreveníveis é muito diferente da era pré-vacinal. Esse é um dos grandes problemas das vacinas para pólio, sarampo, coqueluche, meningite... Todas essas, na época pré-vacinal, eram doenças que tinham um impacto importante e hoje não têm tanto porque estão controladas, eliminadas, algumas até erradicadas graças às vacinas. Esse é o grande desafio da vacinação: ela faz tanto sucesso, elimina tanto as doenças, que a percepção é justamente essa que você falou, de que as doenças não existem mais ou são menos graves. E a geração que vem depois disso perde a percepção de risco, inclusive os profissionais da saúde, que não manejam mais esses casos clinicamente, não atendem mais ninguém com sarampo, caxumba, meningite, febre amarela. Esse é o principal ponto das baixas taxas de cobertura vacinal. É claro que fake news, o horário de posto [de saúde], o desabastecimento, tudo isso atrapalha a cobertura vacinal, mas como pano de fundo disso tudo, o principal fator que realmente modifica o comportamento das pessoas na não busca pela vacinação é uma percepção de risco de doenças que, paradoxalmente, justamente as vacinas controlaram. Essa não é uma comunicação fácil de fazer: convencer pessoas que nunca viram essas doenças a se vacinar mesmo sem elas saberem que doenças são essas. Tem que dizer para uma geração nova de pais que, se você não vacinar, as doenças voltam. Não é uma comunicação simples. É vacinar para não voltar, mas não voltar o que? Essa geração de pais nem sabe o que é caxumba, coqueluche, difteria, sarampo, nunca viram. Esse é o grande desafio da comunicação das vacinas.

O sr. pode dar exemplos concretos de riscos causados por essas doenças que as pessoas já nem conhecem mais?

Em cada mil casos de sarampo, uma criança vai ficar surda, coqueluche em bebês gera problemas graves de hospitalização e UTI, com sequelas neurológicas, difteria também. O sarampo com complicações bacterianas era uma das principais causas de morte na era pré-vacinal: para cada mil casos a gente tem uma morte em surtos de sarampo ainda. Tem o tétano neonatal, a rubéola congênita, bebês nasciam com malformação e ficavam com sequelas pelo resto da vida porque as mulheres adquiriram rubéola na gravidez. Cada uma dessas doenças tem um impacto diferente. Perdeu-se a percepção da gravidade justamente porque elas desapareceram.

Tal como o caso da Covid-19, no calendário do PNI há vacinas voltadas mais para a prevenção de casos graves do que de contágio?

Gripe, coqueluche, rotavírus, são vacinas muito pouco efetivas na prevenção de formas leves e são espetaculares na prevenção de formas graves. Temos várias no calendário com o perfil semelhante.

Não há estratégia substituta à vacinação, você pode ter estratégias complementares, mas nunca substitutas

Outra coisa que a pandemia de Covid-19 mostrou foi a falta de cultura de vacinação em países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. Isso acaba alimentando também discursos antivacina. Aqui, ao contrário, a vacinação é considerada um elemento muito importante para o controle de doenças já desde a infância. Isso é próprio do perfil epidemiológico e de desenvolvimento de um país como o Brasil? A vacinação não é uma estratégia que vale para qualquer país? É possível ter outras estratégias que não passem pela vacinação? Esses países estão em situações melhores ou piores do que o Brasil?

Na verdade, o que fez do Brasil o país da vacina, junto com o país do futebol e do carnaval, são contingências que levaram a essa cultura muito favorável à vacinação. Foi uma época política do Brasil de valorização do patriotismo, com a estratégia de criação dos dias nacionais de vacinação, de mobilização de todos para o controle das doenças. Foi criado o personagem Zé Gotinha, houve o engajamento de todos, foi uma mobilização social muito grande. E isso colocou no imaginário popular os dias de vacinação como dias de festa, de celebração. Isso se estendeu para muitos países da América. As Américas são o continente que tradicionalmente primeiro elimina as doenças: aqui acabaram primeiro a pólio e a varíola, aqui eliminamos o sarampo, a rubéola, o tétano neonatal... Aqui foi sempre o berço dos programas de vacinação de mais sucesso. Tem a ver com a cultura latina e com o momento em que isso foi introduzido no Brasil, mas a estratégia de vacinação é igualmente eficaz em qualquer país. Não faltam exemplos de controle e eliminação de doenças na África e na Ásia. Não há estratégia substituta à vacinação, você pode ter estratégias complementares, mas nunca substitutas.

