Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Abertura do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia celebra saberes tradicionais e fortalecimento político

Evento, realizado de 20 a 24 de novembro, no Rio de Janeiro, reúne participantes de diversos países para debater o tema
Paulo Schueler - EPSJV/Fiocruz | 23/11/2023 09h45 - Atualizado em 23/11/2023 11h23

A Fundição Progresso e os Arcos da Lapa, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, foram ocupados pela potência criativa e compromisso político das mais de cinco mil pessoas que participaram da abertura do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), no dia 20 de novembro, Dia Nacional de Consciência Negra, sob o lema “Agroecologia na boca do povo”.

Entre a distribuição de alimentos para a população de rua da cidade, apresentações culturais como do Bloco da Terreirada e do Jongo de Pinheiral, místicas dos povos indígenas, além da presença maciça de representantes do governo federal, o público presente – vindo das 27 unidades da federação e de mais de 20 países da América Latina, África e Europa – celebrou o reencontro, após a edição de 2021 do evento ter sido cancelada por conta da pandemia, e a retomada de políticas públicas e o fortalecimento do tema da agroecologia. “Agroecologia e democracia se constroem mutuamente, sem o avanço da agroecologia, caminhamos para uma sociedade brutal. Não à toa no último governo vimos a fome e a desnutrição voltar a assolar o povo brasileiro, e a natureza ser devastada em um ritmo sem precedentes”, afirmou a presidente da entidade organizadora do Congresso, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fernanda Savicki de Almeida, que é pesquisadora da Fiocruz Ceará.

Em sua acolhida aos participantes, Savicki reafirmou que a escolha de realizar o evento na semana da Consciência Negra, no Rio de Janeiro, foi uma decisão política coerente com a construção do movimento de agroecologia no Brasil. “Estamos muito perto do maior porto de chegada de africanos sequestrados e escravizados do mundo. O soterramento do Cais do Valongo por mais de 100 anos é a tentativa de apagar o horror da escravidão. A luta contra a tentativa de apagamentos das lutas e dos saberes do povo é a luta da agroecologia. A ecologia de saberes reconhece o diálogo dos distintos saberes construídos nas universidades, centros de pesquisa e institutos federais bem como pelas comunidades tradicionais da floresta, dos campos e das cidades”, complementou.

‘Comida não pode ser mercadoria’

Após a acolhida, a conferência de abertura contou com as participações da presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elisabetta Recine; do representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Beto Palmeira; da liderança do Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM), território tradicional no interior do Complexo da Penha (Rio de Janeiro), Ana Santos; e da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Helena Theodoro.

“O CBA é a prova viva da interlocução entre as diferentes práticas e conhecimentos, vindos de territórios distintos, e de um enfrentamento profundo diante da crise climática e de uso do solo. Agroecologia é falar de como uma sociedade se organiza, dos direitos dos indivíduos. O sistema alimentar dominante está muito distante disso, empobreceu e desidratou isso, transformou nossa comida em mercadoria, produto concentrado nas mãos de pouquíssimas multinacionais”, ressaltou Elisabetta.

Ana Santos destacou que a agroecologia é o resgate de todas as nossas ancestralidades e que a agricultura urbana, na favela, ainda é invisibilizada nas grandes cidades como o Rio de Janeiro. “É preciso falar de território. As favelas do Brasil têm um verde, desconhecido, para além da Floresta da Tijuca. Falar de agroecologia é falar de reforma urbana, de luta pela terra, de melhores condições de vida para o povo das periferias”, defendeu ela.

“Para a agroecologia estar na boca do povo, a comida não pode ser mercadoria. Se água não pode ser mercadoria, se educação e saúde não podem ser mercadorias, como o alimento pode ser tratado como mercadoria? Agroecologia na boca do povo é desmercantilizar os alimentos. Em um país onde o desemprego é estrutural e parte das famílias não possuem renda, como pagarão por um prato de comida?”, provocou Palmeira.

