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Entrevista: 
Leila Linhares

Qualquer homem se acha no direito de, em algum momento, se apropriar desse corpo sem pedir licença

Quatro décadas após o levante da segunda onda feminista no Brasil, Leila Linhares, advogada e diretora da ONG Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação) que discute a violência contra mulher avalia as conquistas dos direitos da mulher no Brasil e o retrocesso vivido em tempos atuais. Confira:
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 09/03/2020 12h32 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

Quais eram as principais reivindicações do movimento feminista da segunda onda no Brasil que perpetuam em luta até hoje?

A segunda onda do movimento feminista começa a se organizar, aqui no Rio de Janeiro, em 1975, com um seminário da Associação Brasileira de Imprensa que durou uma semana, chamado "Papel no Comportamento da Mulher na Sociedade Brasileira". Era um nome não muito expressivo porque a gente estava em plena época da ditadura. E esse seminário foi talvez o primeiro momento da segunda onda feminista, no qual vieram à tona várias questões relativas à situação das mulheres no Brasil como trabalho, educação, saúde, desigualdade salarial, enfim, temas muito presentes e que geravam incômodo nas mulheres. A partir deste evento, criou-se aqui no Rio o Centro da Mulher Brasileira. Na mesma época, São Paulo e Belo Horizonte começaram a criar também grupos de mulheres voltados à discussão do tema. É de São Paulo o primeiro jornal feminista da segunda onda. É importante pontuar porque existiam jornais feministas desde o século 19 no Brasil. Entre 1975 a 1979 as mulheres começaram a se organizar no Brasil. Não apenas falando sobre a questão da discriminação contra as mulheres, também no enfrentamento à ditadura. Era um movimento bastante politizado. Nesse momento, nos finais dos anos 70, vem à tona os assassinatos de mulheres de classe alta, particularmente os assassinatos de duas em Minas Gerais, e a terceira, mineira assassinada no Rio de Janeiro, a Ângela Diniz. Nesse momento, o movimento que vinha com uma pauta, focada em discriminações, abre uma pauta extra, que é focada na violência. Isso gerou nos movimentos das mulheres uma mobilização que você não faz ideia... Foi lançado o slogan "Quem Ama Não Mata" que parece que se disseminou pelo vento em todas as regiões do país. Pichamos muros, distribuímos panfletos. Queríamos deixar a mensagem de que aqueles crimes não eram de amor, eram de ódio. Nesse momento, o final da década de 1970 para a década de 1980, nós não tínhamos políticas públicas voltadas para as mulheres.

Como as mulheres eram acolhidas naquele momento?

