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Entrevista: 
Mario Scheffer

'Estamos caminhando para um cenário de privatização da saúde que está afastando cada vez mais o SUS'

Mario Scheffer, professor da USP analisa os resultados de estudo que mapeou as empresas de saúde suplementar que doaram dinheiro para a campanha eleitoral no ano passado e os candidatos que receberam esses recursos.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 27/03/2015 12h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

ViomundoContinuando uma série histórica que vem desde 2002, os professores Mario Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo, e Ligia Bahia, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro acabam de lançar o relatório de um estudo que mapeou as empresas de saúde suplementar que doaram dinheiro para a campanha eleitoral no ano passado e os candidatos que receberam esses recursos. A pesquisa foi concluída depois do fechamento da prestação de contas divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Nesta entrevista, Mario Scheffer analisa os resultados do estudo à luz das conquistas que as empresas de plano de saúde já têm conseguido junto ao Congresso e ao governo federal, aponta as pautas que continuam na agenda e alerta para os riscos ao Sistema Único de Saúde.

Entre os deputados que mais receberam doação de empresas de plano de saúde, dois têm sua trajetória ligada à saúde (Darcísio Perondi e Saraiva Felipe) e um é o atual presidente da Câmara (Eduardo Cunha). O que se pode esperar do Congresso em relação à saúde privada nos próximos quatro anos?

Os interesses particulares da saúde têm conseguido vitórias expressivas no parlamento. Na discussão recente, com certeza a entrada do capital estrangeiro certamente foi um indício importante desse lobbie. Esses que você citou tradicionalmente se ocupam de questões de saúde, por isso talvez sejam mais procurados, mas veja: o autor da emenda do capital estrangeiro, que foi uma discussão que entrou de contrabando numa medida provisória sobre outro tema, também está na nossa lista de quem recebeu dinheiro de plano de saúde. Então, a conexão existe e não necessariamente apenas nesses parlamentares que têm já uma trajetória nessa área. Talvez seja até uma tática manter essa relação também com parlamentares sem tanta expressão.

E não são só os planos de saúde. Tanto os hospitais privados quanto a indústria farmacêutica, por tradição, têm essa proximidade com parlamentares. Nossa pesquisa é em cima de um levantamento descritivo do quantitativo de recursos financiados pelas empresas de planos de saúde. A causa-efeito é difícil de ser relacionada. Eu acho que o lobbie é uma relação que a gente não consegue medir, que cria muito mais um ambiente propício aos interesses [privados] do que de fato um toma lá dá cá imediato. Mas acho que nós temos indícios que permitem associar essa relação do financiamento com o parlamentar ou governante eleito. E aí tem nuances. Ou são doações como retribuição a benesses já adquiridas ou são financiamentos e apoios com a intenção de influenciar decisões e políticas que possam favorecer esses interesses, além, é claro, de uma relação de proximidade, em alguns casos, até societária. Na doação de planos menores, a gente percebe que às vezes é mesmo pela relação entre o político e a empresa. Mas dá para dizer que uma série de decisões que vêm sendo tomadas e comportamentos tanto do Executivo que regula e toma medidas quanto no Legislativo são indícios de que se trata de um financiamento com um retorno muito garantido. E acho que não tem que olhar só para o legislativo. Até porque o financiamento mais expressivo se dá para a presidente da república do momento.

E o que essas empresas querem com esse alto financiamento destinado ao governo federal?

Isso tem a ver, do nosso ponto de vista, com a captura da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] pelo mercado, a ocupação de cargos na Agência, medidas que favorecem essas empresas. Tanto a Qualicorp quanto a Amil têm um histórico recente de decisões que foram favoráveis aos seus negócios. A Qualicorp tem um histórico de doação relevante, agora ela doou muito mais e desde a eleição anterior a gente já via que ela conseguiu junto à ANS uma regulação que favoreceu o seu negócio — a corretagem de grandes coletivos de adesão — que cresceu muito nos últimos anos. Ela tem uma outra característica: o seu ex-superintendente foi presidente da ANS por dois mandatos e agora retornou para a Qualicorp. E mesmo a Amil, que fez uma aposta grande na campanha da presidente eleita, também recentemente teve o seu grande negócio aprovado muito rapidamente. O interesse de financiar o Executivo tem a ver com a presença de pessoas que possam representar esses interesses na Agência. No Legislativo, eles têm apostado numa bancada da saúde suplementar.