Na ausência dessa estratégia, nesses países em que a gente viu uma baixa cultura de imunização, há surtos e situações mais graves de algumas dessas doenças que a vacina poderia prevenir?

O sarampo nunca foi controlado na Europa. Muitos países ainda enfrentam surto de coqueluche. Onde você não tem programa de vacinação, essas doenças todas são muito mais importantes. A Europa tem boas coberturas vacinais, mas iguais às nossas é difícil. No Brasil temos um sistema gratuito, um sistema único, um sistema de capilaridade com oferta de vacina gratuita todo o tempo sem agendamento. Nos Estados Unidos a vacinação é privada, é o seguro que paga, na Europa não é todo lugar que tem vacina. Então, você tem outras condições. Não é só ter a vacina disponível, o sucesso do programa passa pela sua capilaridade, pelas 38 mil salas de vacina, por uma rede de frio para controle de temperatura [do imunizante], por uma vigilância de eventos adversos, por uma confiança da população. É por isso que a gente fala que, quando se abala a confiança na população nas vacinas, mexe-se em um dos principais pilares de um programa de sucesso. Não adianta ter vacina, ter dinheiro, ter orçamento, ter gente treinada, ter rede de frio se a população não confia na vacina nem na política pública daquele gestor que está dando a vacina. O que faz as pessoas se vacinarem é o C da confiança. Você tem o C da conveniência, que é o acesso, e o C da complacência, que é a percepção de risco. São os três Cs que a própria Organização Mundial da Saúde coloca. E já colocam o quarto, que é o da comunicação, e o contexto, que é o quinto C. De novo: não adianta nada as vacinas estarem disponíveis se você não tem uma população disposta a se vacinar. Então, o grande desafio a meu ver é o da comunicação mesmo: comunicar com eficiência. E não é a comunicação que Bio-Manguinhos faz, que a Sociedade Brasileira de Pediatria ou de Imunizações faz, o que falta é a comunicação oficial. A credibilidade vem do gestor, daquele que oferece, do programa público. Isso a gente precisa recuperar porque se perdeu muito ultimamente.

Pensando na determinação social da saúde e da doença, e considerando que o Brasil tem uma grande desigualdade regional, existe diferença importante no risco que essas doenças representam para regiões e pessoas mais ou menos pobres ou em condições mais vulneráveis?

É claro que sim. São justamente os estados com mais dificuldade onde a gente tem as piores coberturas vacinais, os piores acessos à vacinação e onde as doenças aparecem. Não é à toa que o sarampo foi reintroduzido na Amazônia, não é à toa que o surto hoje é no Pará, não é à toa que a gente tem um caso suspeito de difteria lá no Amapá. É justamente nesses locais - onde a estrutura de saúde de vacinação, de rede de frio, de acesso faz uma diferença enorme - que a gente mais precisa das vacinas e também onde as vacinas têm mais dificuldade de chegar.

Diante dessa baixíssima cobertura vacinal que a gente está nesse momento, pensando nas vacinas que atingem principalmente as crianças, quais são as mais preocupantes? Estamos na iminência da volta ou do surto de algumas dessas doenças específicas?
As doenças que ainda circulam e que são mais transmissíveis são as primeiras a darem a cara em cenários de baixa cobertura. O sarampo, a rubéola, a difteria e a poliomielite, que são doenças que ainda não desapareceram do mundo, que têm casos circulando e são altamente transmissíveis, têm o risco de voltar. É claro que todas as outras também são importantes: meningite, pneumonia, febre amarela, gripe não se discute... Não há como hierarquizar a mais ou menos importante, dá para hierarquizar o que parece ser mais iminente mas não necessariamente o mais grave.

O sr. já apontou o que considera serem as principais razões para a baixa cobertura vacinal atual. Mas eu queria saber se, na sua opinião, existem outros fatores. O movimento antivacina e o discurso negacionista que se fortaleceu agora contribuem para esse cenário? A falta de acesso é uma das explicações?

