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América Latina avança em políticas de educação em prisões

Programas de cooperação internacional, como  Eurosocial e RedLece,  potencializam elaboração de políticas públicas nos países.
Leila Leal - EPSJV/Fiocruz | 01/07/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Programas de cooperação internacional, como  Eurosocial e RedLece,  potencializam elaboração de políticas públicas nos países.



 



A cooperação internacional, sobretudo entre países da Europa e América Latina, tem prestado contribuições decisivas para a garantia do direito dos presos à educação em diferentes países. A avaliação foi consensual entre os participantes do painel que tratou do tema no Seminário Internacional sobre Educação em Prisões: convergências e perspectivas, realizado em Brasília entre os dias 7 e 10 de junho. Nesta segunda matéria da série especial sobre a educação em prisões, apresentamos algumas das experiências desenvolvidas na área de cooperação internacional e as políticas para a educação para pessoas privadas de liberdade implementadas em alguns dos países participantes do Seminário.



 



O Programa Eurosocial foi apontado no evento como uma das mais importantes experiências para a garantia de educação em prisões. Iniciativa da Comissão Europeia, instituição vinculada à União Europeia e responsável por executar as decisões do Parlamento Europeu, o Programa foi implementado até março deste ano. Com o objetivo de promover troca de experiências entre representantes do poder público da América Latina em áreas como justiça, educação, emprego e saúde, o Eurosocial construiu um subprograma específico para a educação composto por seis temas: acesso e permanência na escola primária em meio rural; acesso à escola primária das populações das zonas desfavorecidas das grandes metrópoles; melhoria do ensino técnico e profissional; gestão dos estabelecimentos escolares em contexto de violência (prevenção, atenção e resolução pacífica dos conflitos); jovens excluídos do sistema educativo: dispositivos socioeducativos de inserção profissional;  e educação nas prisões.



 



Marie-Noëlle Rodriguez, coordenadora para América Latina na área de educação em prisões do Centro Internacional de Estudos Pedagógicos, órgão do Ministério da Educação Nacional da França, que impulsionou o Eurosocial, conta que a inclusão do tema foi resultado da demanda apresentada pelos próprios países latino-americanos: “Não havia temas pré-definidos para o Eurosocial Educação, e a inclusão do item de educação em prisões foi impulsionada pela demanda de vários países, entre eles o Brasil, que queriam discutir e formular políticas para o assunto”.



 



Um dos resultados concretos do Eurosocial foi a criação, em 2006, da RedLece (Red Latinoamericana de Educación em Contextos de Encierro). Formada a partir de um convênio assinado por representações de 11 países do continente, a rede articula a troca de experiências, a construção de conhecimento e a elaboração de políticas públicas para a educação em prisões. Uma de suas produções mais recentes é a publicação do Mapa Regional de Educação em Contextos de Privação da Liberdade na América Latina, divulgado em seu portal, que apresenta uma análise aprofundada da situação da educação em prisões em diferentes países, levando em consideração indicadores sociais e econômicos locais. São membros da RedLece hoje Argentina, Brasil, Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras e Paraguai, representados por seus respectivos ministérios da educação; Colômbia e Peru, representados por seus institutos nacionais penitenciários; o México, representado por sua Secretaria de Educação Pública; e o Uruguai, através da Administração Nacional de Educação Pública do país.



 



Outra conquista salientada durante o evento foi a aprovação, através da mobilização conjunta do Eurosocial e da RedLece, de uma resolução que reconhece a defesa do direito à educação de jovens e adultos nos contextos de prisão na VI Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos, realizada no Pará em dezembro de 2009.



 



Panorama latino-americano: ações na Argentina e Paraguai



 



A experiência argentina foi apresentada no Seminário Internacional por Stella Maris Pallini, coordenadora da modalidade de educação em prisões do Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia do país. Ela contou que a educação em prisões começou a ser discutida de forma sistematizada no início dos anos 2000, como uma linha da modalidade de educação de jovens e adultos. A coordenadora explicou que, até 2003, o objetivo maior foi dar visibilidade ao tema, explicitando os problemas da educação em prisões através da produção de um documento nacional sobre o tema. A partir de 2003, desenvolveu-se o Programa Nacional de Educação em Contextos de Encerro, que discutia a situação da educação nas prisões, nos institutos de internação para adolescentes infratores e nos centros de recuperação de adictos. “O objetivo passou a ser inserir a temática nas agendas políticas dos ministérios, para abordá-la a partir da intersetorialidade”, explicou.