Já podemos falar de bancada da saúde suplementar?

No momento em que a gente tem 30 parlamentares financiados por planos de saúde, acho que já podemos caracterizar assim. É uma bancada informal, eles não se autointitulam como as bancadas clássicas, mas é uma bancada da saúde suplementar que, em momentos decisivos, vai ser acionada para apresentar emendas, em ocasiões de votação ou mesmo nas comissões. Sem ir muito longe, em 2013 nós tivemos dois exemplos desse lobbie – e ainda nem tinha chegado esse financiamento de 2014. Primeiro foi aquela Lei 1273, que era uma MP X-tudo (nº 619), que foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidente. Ela permitiu uma mudança da base de cálculo sobre PIS e Cofins para planos de saúde que significou uma redução de 80% da contribuição. Essa MP colocou uma cláusula de que têm que ser excluídos  desse cálculo os custos assistenciais das operadoras — isso é o que ela paga de hospital, médico, laboratório, os prestadores. Isso livrou as empresas de pagar um elevado passivo tributário. Agora em 2014, a gente já está com dois exemplos. Um não é de interesse só dos planos, mas é também de grande interesse deles. Foi a MP que autorizou a entrada do capital estrangeiro de forma irrestrita no Brasil. Apesar de o capital estrangeiro em operadoras já ser autorizado desde 1999, o que está em jogo agora é capital estrangeiro para hospitais, clínicas e laboratórios. E os planos não fazem investimento, então estão vendo nisso a possibilidade de aumentar a rede a serviço dos planos. O deputado que colocou a emenda teve financiamento de plano de saúde. Sempre que tem um interesse, a bancada é acionada. E agora está causando uma grande preocupação nas pessoas que acreditam que o SUS é de fato o melhor modelo de sistema de saúde que nós temos essa PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 451, do Eduardo Cunha, que na prática ampliaria o mercado de planos e seguros de saúde. O Eduardo Cunha também está na lista de parlamentares que receberam apoio. O tempo todo estão em pauta, tanto na agência reguladora, no Executivo, quanto no Congresso temas e medidas de grande interesse dessas empresas. E isso chega até às assembleias legislativas porque elas têm também pautas estaduais, principalmente de desoneração de imposto. Por isso financiam também muitos deputados estaduais. Nosso estudo é limitado porque trata só dos recursos oficiais, mas o que a gente está demonstrando com essa série histórica que vem desde 2002 é que o interesse dessas empresas é crescente. Isso tem que ser discutido no meio desse debate atual sobre financiamento de campanha.

Quais são os principais interesses que essas empresas querem defender hoje no Congresso e no governo federal?

O que está demonstrado é o interesse de influenciar as políticas públicas que favorecem os planos de saúde. E esse investimento tem sido produtivo. A gente não consegue comprovar causa e efeito nesse sentido, mas se considerarmos a presença constante de representantes dessas empresas em cargos diretivos da ANS e a aprovação, tanto pelo Congresso como pelo governo, de diversas medidas que as beneficiam economicamente, podemos dizer que tem sido um investimento lucrativo, produtivo. Claramente, hoje existem projetos de saúde em disputa. Essas empresas estão disputando não só a agenda e política pública, mas estão disputando o fundo público, os recursos públicos. Porque são setores que dependem direta e indiretamente desses recursos, por exemplo, com a pauta da isenção, da desoneração. É um setor que historicamente já é beneficiado com renúncia fiscal, mas ele quer mais. Quer também medidas de flexibilização da legislação, uma pauta que está o tempo todo sendo colocada. Por exemplo, uma pauta que tem aparecido na mídia e com grande eco no poder Executivo, no Ministério da Saúde, diz respeito aos planos individuais. Os planos individuais desapareceram, as operadoras só querem oferecer o plano coletivo porque ele foge da regulação mais rigorosa. Não é à toa que a Qualicorp cresceu desse jeito com os seus planos de adesão, que são, em parte, uma grande armadilha: faz-se hoje plano coletivo de duas, três, dez pessoas, faz-se adesão com entidades que a gente chama de adesão dissimulada, em que o próprio corretor indica a associação para vender o plano. Então, quando se diz que é preciso voltar a ter plano individual, as empresas respondem: tá, desde que se flexibilizem essas regras rígidas dos planos individuais, que não nos interessam. Eles querem vender plano individual com o mesmo risco para os usuários consumidores que têm esses planos coletivos de adesão, que podem reajustar e rescindir o contrato a qualquer momento. Isso é uma coisa em discussão, mas um lobbie poderoso desse pode conseguir derrubar essa legislação que tenta ainda proteger os planos individuais. O não-ressarcimento ao SUS é uma outra pauta que do nosso ponto de vista tem um grande interesse das operadoras. É inadmissível que até hoje, como o próprio TCU aponta, o calote ao SUS seja imenso: daquilo que foi cobrado, nem 40% chegou aos cofres públicos, mas pior ainda é o calote do que não cobrou. A ANS não cobrou nenhum atendimento ambulatorial. Só cobrou AIH e mesmo assim não recebeu. Não criou mecanismos para processo e cobrar.

