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Observatório na Mídia

29/05/2013 00h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Análise

por: Cláudio Gomes, filósofo e chefe de gabinete da direção da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV)

Educação profissional: solução para a crise da indústria

O diretor de Educação da CNI compreende que não apenas há uma crise na indústria nacional, mas que esta se atribui à baixa produtividade do trabalhador brasileiro comparada à dos de indústrias estrangeiras. Dentre os fatores para tanto, aponta como principal o padrão educacional brasileiro, que teria como responsabilidade formar o fator de produção força de trabalho com a maior capacidade produtiva possível. Dois aspectos são ressaltados pelo entrevistado: a precária capacidade de raciocínios abstratos dos trabalhadores, desde o manejo com a língua até operações matemáticas, e o padrão, ou a matriz, educacional. Também não se conjuga, segundo ele, a formação geral com a profissional, como na Europa, com média de 40% desta forma de ensino médio frente aos poucos 6,6% nacionais, o que é agravado pelo fato de no Brasil apenas 20% dos jovens ingressarem no ensino superior. Solução: mais ensino técnico, pois assim não apenas a competitividade tende a aumentar como a juventude daria início à trajetória profissional estável, o que favoreceria tanto a viabilização da continuidade de estudos quanto a própria ascensão profissional, em circular favorecimento: com renda, estuda e se estuda, aumenta a renda.

O diretor da CNI entende que assim os interesses da sociedade brasileira estarão sendo atendidos, adequando, com um novo modelo de educação, a natureza da sociedade brasileira, que se caracteriza por ter 80% da população fora do ensino superior, com a elevação da competitividade da indústria nacional. A metáfora é a seguinte: existem dois sistemas de educação, o regular e o profissional. Naquele, ingressamos no primeiro andar, no primeiro ano do ensino fundamental, e depois de 17 anos saímos pelo andar de cima, concluído o ensino superior e com apenas uma profissão. Neste segundo edifício, um cursinho de formação inicial de 200 horas “pode ter resultado de melhor produtividade desde o primeiro andar desse prédio. Então os resultados são mais rápidos e efetivos”.

Qual seria o problema das formulações do diretor da CNI? Em primeiro lugar, uma indisfarçável inconsistência lógica. Se os trabalhadores têm baixa produtividade porque têm má formação geral, por que a educação técnica-profissional preencheria a lacuna? Seriao caso de estimular a melhoria daquela formação, e não incentivar o ingresso na aprendizagem de processos de trabalho para os quais continuariam sem a formação necessária para a melhor produtividade. Ou seja, o argumento espera corrigir o erro com a perpetuação intensificada do erro, apagar o borrão com mais tinta.

Se o diretor incorre nessa inconsistência lógico-argumentativa, é porque ele não está a rigor preocupado com a baixa produtividade advinda da má formação geral do trabalhador, pois ele não tem nenhuma comunhão com o princípio universal de acesso igualitário ao conhecimento e à cultura. Ele assim trai seu interesse desde o princípio: precisa criticar a formação do trabalhador, e esta precisa permanecer precária, para poder direcioná-lo ao abandono definitivo da expectativa de formação humana plena, e ao sacrifício de suas potencialidades humanas em prol da acumulação do capital. A educação profissional é concebida como estratégia de recomposição da taxa de lucro da indústria, pelo adestramento necessário às divisões hiperfragmentadas e simplificadas do processo produtivo contemporâneo e perpetuação do exército excedente de força de trabalho. Só assim se pode compreender a metáfora dos edifícios, a naturalização da interdição social ao ensino superior ea confusão dos interesses do capital com os interesses da sociedade. Ora, se a educação profissional é o caminho para o desenvolvimento, parece de pouca inteligência que todos os que ainda mais pudessem fazer tantos cursinhos, mais pudessem acumular inúmeras profissões e agigantar sua produtividade insistam historicamente em não o fazer. Por que a classe média e os filhos da burguesia industrial, por exemplo, não seguem esta receita para o desenvolvimento? Aí está a segunda traição do diretor Lucchesi: se a educação da elite econômica e cultural não é profissional, mas ela assim o promove vivamente para a classe trabalhadora, é porque ela sabe que a educação, se é medida como fator de produção, não educa, mas serve para a acumulação do capital; é apenas o adestramento necessário para o capital e suficiente para o trabalhador.

A educação profissional não cumpre por definição um papel de adestradora para uma fase fragmentar da divisão social do trabalho. Ela pode ser meio precisamente do contrário, quando traz o grande potencial de conferir ao filho da classe trabalhadora uma compreensão dos princípios científicos, históricos e sociais do processo produtivo contemporâneo a partir do aprendizado das disciplinas e demais componentes curriculares da formação geral contextualizados na totalidade da vida social.

Educação ajuda indústria a sair da crise mais rápido do que se pensa, diz economista da CNI

Um trabalhador brasileiro produz, em média, um quarto do que produz um alemão, operando máquinas de mesmo padrão tecnológico.

A constatação, do economista Rafael Lucchesi, 48, diretor de Educação da CNI (Confederação Nacional da Indústria), mostra que devolver competitividade à indústria envolve mais esforços do que cortar impostos e aumentar o crédito para a compra de máquinas.

Para ele, é preciso modificar o sistema de ensino e abrir espaço para a formação profissional. Agenda que, na sua avaliação, se tornou tão relevante quanto os programas sociais nos últimos anos.

Folha - Economistas atribuem a crise da indústria à menor capacidade de concorrer com importados, resultado da perda de produtividade [medida de eficiência]. Quais são os motivos da baixa eficiência?

Rafael Lucchesi - O diagnóstico está correto. Vários fatores interferem na produtividade, mas o principal deles é o capital humano. Nossa baixa produtividade é resultado direto do padrão educacional do país. Sondagens feitas pela CNI com empresários mostram que grande parte dos problemas é resultado de deficiências [dos funcionários] em raciocínio abstrato, matemática e domínio de línguas.

Como isso se traduz em menor produtividade?

Em uma indústria que trabalha em três turnos, por exemplo, o trabalhador não sabe redigir um relatório de turno. Não sabe ler o manual de operações e não interpreta corretamente um gráfico.

Atualmente, com os processos digitais, se o trabalhador não tem capacidade de interpretação abstrata, ele tem problemas que vão se traduzir no seguinte: uma mesma máquina, com o mesmo padrão tecnológico, é muito mais bem operada por um coreano. 

Mariana Carneiro, Folha de São Paulo, 22/05/2013
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