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Chimen Peyizan* - “Ajudar os camponeses significa atacar o problema pela raiz”

“Com o terremoto, os problemas históricos do Haiti – falta de soberania alimentar e falta de acesso do povo à educação e à saúde, entre muitos outros – se agravaram rapidamente, levando ‘comunidade internacional’ a olhar de maneira mais séria para o país, duramente castigado pelas forças da natureza e pelas potencias internacionais”. Com essas palavras, o coordenador da Brigada da Via Campesina - Brasil, José Luis Patrola, contextualiza a situação haitiana.


Segundo ele, que está no Haiti desde 2009, depois da ajuda emergencial, é necessário ajudar no processo de reconstrução do país e na ativação da produção de alimentos, aproveitando a possibilidade que o país tem de se reconstruir de maneira sólida e sustentável.


“O Haiti necessita urgentemente de um processo de incentivo à produção rápida de alimentos e à construção de açudes, bem como um plano urgente de reflorestamento. A já pobre área rural vem recebendo cerca de um milhão a mais de habitantes fugidos dos centros mais afetados e terá incumbência de produzir alimentos para esse novo público bem como para a população que permaneceu nas cidades”, explica. Para ele, os movimentos sociais camponeses do Haiti, em conjunto com governos progressistas do continente e do mundo, devem instalar uma revolução agrária para não permitir o aumento ainda maior da fome e a possibilidade de uma catástrofe demográfica eminente e sem precedentes históricos. “A solidariedade consiste em ajudar a resolver os problemas mais graves e estruturais da sociedade haitiana. Ajudar os camponeses significa atacar o problema pela raiz”, enfatiza.


De acordo com Patrola, a ocupação militar por meio da MINUSTAH – Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – se encontra em cheque, principalmente depois que o terremoto mostrou que há problemas mais graves que a ‘segurança’, os quais se não forem atacados resultarão em mais dez anos de ocupação sem que sejam resolvidos. “O processo de reconstrução que está sendo levado a cabo, imposto e coordenado de cima para baixo pode gerar duas consequências indesejáveis: aumento do êxodo rural, por causa da oferta de empregos temporários na zona metropolitana nas obras de reconstrução, e simultaneamente, aumento da concentração urbana com formação de ‘bidonvilles’ (favelas) originadas de acampamentos de desabrigados”, alerta.


Nesse sentido, os movimentos sociais haitianos têm um grande desafio pela frente: construir sua unidade interna e, a partir daí, propor políticas nacionais de maneira unificada. Aos movimentos sociais externos, segundo Patrola, cabe buscar entender o que ocorre no país, para poder demandar de seus governos medidas de apoio solidário que ajudem a solucionar os problemas estruturais do Haiti. Em sua opinião, os movimentos também devem estabelecer um grande processo de intercambio, enviando brigadas de apoio ao país e acolhendo brigadas haitianas em seus países. “Devemos romper as barreiras da língua e nos unir enquanto povos”, afirma.


“Os médicos cubanos, por exemplo, fazem um trabalho extraordinário junto ao povo. As ações de cooperação solidária desenvolvida por Cuba no Haiti comprovam que os problemas estruturais vividos pelo país na área da saúde devem ser tratados com a participação do povo como protagonista”, conta Patrola, sublinhando: “Tudo que desconsidera essa lógica é inútil para permitir que o país conquiste sua soberania”.


Criada oficialmente em 1993, a Via Campesina é um movimento internacional, que coordena organizações camponesas de pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas e negras de quase 70 países da Ásia, África, América e Europa. Sua principal política é a defesa da soberania alimentar, isto é: o direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar.


*Chimen Peyizan é a tradução para Via Campesina em Kreyòl (idioma crioulo falado por cerca de 80% da população do Haiti).