A primeira iniciativa foi a criação das Casas Abrigo, que acolhiam mulheres em momento de vulnerabilidade. Outras iniciativas também foram sendo tomadas por grupos diversos. Enquanto ainda não havia as DEAMs [Delegacia de Atendimento à Mulher], algumas assistentes sociais iam para algumas delegacias, já alertadas sobre essa especificidade da violência contra as mulheres. Uma das pioneiras em relação a isso foi as da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No início de 1979, com o processo de distensão, quando começou a acenar para a possibilidade de eleições para governador começamos a nos mobilizar.  Nessa época, pelo menos três estados tiveram governadores eleitos. Era o Franco Montoro, em São Paulo, Ulysses Guimarães, em Belo Horizonte, ambos do MDB, e aqui no Rio, o Leonel Brizola, do PDT. E as feministas conseguiram marcar reuniões e pautar suas demandas. Primeiramente em São Paulo, deu-se origem a criação dos Conselhos Estaduais dos Direitos das Mulheres e das Delegacias de Mulheres. Franco Montoro não apenas criou o Conselho e Delegacia, como deu um destaque muito grande. O Conselho era formado por militantes de movimentos sociais e por mulheres que tinham uma projeção no feminismo acadêmico e político. Uma série de mulheres que tinham já uma liderança, um nome forte, junto a esses estados que se democratizavam, foram juntando forças. Então, a Delegacia de Mulheres era exatamente a percepção de que as delegacias comuns não tinham nenhuma sensibilidade para atender às mulheres em situação de violência. Os depoimentos, o que se tinha, de dados concretos eram dados de extrema parcialidade. O Judiciário era extremamente bondoso com esses agressores, a área de segurança era extremamente omissa quando uma mulher ia registrar queixa. As próprias mulheres não buscavam essas delegacias porque já sabiam que seriam mal atendidas. Não estavam, ainda, como a gente diz hoje, empoderadas, para saber que elas poderiam buscar esse serviço público na área de segurança. Então, as Delegacias de Mulheres surgem como um projeto bem colocado no papel mesmo, ou seja, tinha que ter uma Delegacia dessas com toda a equipe formada por mulheres. Nesse primeiro momento isso aconteceu. São Paulo, basicamente, se organizou melhor para isso. O Rio de Janeiro já foi um pouco mais atrasado. O modelo criado foi desenhado por nós feministas. Era isso que a gente queria. E, nesse primeiro momento, isso foi extremamente revolucionário. A gente contestava por direitos iguais e reivindicava uma política pública específica, concreta. É interessante quando a gente dá um pulo na história, quanto a Lei Maria da Penha foi aprovada em 2006, vários setores, principalmente juízes, disseram que ela era uma lei discriminatória, que criava uma lei só para as mulheres. Nós, então, utilizamos o mesmo argumento do passado quando reivindicamos a delegacia das mulheres dizendo o seguinte: as políticas de ações afirmativas não são discriminatórias, enquanto durar o problema. Eu acho que a Delegacia de Mulheres foi, talvez, a primeira política pública de proteção às mulheres, sem ser, por exemplo, na área de saúde. Você tinha uma política pública de atenção materno infantil, então, você ligava a questão das mulheres à questão da maternidade. No caso da delegacia das mulheres, não. Era o fato de serem mulheres, de estarem sofrendo violência, e, na grande maioria, violência por parte dos seus parceiros. Não tínhamos essa questão de gênero na época.

Quais outros aparatos jurídicos e legislativos que foram conquistas do movimento feminista complementares à Delegacia das Mulheres?

Em 1985, foi criado Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres. Isso teve uma importância muito grande, porque foi o grande lobby das feministas para incluir na Constituição todos os direitos que a gente tem hoje, que estão sendo desmanchados a cada dia... A criação do Conselho também foi importante porque a partir dele começou a se lançar campanhas contra a violência. A primeira iniciativa foi uma publicação que apresentava a diferença de tratamento quando a vítima era mulher. Nesse mesmo período, da década de 1980, o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] faz uma pesquisa sobre Justiça e Vitimização, que deixou claro que apesar de homens serem mais vitimados, as mulheres eram violentadas dentro de casa. Nesse momento, começou a demanda por criação de abrigos para mulheres em risco de violência mais grave. Inicia-se, também, todo um trabalho da necessidade de se ter núcleos das Defensorias Públicas de Atenção às Mulheres. O primeiro núcleo foi no Rio de Janeiro. A gente começou a perceber que política para as mulheres na área de segurança não era só a de segurança stricto sensu, mas significava também que essas mulheres já vitimadas também pudessem ter abrigos onde elas pudessem ser recebidas com seus filhos, e que tivesse acesso à orientação jurídica gratuita. Em alguns estados, a gente teve uma experiência interessante também que era a criação de advogadas feministas de família. Eu e a Comba Marques Porto, por exemplo, criamos um escritório, em que a maioria das nossas clientes eram mulheres, que estavam em situação de violência. O escritório acabou falindo, porque ninguém pagava a gente. Era realmente um trabalho voluntário que nós fazíamos. Isso deve ter acontecido em outros estados. Ainda nessa década de 1980, a gente começa a fazer uma campanha para derrubar, no Poder Judiciário, a chamada Tese da Legítima Defesa da Honra. Essa campanha culmina em 1991, quando o Superior Tribunal de Justiça chega a conclusão de que o homicídio não pode ser encarado como um meio normal e legítimo de reação contra o  adultério.


Nessa época, as instituições passam a encorpar as pautas do movimento feminista?