Não faltam situações que têm demonstrado que têm prevalecido os interesses das operadoras. Esses grupos estão muito fortalecidos e o financiamento de campanha os torna ainda mais fortes. Eles ficam muito próximos desse grupo dirigente do Legislativo e a pauta deles é muito clara: isenção, anistia fiscal, não pagamento de multa, entrada do capital estrangeiro para ampliar a rede credenciada de hospitais e laboratórios. E essa é a mesma coalizão de forças que dissemina que o SUS está falido, que a saúde universal é inviável. Essa pauta de prioridades pode acabar por inviabilizar o SUS. O que a gente está falando é que essas são medidas que têm acirrado a privatização da saúde no Brasil. Então, eu acho que tem uma luz vermelha acesa. Se você somar essas duas medidas agora do começo do ano — a emenda que constitucionalizou o subfinanciamento do SUS, retirando ainda mais recursos de um cálculo que já era insuficiente, e que, por enquanto, enterrou politicamente inclusive o movimento do Saúde + 10 — com a lei que permitiu a abertura irrestrita ao capital estrangeiro e com a PEC que trata da obrigatoriedade de empregadores oferecerem plano de saúde, o que se tem é um acirramento da privatização da saúde. A gente está falando de algo muito mais impactante para o futuro do sistema público de saúde.

Existe hoje alguma mobilização por parte do movimento da reforma sanitária para ocupar o espaço do legislativo? O SUS tem espaço de “lobbie” no Congresso?

Quem poderia estar fazendo esse papel de forma mais orgânica e organizada é o Conselho Nacional de Saúde, mas eu acho que ele não tem conseguido. O que seria um lobbie relevante em defesa do SUS? Se a gente conseguisse juntar o controle social em saúde, que reúne várias forças em defesa do SUS, com o movimento sanitário e os trabalhadores. Eu acho que há grandes ausências nesse debate. Eu diria que hoje o movimento sindical, dos trabalhadores, faz muita falta para essa pressão a favor do sistema universal e do SUS.

Me chama atenção que está havendo também uma série de sinalizações e decisões políticas de que o próprio governo federal, o Ministério da Saúde, o poder Executivo está bastante alinhado com esses interesses. Essa PEC 358, que cristalizou o subfinanciamento, foi inteiramente articulada e apoiada pelo governo federal. O capital estrangeiro veio no dia seguinte com a defesa de que não tinha problema, de que isso já estava acontecendo. A gente está hoje com uma legislação que traz duas políticas opostas na mesma norma. E esses dois movimentos recentes tiveram o apoio do governo. É preciso uma coalizão de forças da sociedade, que juntasse os movimentos populares tradicionais em defesa do SUS, mas não adianta se não tiver os trabalhadores da saúde. Porque há um divórcio hoje entre as centrais sindicais e os movimentos dos trabalhadores com a defesa do SUS. Isso seria uma força importante porque eles são hoje os grandes consumidores de planos coletivos, reivindicadores de planos coletivos. A gente precisa se reaproximar...

É possível até que as centrais sindicais saiam em defesa da PEC do Eduardo Cunha, porque ela pode parecer progressista quanto torna o plano de saúde um “direito”...