Helena Theodoro contou que estava chegando do Quilombo dos Palmares, onde participou das comemorações dos 42 anos do Memorial Zumbi. Para ela, aquele território representa a luta de uma agroecologia que leva em consideração a ciência existente no povo brasileiro. “A ciência negra e a ciência indígena em diálogo com a ciência branca por estratégias de sobrevivência das comunidades. Eu, como pesquisadora da comunidade negra, afirmo que a perseguição aos quilombos não era porque os negros estavam fugindo das fazendas, mas sim porque eles estavam ocupando territórios. Palmares tem 15 mil quilômetros quadrados de terra, com um modelo de plantação. Enquanto o Brasil estava na monocultura, havia rodízio de culturas nas terras daquele quilombo”, rememorou  Theodoro.

Retomada do EcoForte e da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica

Após a conferência de abertura, representantes do governo federal e de órgãos públicos como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Fundação Banco do Brasil participaram de uma mesa de diálogo com o CBA, durante a qual foram anunciadas as retomadas do Programa de Fortalecimento das Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica (EcoForte) e da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo).

Dentre os componentes da mesa, estavam o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Paulo Teixeira; e o titular da Secretaria Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo. O assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Valcler Rangel, representou a pasta. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi representada pelo vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), Hermano Castro.

O EcoForte é uma parceria entre o BNDES, representado no ato por Tereza Campello; e a Fundação Banco do Brasil, representada por Cleiton Moraes. A iniciativa, criada inicialmente em 2013 e descontinuada no governo Temer, incentiva a produção sustentável de alimentos saudáveis. O acordo foi assinado também pelos ministros Paulo Teixeira e Márcio Macêdo.

O programa visa o fortalecimento da agroecologia e da produção orgânica, em respeito aos princípios de sustentabilidade e responsabilidade socioambiental, e busca reduzir as desigualdades e o combate não apenas à fome, como também à desnutrição, através da produção e oferta de alimentação saudável.
Já a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) é composta por 44 representantes de governo federal e sociedade civil, incluindo a Fiocruz. O colegiado atuará como órgão consultivo e deliberativo, com o propósito de promover a integração de políticas e ações em prol da agroecologia e da produção orgânica no Brasil.

O ministro Paulo Teixeira anunciou que, em março de 2024, será lançada a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e lembrou que já foi lançado um programa de florestas produtivas, de produtos como açaí, cacau e cupuaçu, para restauração das matas e geração de renda.  “O tema dos agrotóxicos é o próximo tema de nossa agenda. Estamos vivendo uma revolução,  de fazer a transição de uma agricultura de base química para uma de base biológica. Estamos buscando e propagando esses saberes. Por isso, este 12° Congresso Brasileiro de Agroecologia marca um caminho sem volta. Precisamos de uma mudança na agricultura. Precisamos do Ministério de Ciência e Tecnologia, da Finep e da Embrapa presentes nesse desafio, para que possamos ajudar a saúde do nosso povo, que precisa comer um alimento saudável. Fazer uma mudança agroecológica. O meio ambiente está reclamando forte, precisamos nos preparar para uma transição da agricultura por isso temos que ter outra cultura, orgânica. Estamos retomando o apoio às iniciativas de promoção da transição agroecológica, dos sistemas agroalimentares sustentáveis e o fortalecimento de redes de produção orgânica, ”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.  

Márcio Macêdo ressaltou que o Congresso Brasileiro de Agroecologia consolidou-se como uma referência acadêmica e política sobre o tema na América Latina. “O presidente Lula pediu que déssemos posse ao Conselho [Cnapo] aqui no Congresso, prestando conta ao Brasil inteiro, aos agroecologistas que sofreram ao longo dos últimos seis anos. Estou feliz de estar aqui porque sou biólogo de formação e fiz mestrado em Meio Ambiente. E quando eu estudei, no início da década de 1990, existia um falso debate entre produção agrícola e preservação ambiental. A agroecologia, na minha opinião, faz a síntese entre as duas coisas, produzindo comida saudável para a mesa dos brasileiros. Por isso, a retomada do Conselho e do EcoForte, dentre outras iniciativas”, destacou o secretário geral da Presidência da República.