Foram encorpando... Mas, mesmo com todo esse movimento, os investimentos públicos, em termos de orçamento público, sempre foram orçamentos muito reduzidos. Isso não é privilégio do Brasil, a gente vê,por exemplo - eu faço parte de um comitê da Organização dos Estados Americanos, que é um comitê que monitora a implementação da Convenção Interamericana sobre violência contra a mulher, - que países fazem leis, fazem planos, mas que começam a falhar em prestação de serviços, dados estatísticos e, basicamente, o orçamento. Então, você tem uma dificuldade muito grande de ter qual é o orçamento voltado para as políticas de combate à violência contra as mulheres. O grande salto nisso se deu em 2003, quando, já de 2003 para 2004, cria-se a Secretaria de Política para as Mulheres. Já no final desse ano, assume a secretária Nilcea Freire, nossa querida amiga que faleceu recentemente. A Nilcea encampou a agenda feminista. Um de seus marcos foi o Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres, ou seja, o Governo Federal colocava nos estados que assinaram o pacto recursos para construir delegacias, abrigos, para construir equipamentos, comprar viaturas...


Os recursos já eram destinados?

Sim. Eles não podiam ser gastos em pessoal. Nesse momento, houve um "boom" de crescimento desses serviços, principalmente das delegacias. Isso foi algo muito importante. Quando vem a Lei Maria da Penha em 2006, isso se reforça.


Teve a criação do 180 também…

Sim. O 180 veio nesse conjunto de iniciativa.


E em âmbito legal? Como isso veio se fortalecendo?

Na década de1980 conseguimos incluir o combate à violência da mulher na Constituição, no capítulo da família. O Conselho Nacional, na época, era presidido pela Jaqueline Pitanguy, que lançou campanhas diversas, inclusive na televisão... Esse foi um movimento também que fortaleceu e impulsionou novas políticas. Hoje em dia, o que a gente percebe, é que talvez a nossa ênfase da década de 1980, – talvez muitas companheiras discordem de mim –,  mas enfim, estou pensando agora conversando com você, que nossa ênfase talvez tenha sido muito na punição da violência, ou seja, no depois que ocorreu a violência. Não que a gente não tivesse uma preocupação com a prevenção. A gente sempre falava, desde 1975, da necessidade de mudança de mentalidade, de atuar no sistema de ensino. Mas os casos de violência que chegavam eram tão grandes, que a necessidade de a gente lutar contra essa violência acabou prevalecendo...

A realidade concreta gritava por sua urgência...

A realidade concreta com casos de violência covardes e a necessidade de lutar contra tanta impunidade, contra a vitimização da mulher, contra os estereótipos que usavam contra as mulheres. Fizemos de tudo um pouco: tentamos interferir no Poder Executivo, nas áreas de segurança, no Poder Judiciário, nas sentenças que eram dadas. Tem dois livros muito interessantes da Silva Pimentel, o "Crime ou cortesia", que é como que o Judiciário vê essa questão da sexualidade e o que aborda sentenças de família, em que ela pega antes da Constituição, onde você vê como o Judiciário sempre foi extremamente preconceituoso e é até hoje em relação às mulheres, principalmente, nessa área de crimes sexuais.

E como fica o debate em relação à prevenção?

De lá para cá, alavancou o número de estudos nas universidades, teses, ou seja, passa-se a ter uma preocupação com dados qualitativos, com dados quantitativos. Há cerca de 20 anos passamos a publicar o Dossiê Mulher. Fomos nos organizando não apenas no combate à violência a partir do sistema de segurança, mas com a construção de conhecimento. E a partir de 2006 há uma ênfase muito grande na prevenção. Então, tem toda a parte inicial da Lei Maria da Penha e da prevenção, embora só se fale da parte de punição. A questão da prevenção sempre foi uma coisa complicada nesse país. Não apenas na questão da violência, mas até hoje em relação à saúde sexual e reprodutiva que daqui a pouco não poderá ser discutida nas escolas. Há um descaso do Estado com a prevenção, não em termos culturais, mas a em termo das melhorias das condições efetivas de vida das mulheres na sociedade. A violência contra as mulheres está extremamente relacionada ao fato de que as mulheres recebem salário menor do que os homens nas mesmas posições, que as mulheres não têm uma representação política e que não conseguem nunca ultrapassar os 10% obrigatórios. Se esse debate não avança você encara a mulher como um ser humano de menos valor. Isso reforça a ideia de domínio dos homens sobre as mulheres, em termos de violência física, sexual, psicológica e financeira. Talvez esteja subjacente a tudo isso, que as mulheres não são donas de seu próprio corpo. A questão do aborto, por exemplo. Quando começamos encarar toda a discussão do direito da mulher de interromper a gestação do feto anencéfalo. Como é que aquilo foi uma coisa difícil! Ou seja, essa ideia de que o corpo da mulher pertence aos homens, pertence ao Estado, que vai regular o que é permitido e o que não é permitido. É um corpo em disponibilidade. Isso fica muito claro, não apenas na violência doméstica, mas na violência sexual. Qualquer homem se acha no direito de, em algum momento, se apropriar desse corpo sem pedir licença. Essas tantas questões começaram a emergir nessa década 1980. Mas, as políticas ainda estavam muito aquém para atender a esse incêndio, que era o número de mulheres em situação de violência concreta.