Uma vez que o pano de fundo é a percepção de risco, claro que as fake news, o desabastecimento, os horários dos postos de saúde que não atendem mais à demanda das famílias e do trabalho, é claro que um calendário com vacina todo mês, tudo isso dificulta. Mas se tivéssemos vivendo três décadas atrás, todo mundo daria um jeito de se vacinar. A doença e a percepção do risco superaria tudo isso. Se eu preciso faltar o trabalho e não tem a vacina, depois eu volto, depois eu faço, a gente adia. A gente posterga porque não se sente ameaçada. Estudos estão sendo feitos para entender as diferentes causas de queda de cobertura. O que faz alguém no interior do Piauí não se vacinar não é a mesma coisa que faz alguém do Leblon [zona sul do Rio de Janeiro] ou daqui dos Jardins de São Paulo não se vacinar. O país é muito grande, muito desigual e as causas de não adesão à vacina são muitas. É preciso conhecê-las, regionalizá-las e ter as ações de imunização específicas para cada região e para cada ponto identificado como o motivo dessas baixas coberturas.

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Houve um tempo em que as políticas públicas no Brasil apostavam tanto nas campanhas como caminho para resolver os problemas de saúde que pesquisadores da área da comunicação puderam se ‘dar ao luxo’ de criticar esse modelo. A principal ponderação era sobre uma certa ilusão de que esse tipo de iniciativa conseguiria, “quase automaticamente”, provocar uma mudança de comportamento na população – o que, traduzido para o contexto atual, seria como acreditar que, com peças de comunicação bem feitas, a população entenderia a importância da imunização e colocaria a caderneta de vacinação das crianças em dia. Uma das principais críticas nesse sentido foi desenvolvida por Janine Cardoso, professora do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde do Icict/Fiocruz, na dissertação ‘Comunicação, saúde e discurso preventivo: reflexões a partir de uma leitura das campanhas nacionais de Aids veiculadas pela TV (1987-1999)’, defendida em 2001. Nesta entrevista, produzida para subsidiar a matéria de capa da Revista Poli nº 83, sobre as baixas coberturas vacinais no Brasil, ela fundamenta essa crítica, mas alerta que isso nunca significou a defesa de que as campanhas tinham que acabar. Ao contrário: reforça o quanto elas são importantes para colocar na agenda pública temas fundamentais para a saúde da população, como, por exemplo, o risco da volta de doenças em função da queda das taxas de imunização. Cardoso aborda ainda o fenômeno de negacionismo científico e alerta para o quanto a perspectiva individualista que norteia as principais ações de comunicação em saúde compromete, hoje, a compreensão da dimensão coletiva da vacinação.
No momento em que instituições, pesquisadores e profissionais de saúde se mobilizam para reverter as baixas coberturas vacinais, que trazem o risco de retorno de doenças já controladas ou mesmo eliminadas do país, como o sarampo e a poliomielite, esta entrevista relembra as dificuldades e o êxito da primeira grande campanha de vacinação brasileira, contra a varíola. É verdade que naquele remoto início do século 20 a população do Rio de Janeiro se insurgiu contra a vacinação obrigatória, mas a pesquisadora Tania Maria Fernandes, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), lembra que esse não foi um movimento apenas contra a vacinação: estava presente ali a indignação de parte da população com um ambiente de opressão, expressando uma insatisfação social que ia muito além da vacina. Além disso, ressalta, num tempo em que não havia internet e a maior parte da população brasileira sequer sabia ler, as estratégias de informação e conscientização eram mais difíceis mas, embora houvesse boatos que amedrontavam, nada era comparável às atuais fake news. A entrevista foi realizada como parte da reportagem de capa da Revista Poli nº 83, sobre a queda das coberturas vacinais no Brasil.
‘Reconquista das altas coberturas’: esse é o nome de um novo projeto coordenado pela Fiocruz, em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, e dá dimensão do tamanho desafio - o país precisa, urgentemente, voltar a ter taxas de vacinação que protejam o conjunto da sociedade e evitem a volta de doenças já controladas ou mesmo erradicadas. Há dez anos, a cobertura vacina média no Brasil era de 96,5%, enquanto, em 2021, caiu para menos de 68%. Um dos profissionais à frente dessa empreitada é Akira Homma, pesquisador de Bio-Manguinhos, Fiocruz. Nesta entrevista, produzida para a matéria de capa da revista Poli nº 85, ele explica as situações em que há diferença na imunização de crianças e adultos, ressalta as sequelas que doenças para as quais já existem vacinas podem provocar e garante que as vacinas aplicadas no Brasil são seguras. Sobre a iniciativa que vai tentar ampliar as coberturas vacinais no país, destaca que o esforço principal tem sido ir até os municípios, sentar para dialogar com todos que atuam na saúde daquele território e entender que os protagonistas dessa ‘reconquista’ são os profissionais locais.