Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras
Entrevista: 
Gibran Jordão

‘Os trabalhadores não vão aceitar isso de forma pacífica’

Trabalhadores técnico-administrativos de várias universidades do país se somam nesta terça-feira aos outros movimentos que protestam em Brasília contra a PEC do teto dos gastos. A greve do setor já dura mais de 30 dias e ganhou força recentemente com a deflagração da greve também por parte dos professores em parte das universidades. Nessa entrevista, Gibran Jordão, da coordenação geral da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra) e da secretaria executiva da central CSP Conlutas, explica que diferente de outras paralisações, essa não tem caráter salarial. O que se quer é derrubar a PEC e questionar outras reformas já anunciadas pelo governo, como a reforma trabalhista. O sindicalista avalia que o setor da educação é hoje vanguarda no movimento contra as medidas regressivas impostas por Temer, com destaque para o movimento estudantil. Gibran participou do VI Seminário da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, realizado em Goiânia, entre os dias 25 e 27 de novembro, no qual os participantes reforçaram também a prioridade da luta contra a PEC 241
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 29/11/2016 13h40 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Diversos sindicatos e movimentos se articularam para a realização dessa manifestação em Brasília durante a votação da PEC 241 (agora 55 no Senado). Como está sendo a construção dessa resistência?

Já tem um tempo que existe uma preocupação dos movimentos sociais e dos sindicatos sobre essa ofensiva do governo e do Congresso Nacional e também, de certa forma, junto com o Judiciário, para implementar medidas que vão ajustar as contas do governo. O objetivo deles é direcionar recursos para pagamento da dívida pública, esvaziando investimentos sociais, congelando os salários. E materializaram essa ideia primeiro com o PLP 257, já no governo Dilma, e agora, no governo Temer, com a PEC 55 [antiga 241]. A partir disso começou uma série de movimentações no funcionalismo, e o setor que se destacou nessa discussão toda, nessa luta toda, foi o setor da educação. Então, começou com as ocupação dos estudantes, primeiro nas escolas, que envolvia não só o problema do ajuste fiscal, mas da luta contra a reforma do ensino médio, a Lei da Mordaça [PL Escola sem Partido] e depois isso começou a se expandir para os institutos federais, e chegou com força nas universidades, e acabou contaminando os trabalhadores. A Fasubra essa semana fez um mês de greve, então a Fasubra deu a largada, muito confiando que esse movimento dos estudantes poderia ajudar a unificar todo setor da educação, inclusive até do funcionalismo. Depois o Sinasefe entrou em greve também dia 11, e o Andes agora essa semana também deflagrou greve em várias universidades. Então, o que acontece? Nós estamos diante de uma greve da educação federal, que atua em unidade com o movimento estudantil, e tem dialogado também com entidades sindicais da educação básica. Então nós conseguimos, há uns 20 dias atrás construir uma reunião que unificasse todo o setor da educação, inclusive trabalhadores da rede privada, e tivemos a ideia de construir essa caravana à Brasília na data da votação da PEC no primeiro turno no Senado, já que as mobilizações que estavam tendo com relação à PEC quando ela tramitava na Câmara eram extremamente insuficientes. Embora essa manifestação expresse uma unidade grande do setor da educação, tudo indica que ainda é insuficiente. Por quê? Pelo grau de ataques que a classe vem recebendo e pelo grau de unidade que os três poderes vem agindo no que é estratégico para a burguesia, que é a aplicação do ajuste, à medida que aplica o ajuste o STF decide o corte de ponto para a greve dos servidores, e ao mesmo tempo o Congresso vem votando com tranquilidade, sem muita dificuldade, vários projetos que envolvem o ajuste fiscal, então, como tem essa forte unidade da burguesia no que é estratégico para eles eu acho que o ideal é que nós tivéssemos uma unidade ampla que pudesse construir uma greve geral no país e não só uma greve na educação federal.

O que impede isso?

Eu acho que tem dois elementos. Tem um elemento mais superestrutural que tem a ver com a própria posição das centrais sindicais majoritárias. E eu acho que existe também uma dificuldade, por vários elementos, que daria um debate muito profundo, dos setores chaves da classe trabalhadora de se colocarem em movimento nesse momento, como setores que estão ligados à produção, os operários, os metalúrgicos, setores ligados à produção do petróleo como os petroleiros, bancários, ou seja, setores mais estratégicos, talvez até o setor de transporte, que tem tido algumas iniciativas, mas muito na retaguarda do que nós precisamos hoje.

Alguns setores, os bancários, por exemplo, que você citou, já entraram em greve nesse ano. Isso é um elemento que impede a adesão a construção desse movimento coletivo? Existe um descompasso de calendários?