Eu acho que nós estamos em desvantagem. Nunca esteve tão forte essa coalizão dos interesses privados – planos de saúde, hospitais privados e indústria farmacêutica. Eles têm interesses comuns. Pretendem ampliar a participação do setor privado na formulação das políticas e expandir o mercado privado principalmente obtendo desonerações e reduções tributárias. Isso está escrito, eles têm lançado documentos conjuntos. Entregaram documentos a todos os candidatos. E o governo federal tem sido o grande avalista dessas reivindicações. Não tenha dúvida de que quem vai ser o avalista do capital estrangeiro vai ser o governo federal, seja desregulando, incentivando o crescimento do mercado de plano. Essa conexão é importante: o mercado de plano vai se beneficiar da expansão da rede hospitalar e da rede de diagnóstico expandida com recursos externos. Há sinais de opções pela privatização. E agora então, com o subfinanciamento constitucionalizado e com o ajuste fiscal, cresce um pouco essa dinâmica de repassar o máximo de responsabilidade e de apostar no setor privado. Por isso acho que a gente está diante, a passos largos, da privatização, do sistema de saúde. Eles estão mais organizados.  Nadam de braçada no Legislativo e contam com a adesão do governo federal para várias posições. Contam com uma oposição tranquila do movimento sanitário; o Conselho de Saúde, do meu ponto de vista, está totalmente encurralado, cooptado pelo poder Executivo, não exerce seu papel de controle social, não consegue pautar e fazer uma correlação de forças no Legislativo. A agenda hoje do CNS é a agenda do ministério da saúde. A gente não tem conseguido contar com o CNS como no passado, quando ele fez grande diferença, por exemplo, no momento da lei dos genéricos, da resolução de ética em pesquisa e da própria regulamentação dos planos de saúde — o CNS teve um protagonismo importante para que a lei não fosse pior ainda. Perdeu esse protagonismo. É subserviente hoje ao governo. Essas empresas contam com o silencio dos sindicatos, que fazem uma defesa muito tímida do sistema universal e no fundo são grandes motores da defesa dos planos de saúde, uma vez que os planos constam como ponto de pauta dos trabalhadores organizados, e com uma omissão total dos partidos políticos. Eu e Ligia Bahia fizemos um estudo sobre a saúde nos programas dos candidatos. Os programas eliminaram, não passaram nem perto, não fizeram qualquer menção a isso de que estamos falando, não disseram que sistema de saúde defendem. Então a gente tem uma fragilidade total onde os interesses privados estão nadando de braçada. Está mudando um pouco a face do sistema de saúde. Estamos seguindo um caminho inverso do que colocamos na Constituição como sendo o sistema de saúde que o Brasil deve ter. Isso tudo junto vai causar iniquidade, dificuldade de acesso; estamos caminhando para um cenário de privatização da saúde que está afastando cada vez mais o SUS e eu acho que as condições hoje são muito desfavoráveis à legitimidade do SUS. Temos inflexões que estão impondo o desmonte e a derrota para o SUS.

A Amil doou R$ 7 milhões para a candidatura da presidente Dilma Rousseff. Pela trajetória recente dessa empresa, que se tornou a maior nessa área no Brasil, é possível identificar quais são os principais interesses que ela quer garantir junto ao governo federal neste momento?

Teve muita repercussão a rapidez com que a ANS e os órgãos de governo aprovaram a venda da Amil para o maior grupo de saúde dos EUA. Mas também eu acho que a maior operadora tem interesse na expansão desse mercado, com uma agenda de flexibilização da regulação, desonerações e isenções. Em 2013, veio a público que ocorreram reuniões dessas empresas com o governo. Quem estava nessas reivindicações? A Amil e a Qualicorp, entre outras.  E qual era a pauta? Era um grupo restrito de empresários, entre eles esses maiores doadores, que queriam a massificação de planos de saúde de baixo preço. Isso significa planos com regulação frouxa, cobertura reduzida, com questões como a do reajuste e rescisão unilateral. Mas não temos como identificar que doou por causa disso. Agora, por exemplo, o que está em pauta é a liberação dos reajustes dos planos individuais, que são regulados pela ANS. A postura das empresas é: ‘querem que a gente volte a vende planos individuais? Então libera o reajuste’.

Hoje, como se dá a relação de forças e a “divisão” de mercado entre Amil, Bradesco, Unimed e Qualicorp, as quatro empresas que encabeçam a lista de doadoras?

