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Certificação profissional

Rede criada por MEC e Ministério do Trabalho financia instituições que vão certificar trabalhadores sem conhecimentos formais.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 14/05/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Terminou no último dia dois de maio o prazo para instituições de ensino se candidatarem a fazer parte da Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada – a Rede Certific, proposta pelo Ministério da Educação (MEC) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A intenção da Rede Certific é que instituições avaliem e concedam certificado de conhecimentos adquiridos pelos trabalhadores ao longo de suas trajetórias sem que tenham necessariamente participado de processos de educação formal. Além disso, pela proposta, os trabalhadores que não tiverem uma avaliação satisfatória podem complementar seus conhecimentos por meio de cursos de capacitação, inclusive, de aumento de escolaridade, em parceria com iniciativas como o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja).



Os Institutos Federais de Educação Profissional e Tecnológica são prioritários como participantes do programa. Entretanto, de acordo com o MEC, outras escolas públicas e inclusive instituições privadas também podem participar, desde que não cobrem pela oferta da certificação. O MEC ainda não fechou o balanço de quantas instituições se inscreveram para participar da rede.



Segundo o diretor de formulação de políticas da educação profissional da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec-MEC), Luiz Augusto Caldas, o MEC irá apoiar a estruturação das escolas que se dispuserem a participar da Certific. “Primeiro, as instituições devem estar dispostas a oferecer o programa de certificação profissional. E isso implica uma organização da escola para oferecer os programas da Rede. Por exemplo, montar um centro de certificação e eleger os professores que irão participar”, explica.



Para Sebastião Neto, coordenador técnico do IIEP – Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas, um problema da Rede Certific é não ser uma política normativa, no sentido de designar quais instituições devem oferecer obrigatoriamente a certificação. “Cria-se uma rede e a escola adere se quiser, isso não é um programa, não se cria um sistema dessa maneira”, critica.



A Rede foi criada pela portaria interministerial nº 1087, de 20 de novembro de 2009. De acordo com o MEC, a princípio, trabalhadores de cinco áreas de atuação podem se inscrever para certificação - construção civil, produção cultural, turismo e hospitalidade, pesca e eletroeletrônica. Luiz Caldas afirma, entretanto, que a proposta é que a certificação seja estendida para outras áreas, inclusive a da saúde. “A saúde não entrou a princípio, mas está no espaço daquilo que queremos que aconteça. Quando falamos numa área como a saúde, temos que observar singularidades que são muito marcantes”, destaca.



Certificação e formação



Para a professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Marise Ramos, reconhecer e validar socialmente os conhecimentos tácitos do trabalhador é importante, já que ele tem dificuldades de ser reconhecido como profissional de determinada área por não ter um curso formal. Entretanto, a certificação não pode ser substitutiva da formação.“O reconhecimento dos saberes tácitos é relevante e é um direito conquistado, mas isso não pode ser justificativa para se negar a necessidade, a pertinência e o direito de o trabalhador realizar uma formação de qualidade, também formal. E num país como o nosso isso se torna particularmente grave porque a maioria da classe trabalhadora não teve nem uma educação básica completa e nem uma formação profissional de qualidade. Então, o problema não está na certificação profissional, mas na finalidade que ela pode vir a ter num contexto de privação de direitos que caracteriza a realidade brasileira no que se refere à classe trabalhadora”, alerta.



Na Rede Certific, de acordo com Luiz Caldas, a certificação é equivalente, mas não tem a pretensão de substituir a formação. “O trabalhador é incentivado e estimulado a buscar a formação”, garante. Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério do Trabalho e Emprego, que implementa outras iniciativas de certificação profissional, adestacou que a Rede Certific inova por incluir na proposta a formação dos trabalhadores. “A Rede Certific é uma das portas de acesso ao trabalhador à certificação e à formação, mas não é a única. O seu maior diferencial é que integra à política de Qualificação profissional ações concretas de elevação da escolaridade, o que é extremamente positivo para o usuário da Rede”, respondeu.



