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Brasil gasta menos com saúde pública do que outros países da América Latina

Estudo do Ipea reflete sobre as contradições da saúde brasileira e defende fonte estável e progressiva de financiamento para o SUS.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 17/04/2009 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


No Brasil, a proporção do gasto público, em relação ao gasto total em saúde, é de 45,3%. O número é inferior aos 54,4% observados na América Latina e bem abaixo do investimento dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cuja média é de 68,2%. Esses e outros dados sobre o financiamento da saúde brasileira, colocados em perspectiva internacional, foram levantados pelo estudo ‘A Constituição de um modelo de atenção à saúde universal: uma promessa não cumprida pelo SUS’, recentemente divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A pesquisa reflete sobre algumas das razões pelas quais o projeto de sistema universal engendrado pelo movimento da Reforma Sanitária não se completou. E conclui: uma fonte estável e progressiva de financiamento para o Sistema Único de Saúde é essencial para que haja avanços.



Segundo o estudo, o subfinanciamento da saúde pública brasileira teria três principais explicações. A primeira seria a dupla cobertura, que nada mais é do que a co-existência dos sistemas público e privado. Esse seria um fator essencial na reprodução das desigualdades sociais e no aprofundamento das iniquidades de acesso: “Os subsistemas público e privado passam a concorrer paralelamente, isto é, o subsistema privado funciona sem sinergia com o SUS”, uma vez que “o subsídio do governo que patrocina o consumo dos planos de saúde privou o Sistema Único de recursos financeiros que poderiam ser utilizados para ampliar a cobertura e incrementar a qualidade”. 



Em segundo lugar, continua o texto, “O Estado não induziu a democratização das instituições que regulamentam os médicos liberais e os prestadores de hospitais privados, tampouco a reforma sanitária brasileira pode adotar uma postura mais publicista em relação a esse setor privado”.



Mas que postura seria essa? De acordo com o texto, a construção de consenso sobre qual deveria ser o real papel da saúde complementar no panorama brasileiro seria um passo  na definição de uma agenda que apontasse reformas na regulamentação das atividades das empresas do setor, que deveriam servir ao interesse público e se articular com o regime de concessão de serviços públicos, “mudando democraticamente as normas que designam a assistência à saúde como livre à iniciativa privada”.



As isenções fiscais dispensadas aos planos de saúde privados baseadas no modelo liberal dos Estados Unidos seriam o terceiro motivo: “Assim como lá, tais planos fazem lobby no Congresso Nacional sobre questões-chave da assistência à saúde, evitando a ampla negociação entre as partes interessadas, para fortalecer o sistema público”, diz a pesquisa, completando: “Criticamos a renúncia da arrecadação fiscal sem o exame prévio da eficiência e equidade de sua aplicação sobre o acesso ao sistema”. 



Essa tendência brasileira à ‘americanização’ de seu sistema pode ser confirmada, de acordo com o estudo, pelos baixos níveis proporcionais de investimento público apresentados pelos dois países: se o Brasil investe 45,3%, os Estados Unidos gastam relativamente ainda menos (44,6%). Nesse sentido, a pesquisa se posiciona contra a cópia do modelo neoliberal e diz que "parece sem sentido que o Brasil importe modelos pró-mercado, como o modelo americano, uma vez que o setor privado aumentaria, enquanto o gasto público em saúde seria reduzido pelas políticas de privatização e de renúncia fiscal".



O Brasil em relação aos outros países



A análise comparativa entre os países, diz o estudo, não pretendeu seguir a linha de receituário de boas práticas que podem ser migradas de uma nação para outra sem levar em conta suas especificidades e disparidades socioeconômicas. A comparação, antes de mais nada, serviria como amostragem de evidências para a ampliação dos recursos do SUS.



O Brasil gasta 7,6% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com saúde. O valor, embora seja maior do que a média dos países latino-americanos, excetuando-se a Argentina, é bem mais baixo do que os países da OCDE. No entanto, no que se refere aos gastos per capita, o Brasil gasta menos com saúde (US$ 597) do a média da América Latina (US$ 622). A média de gastos dos países membros da OCDE é muito superior, ficando em US$ 3.145.



O estudo aponta que a proporção de médicos no Brasil (2,1 por mil habitantes) é bastante próxima à média da OCDE (2,6) e maior que a dos países latino-americanos (1,8). Já a quantidade de enfermeiros (0,5 por mil habitantes) é inferior ao número da América Latina (0,9) e cerca de 20 vezes menor que nos países da Organização (10,1). Já quando o assunto é a quantidade de leitos, o país, com 2,6 para cada mil habitantes, volta a ter uma performance melhor que a dos latinos (1,9) e pior que da OCDE (4,8).



Quando comparado a todos os países, o Brasil divide com o México o posto de campeão da mortalidade infantil (23 de cada mil bebês nascidos vivos não chegam a completar um ano de idade em ambos os países). Para se ter uma ideia, na Argentina o número cai para 16 e no Chile para oito. O estudo assinala ainda que a Estratégia Saúde da Família (ESF) tem contribuído para a queda da mortalidade infantil brasileira. 



Conclusões



O estudo defende que o Ministério da Saúde e os governos estaduais e municipais desempenhem um papel intervencionista para aumentar o impacto do gasto público na qualidade da atenção médica. Também acha importante “incentivar o mercado a considerar a saúde como questão de interesse público, fortalecendo o papel institucional da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”.



Constata ainda ser necessário que o SUS comece, paulatinamente, “a prestar serviços de saúde tanto para trabalhadores fabris, quanto para assalariados e funcionários públicos que, em maior ou menor extensão, têm voz, voto, mídia e dinheiro, tornando sua defesa ainda mais influente no Congresso Nacional”.



Sobre o fantasma das reformas fiscais que reduziriam ainda mais o orçamento da seguridade social, o estudo conclui que a tendência deveria ser a oposta: “A criação de nova fonte financeira estável e progressiva para o setor da saúde tornaria a promessa da Constituição do sistema universal uma realidade mais próxima dos trabalhadores e cidadãos brasileiros”.