Tem para todo mundo: é um mercado que cresce. É um mercado muito sensível a emprego e renda, então quando tem momento de recessão, ele dá uma encolhida. É voltado para planos coletivos, mas tem crescido muito nos últimos tempos, 5% ao ano. Ultrapassaram R$ 100 bilhões de faturamento no ano passado. Tem mais de 900 operadoras atuando mas é concentrado, 15 empresas têm mais de 40% desse mercado. Hoje a medicina de grupo e as Unimeds são juntas quem tem a maior fatia do mercado, mais de 30% cada uma. As seguradoras sempre foram uma fatia menor, não chegam a 15%, mas existem empresas grandes, como a Bradesco. Em cada setor, há grandes operadoras. A Bradesco e a Sulamérica no seguro saúde, a Amil e a Golden Cross na medicina de grupo, a Unimed tem que ser vista como um grupo expressivo. A pauta é muito semelhante, mas como são modalidades empresariais diferentes, em alguns momentos o interesse é mais de um do que de outro. E as vezes eles brigam entre eles. Há alguns interesses que podem colocar em lados opostos a Qualicorp e a Amil, por exemplo. Ainda tem a autogestão, que não é lucrativa. Faz sentido que as maiores empresas acabem sendo as que financiam mais. De fato, tem uma novidade no mercado, que são as administradoras de benefícios, como a Qualicorp. A Qualicorp é uma modalidade nova, que foi regulamentada em 2009 — e olha como ela cresceu! O dono da Qualicorp casou e tem uma notícia de que o Lula e a Marisa, o Serra e a esposa, o Alckmin e a esposa foram. A Qualicorp é um fenômeno, não só de crescimento mas também de proximidade com o poder. Outra novidade é a chegada do capital estrangeiro que aconteceu antes da mudança da lei. A grande aposta é um crescimento do mercado, falam em dobrar a clientela com planos baratos. Mas plano barato tem que ser com isenção, com benesses.

A pesquisa aponta uma diferença de estratégia entre as principais empresas doadoras. Um exemplo é que, enquanto a Unimed apostou no Legislativo, a Amil apostou mais nas candidaturas majoritárias. Você arrisca uma explicação para essas opções?

As opções comuns são mais relevantes do que as diferenças. A expansão desse mercado por meio de isenções, desonerações e acionamento do fundo público, isso junta todo mundo. O que a gente está falando são nuances, com exceção das Unimeds, que têm uma pauta voltada um pouco mais para benefícios do cooperativismo e têm essa relação de financiar os cooperados ou os candidatos que declaram explicitamente apoio — ela faz essa opção por porta-vozes, por pessoas mais orgânicas do sistema Unimed. Mas no fundo ela quer a mesma coisa. A Amil teve um aporte importante para o Executivo, mas também saiu distribuindo para o Legislativo. A Bradesco saúde é parte de um grande conglomerado e, independentemente de partido, parece que aposta nos candidatos que têm mais chance. A gente acha que jogam na mesa para ver qual empresa do grupo financia quem. Essa parece uma estratégia mais organizada porque compõe um grande conglomerado. A Unimed tem uma coisa mais paroquial. A Amil e a Qualicorp não.

A discussão, muito atual, sobre a necessidade e uma reforma política tem trazido o debate também sobre o fim do financiamento privado de campanha. Que importância tem essa pauta para o movimento da reforma sanitária?

Eu acho que esse é um estudo de caso importante para a gente perceber que o atual modelo traz essa possibilidade de interferência. Mas eu não sei se essa é uma pauta da qual a gente se apropriou. O movimento sanitário não tem uma discussão sobre financiamento de campanha. Eu não tenho certeza se proibir o financiamento privado é a única coisa. Eu acho que a gente tem que olhar para isso primeiro como a necessidade de uma reforma política mais ampliada. Estamos falando de decisões que estão sendo tomadas sem nenhuma possibilidade de a sociedade opinar sobre isso, atendendo a interesses particulares. Os interesses do coletivo estão sub-representados. Então, a gente precisa de uma reforma política que se ocupe não só de discutir o sistema eleitoral e a questão do financiamento de campanha. Mas eu acho que o movimento sanitário tem que participar mesmo dessa discussão sobre novos mecanismos de participação. Eu acho que as evidências da influência que o poder econômico tem no resultado das eleições e as possíveis pontes entre doação de campanha e corrupção são elementos importantes, mas a discussão da reforma política tem que pensar também que novas instâncias, mecanismos e instrumentos nós vamos ter para haver uma participação da população em decisões que têm a ver com o futuro do sistema de saúde, que afeta a vida e a saúde de todo mundo.

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