E como era o papel do Estado em relação às reivindicações?

O Conselho Nacional tinha o orçamento próprio e era vinculado à Presidência da República. Ele tinha dinheiro para investir em campanha, e em tudo que era da área do Conselho. Depois perde isso. Ele vira o órgão do Ministério da Justiça, e passa praticamente toda a década de 1990 sem ter um órgão no Governo Federal de diálogo com as mulheres. Mesmo o Fernando Henrique, com a companheira Ruth Cardoso, que era feminista e professora, não havia esse diálogo. Embora, na época, nós debatemos muito a questão da Lei do Planejamento Familiar e entregamos a lei pronta ao Congresso. Tivemos que brigar, porque é uma lei avançada. A gente conseguiu que o Poder Legislativo aprovasse. Depois, foi para a sanção presidencial e o Fernando Henrique vetou. Então voltou para o Legislativo, e demorou um ano para passar de novo. Segundo relatos, o ex-presidente vetou porque disse que estava distraído. Há quem diga que ele vetou porque o Marco Maciel, que era o vice-presidente na época, era muito católico, e ele induziu o Fernando Henrique a vetar. Em toda década de 1990 ocorreu uma ausência do Estado. E é na mesma que surgem as ONGs para assumir esse papel.

Em que refletiu com essa ausência?

A gente só retomou essa discussão do diálogo com o Estado sobre violência contra as mulheres no final do governo Fernando Henrique. Já no último ano, quando o Brasil tem que apresentar um relatório às Nações Unidas. Foi uma coisa interessante, porque é através da Silva Pimentel e da Flávia Piovesan que conseguiram fazer uma costura com o Ministério das Relações Exteriores, de tal maneira que, dessa costura, resultou que o primeiro relatório brasileiro apresentado ao Comitê das Nações Unidas fosse elaborado por mulheres feministas. E nós topamos fazer isso desde que o Ministério de Relações Exteriores não censurasse o que íamos colocar. Então foi apresentado à ONU em 2002, no final do governo Fernando Henrique, o documento. E em 2003, no início do governo Lula, a então ministra Emília Fernandes, que foi a primeira ministra das Mulheres, defendeu esse documento na Assembleia das Nações Unidas. Ela formou um grupo de gente da Secretaria e me convidou para ir, fora da secretaria, com o movimento feminista, para coordenar esse grupo. Então, nós fomos para Nova York, e nesse documento havia a denúncia da questão da violência, tudo isso que a gente possa imaginar nós botamos no relatório. O relatório foi elogiado, o Brasil foi muito sincero nas suas respostas, e o Comitê fez uma série de recomendações. O que a gente percebe é que quando a Nilcea assume, uma parte importante dessas recomendações foi sendo atendida, e culminou também com a Lei Maria da Penha. A gente tem um período, que foi a década de 1980, heroico do ponto de vista da sociedade civil junto com o Estado, tem um período do afastamento do estado dessas questões, da sociedade se organizando independente dessa interlocução, e tem esse período de 2000, em que a gente volta, então, a esse diálogo com o Estado, até 2016. De 2016 para cá, a Secretaria que já tinha perdido o status ministerial cai mais ainda. Não há preocupação nenhuma do governo Temer com as questões de gênero. Há um lobby atualmente, o nosso lobby, que vai para cima muito do Judiciário, na medida em que a gente começa a ver que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estão cada vez mais reacionários.