 



Em 2006, a nova lei nacional da educação na Argentina foi promulgada, contendo um artigo específico sobre a educação para pessoas privadas de liberdade. “A lei apresenta oito modalidades da educação do país, e conseguimos que a educação para privados de liberdade fosse incluída como uma delas, atravessando todo o nosso sistema educacional. A partir de 2007, nosso objetivo passou a ser garantir a implementação objetiva dessa modalidade, etapa em que estamos atualmente”, disse Stella, que destacou como prioridade deste momento a garantia de oferta de educação de qualidade (alfabetização, primária e secundária, que são obrigatórias no país) em todas as prisões e institutos de internação de adolescentes.



 



Outro elemento destacado foi a formação de professores, que está sendo discutida a partir da elaboração de programas de pós-graduação para docentes na área de educação em contextos de privação de liberdade. “Em agosto promoveremos um fórum com 25 institutos de formação de professores, para capacitar os docentes que atuarão nessa formação específica”, adiantou. Como prioridade, a representante argentina  também apontou a promoção da segunda edição do Projeto Bibliotecas Abertas, uma iniciativa desenvolvida em parceria com o Programa Eurosocial que em sua primeira etapa construiu 50 bibliotecas em prisões de 22 províncias  do país. “O objetivo, agora, é garantir bibliotecas em todas as prisões e institutos de internação da Argentina”, destacou. O desenvolvimento da educação artística e integrada ao trabalho também aparece como meta do próximo período e, segundo Stella, sob a perspectiva da ampliação da intersetorialidade, através da atuação conjunta com os ministérios do Desenvolvimento Social, da Justiça, do Trabalho e dentro do próprio Ministério da Educação, que deve garantir que todas as modalidades e programas oferecidos fora das prisões sejam também ofertadas para os alunos privados de liberdade. 

 

O painel sobre cooperação internacional do Seminário contou também com a exposição da experiência desenvolvida no Paraguai. Andrea Barros, Coordenadora Nacional de Educação em Prisões do país, explicou que as ações são desenvolvidas conjuntamente pelos ministérios da Educação e da Justiça, que promovem o Programa Educação em Contextos de Encerro. Pautado pela perspectiva da formação integral dos internos, o Programa atende atualmente 30% da população carcerária do Paraguai, com oferta de educação básica bilíngue ou de nível médio. “Temos hoje 6.180 pessoas presas no Paraguai, e 1.816 tem acesso à educação. São 593 cursando a educação de nível médio e 1.223 no nível básico”, disse Andrea. Para garantir a formação integral, as ações também incorporam outros ministérios, por exemplo, para a produção de materiais sobre saúde (com orientações sobre uso de drogas e outros temas), psicologia e trabalho, que são utilizados nas prisões.



 



Há, também, convênios  com universidades para a formação de professores que atuarão em educação nas prisões e para incentivar a produção de conhecimento na área. Segundo Andrea, a publicação da ‘Revista de Educação em Contextos de Encerro’ é fruto desse processo. “Além disso, temos atuação direta de estudantes universitários nas prisões. Firmamos um convênio com o Instituto de Belas Artes, através do qual os estudantes desenvolvem ações de educação artística nos estabelecimentos penitenciários”, disse. Outra preocupação é com a educação profissional. Dos 18 centros educativos instituídos em prisões paraguaias, segundo ela, dez contam com o Prolabor, um programa de formação profissional com certificação para os alunos privados de liberdade, que faz parte das ações de reinserção dos presos na sociedade.  



 



A série sobre educação em prisões continua na próxima semana, com uma reportagem sobre a articulação entre educação e trabalho nas prisões. Acompanhe!



 



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