Eu acho que existe uma disposição da classe, dessas categorias aí mais bem localizadas no sistema capitalista, como bancários, metalúrgicos, petroleiros, construção civil, de lutar em períodos de campanha salarial. Agora, isso não avançou para a consciência de que existe um ataque que vai para além do problema de uma campanha salarial, para além do problema de uma valorização imediata de um salário, que são as reformas que eles chamam de reformas estruturantes. Essas reformas foram inclusive tema de discussão no último Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo Temer, o famoso Conselhão, essas reformas estruturantes para a burguesia significam na verdade uma precarização das relações de trabalho, um redesenhamento da Constituição Federal retirando algumas concessões que nós conseguimos na década de 80, e, de alguma forma, também recrudescendo, fechando algumas janelas que estavam abertas no regime e que possibilitavam a circulação de algum ar mais democrático e que agora também, com a reforma política, eles querem fechar. Tudo isso com o objetivo de aprofundar uma ofensiva que na minha opinião é recolonizadora. Ou seja, eu ataco direito, se houver resistência eu mino essa resistência, e ao mesmo tempo fecho o regime para que nenhuma força social mais à esquerda possa capitalizar essa insatisfação que com certeza vai surgir. Então é um desafio operar no meio disso, porque eles podem ter sucesso, e nós vamos amargar um cenário mais difícil. Mas o jogo não acabou, tem muita coisa ainda para rolar, e acho que essa conjuntura que está desfavorável nesse momento para os trabalhadores, em alguns meses ou em alguns anos pode mudar, e nós estamos apostando nisso.

Que exemplos você pode nos dar desse fechamento, do recrudescimento da opressão aos movimentos contestatórios? O cenário agora difere muito da situação anterior ao impeachment?

Eu acho que o elemento que poderia levar a um recrudescimento do regime de forma mais categórica e que a gente poderia sentir na pele com mais força é se eles conseguirem aprovar a reforma política. Porque da forma que eles querem fazer isso, vão eliminar 21 partidos da legalidade, e nesses partidos estão todos aqueles que estavam na oposição de esquerda ao governo Dilma e que estão construindo hoje uma forte oposição contra o governo Temer. Isso eu acho que seria uma derrota muito importante em relação às possibilidades de ter acesso à democracia, que já é muito restrita e muito ligada ao poder econômico. Esse é um primeiro elemento. Agora, existem outros elementos, que não necessariamente são elementos novos e que chegaram agora. Por exemplo, a forma que o próprio governo Dilma sancionou a Lei Antiterrorismo tem reverberado contra os próprios movimentos sociais, inclusive contra os movimentos sociais que lutaram de forma feroz contra o impeachment. A forma que o STF vem se posicionando em elementos importantes, que envolve, por exemplo, o movimento sindical, também é uma algo importante. Ou seja, se a ordem é, ao entrar em greve no serviço público, que se corte o salário de forma imediata e depois nós vamos negociar, isso na minha opinião é um retrocesso. Nós vimos discutindo há mais de 25 anos, desde a Constituição de 1988, a possibilidade de negociação coletiva no serviço público. Nós não temos esse direito, ou seja, a greve é um instrumento, inclusive, para abrir uma negociação com o governo, e ao invés de nós avançarmos para o direito de negociação coletiva, agora nós temos o direito de greve sufocado. Isso significa que nós vamos ter mais dificuldade para organizar a luta dos trabalhadores, que já não é fácil, nos marcos de um momento no qual o governo quer atacar profundamente os serviços públicos e congelar os salários dos servidores. Ou seja, ‘eu ataco os seus direitos e ao mesmo tempo proíbo você de lutar contra esses ataques’. Essa é a lógica que está sendo estabelecida e isso tem a ver com as liberdades democráticas. Sem falar no processo de recrudescimento também e de fortalecimento de posições obscurantistas no sentido de não reconhecerem a importância de o Estado ter, e das próprias convenções sociais serem mais sensíveis ao público LGBT, que sofre com a opressão, ao racismo que ainda existe contra negros e negras, e a força que ainda é muito impressionante das próprias manifestações machistas que existem na sociedade, violentas. Então, não acho que seja o fim do mundo, mas acho que analisar que a correlação de força está mais desfavorável agora do que nós estávamos, por exemplo, em junho, ou do que nós estávamos no final do governo FHC, em 1999, com a crise do Plano Real, não significa que nós somos pessimistas, mas significa que nós estamos fazendo uma análise que tem algum rigor científico. Reconhecer que as coisas estão mais desfavoráveis é muito importante para saber que tipo de tática nós vamos ter para sair dessa. Mas acho que temos totais condições de sair, até porque, se o capitalismo segue em crise e é impossível gerenciar essa crise, outras lutas vão surgir, e governo nenhum terá condições de aplicar um ajuste fiscal de forma pacífica. Os trabalhadores não vão aceitar isso de forma pacífica.

A greve dos servidores das universidades está massificada?

Nós já temos greve em quase 50 instituições, nas grandes e nas médias, algumas instituições pequenas isoladas que ainda não entraram em greve, mas uma minoria absoluta. E seguimos com um grau de adesão grande,estamos participando em peso dessa movimentação em Brasília. Eu acho que os estudantes vão ter um papel protagonista, vão ser majoritários, pelo fato de estarem sendo a principal força que luta hoje, que consegue impactar a conjuntura, mas a gente está feliz com os resultados porque, como há uma greve já que completa um mês, com ameaça de corte de ponto e que não é uma greve salarial, a gente responder que estamos bem mobilizados.