E agora, como está a atuação?

Na realidade, eu diria que o interesse do governo federal e dos governos estaduais é zero em relação às políticas públicas. Na área de segurança, nós podemos dizer que os estados ainda mantêm as delegacias, porque no dia em que a gente fechar as delegacias, a reação da mulherada, não só das feministas, vai ser muito grande. Mas, sempre há uma precarização muito grande. A Secretaria da Mulher hoje em dia é algo pendurado no guarda-chuva da Secretaria de Assistência Social, junto com uma série de outras subsecretarias. O que tem salvado é o Conselho, que trabalha voluntariamente, e que tem a Comissão de Segurança da Mulher. Por meio dela, a gente fica ali o tempo todo tentando negociar algumas migalhas como o não fechamento do Centro Integral de Atendimento à Mulher, o não fechamento dos abrigos e pedindo coisas mínimas. O que se vê é que de 2016 para cá esse descaso vem se alastrando. Ao mesmo tempo, de uma maneira meio esquizofrênica, o governo faz uma coisa absurda em relação às questões morais. Estou falando da Damares agora, que tem um discurso da questão da violência contra as mulheres, mas, ao mesmo tempo concilia com toda a ideologia da família tradicional. Aquela coisa do: “ora minha filha, aguenta esse homem", "tenha paciência". Esse discurso de combate à violência acaba sendo um discurso falso. Eu vejo com muita preocupação. Eu tenho 45 anos de militância ininterrupta, na realidade mais, porque começamos em 1973. A gente não pode dizer que década de 1990 foi um desastre comparado com a década de agora.

Se você pudesse aconselhar hoje as feministas, dentro desse contexto, qual caminho indicaria?

A gente tem uma coisa que é importante e nunca podemos esquecer e isso serve não só para o movimento feminista, mas para todos os movimentos sociais. Precisamos nos manifestar, ir às ruas. Muitas vezes a gente fica muito nos e-mails, nas redes sociais. A rede social tem que funcionar como um tambor, onde você está mandando a mensagem, mas se você não tem o movimento de rua, você não existe. Precisamos manter a mobilização. Hoje em dia você não pode nem dizer em que temos que nos mobilizar, porque é para tudo. Precisamos ir às ruas para lutar contra a violência, pela questão da saúde pública, da garantia das leis trabalhistas, em defesa da participação política. Hoje em dia não pode discutir a questão de gênero nas escolas. Eu acho que esse é o momento, eu diria - usando a experiência pré 80 - em que a sociedade como um todo tem que conseguir lutar por todas as questões. É meio-ambiente, saúde, escola, enfim, tudo. Isso que foi um pouco a realidade da gente, antes da redemocratização. Foi assim que fez a gente se jogar em defesa de uma frente democrática. Eu acho que em relação às mulheres, isso mostra um limite, porque nós nos jogamos na frente democrática, mas você não tem, necessariamente, outros setores da Frente Democrática que se jogam nas questões das mulheres. Isso já era assim na década de 1970. Nós éramos consideradas as divisionistas da luta geral. Hoje em dia, percebemos a mesma coisa. Você não vê os movimentos - menos os movimentos LGBT, o que nós feministas defendemos – defendendo as demandas das mulheres. Eu acho que tem uma questão também superimportante, que é a reivindicação das  jovens negras. É interessante como dentro do movimento negro, o que existe de forte são as mulheres negras. Tanto são os movimentos de mulheres negras, que estão alargando esse olhar de gênero e mostrando esses dados claros, de piores condições de vida, maior índice de violência, de violência doméstica e de violência sexual. Então, tem uma complexidade étnico racial também, que não estava presente no final da década de 1970 ou no início da década de 1980. Eu não consigo dizer para você: Foca nisso ou foca naquilo. Têm coisas que sabemos que são muito difíceis de avançar, a questão do aborto é uma delas. É complicada, a gente sabe que a possibilidade de avançar é micro, mas vamos continuar. Hoje o feminicídio vem aumentando. O que faz com que homens jovens de diferentes classes sociais se sintam nesse direito de matar as mulheres? Claro que a gente tem hoje em dia um discurso descarado de ódio às mulheres.

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