Funciona assim: um trabalhador empregado em um hotel, por exemplo, que nunca realizou um curso na área, pode se candidatar a um exame de certificação de saberes em uma instituição credenciada à Rede Certific. Este trabalhador será submetido a uma avaliação para verificar se o conhecimento dele é suficiente para que a escola emita um certificado. Se ele não demonstrar que está apto, a instituição deve encaminhar este candidato para uma formação, inclusive, no Proeja. “O que a Rede Certific traz de diferente é esse vínculo entre a formação e a certificação. Ela não reproduz exatamente aquilo que até agora era a forma mais tradicional de se fazer certificação. Nas propostas que estão aí, se o candidato não demonstra as condições para obter a certificação, dizem: ‘nos procure outra hora’ ou ‘vai estudar’, mas não há nenhum encaminhamento àquilo que ele depende em termos de formação ou escolarização. O que queremos com a rede é de alguma forma provocar um debate sobre um novo conceito de certificação”, diz Luiz Caldas.



Para Sebastião Neto, no entanto, ainda não ficou claro como será este estímulo à formação. “Como será a orientação para esses trabalhadores? Com que recursos? Nós batalhamos a vida inteira com um programa que dialogasse com a vida das pessoas. Existem 60 milhões de pessoas que não têm Ensino Médio no país. Então falta dialogar mais com a realidade escolar. O trabalhador sabe tal coisa, mas não sabe matemática, por exemplo. Da forma como o MEC está fazendo, está mais perto do mundo do trabalho do que da educação”, questiona.



Marise Ramos destaca que já se discutiu e se combateu muito uma visão mecanicista e compensatória da certificação. “Que os processos avaliativos da certificação possam ser utilizados também para encaminhar o trabalhador para a formação. Uma questão importante para que a certificação não seja reduzida à substituição do direito à educação básica e profissional é justamente articulá-la ao processo formal de formação: que haja orientação, encaminhamento e oferta”, propõe.



Para Marise, o que não se pode perder de vista na discussão sobre certificação profissional é a  importância do conhecimento formal. Ressalta que o reconhecimento dos saberes não formais não pode significar um desprezo ao saber formal e científico e nem uma equivalência entre estes saberes formais e os decorrentes das experiências dos trabalhadores. “Por mais que o trabalhador seja competente no uso dos saberes advindos da experiência, o trabalhador tem direito de acesso ao conhecimento sistematizado, formal e científico, quanto a uma formação de qualidade. E a possibilidade de desenvolvimento intelectual e profissional deste trabalhador depende do acesso a estes saberes”, aponta.



Ela completa dizendo que na atualidade existe a ideia equivocada de que o saber científico e escolar não tem tanta importância. E pontua que essa concepção tem uma vertente política e epistemológica. “Política porque acaba negando o acesso da classe trabalhadora ao saber sistematizado e o mantém circunscrito à classe dominante. E epistemológica porque, por essa visão, como todos os saberes são válidos, tanto faz ele ter feito o curso superior ou aprendido na prática”, afirma. E completa: “Hoje, tende a haver uma hegemonia do pragmatismo e isso tem consequências políticas, porque a classe dominante vai continuar pleiteando o acesso à universidade, à pós-graduação e assim por diante”.



Orçamento



Segundo o MEC, as instituições da Rede Certific receberão R$ 200 mil para cada programa de certificação que oferecerem, com o limite de quatro programas por instituição, cada um com cerca de 30 alunos. Por exemplo, se a escola se dispuser a certificar em turismo e hospedagem, construção civil, eletrotécnica e produção cultural, receberá R$ 800 mil com o objetivo de adequar o espaço físico. Os outros gastos decorrentes do processo de certificação e formação desses trabalhadores caberão à própria escola arcar. Não está prevista, por exemplo, remuneração dos professores. “Isso está no escopo de atuação das instituições. Você pode por exemplo, até pagar para que o professor se aperfeiçoe, para a melhoria da qualificação para o exercício desse trabalho, mas ele não recebe por isso”, esclarece Luiz Caldas.



Ele conta que há ainda um outro edital para prover R$ 500 mil às instituições que oferecerão a qualificação na área da pesca. Segundo ele, foi feita esta distinção com relação à pesca por ser uma área menos estruturada.



Inscrições



De acordo com o documento ’Orientações para implementação da Rede Certific’, divulgado pelo MEC, as instituições que participarem da Rede devem fazer um esforço para atender toda a demanda por certificação. “O principal requisito a ser considerado para a inscrição é que o trabalhador atue ou já tenha atuado na área em que solicita a certificação e/ou formação profissional. Para isso, é necessário que a instituição ofertante de um programa Certific defina o período de inscrição, evitando limitar o número de vagas e nível de escolaridade, tendo em vista o atendimento da demanda inscrita e as condições específicas dos trabalhadores”, diz o documento.



Luiz Caldas explica que a sugestão do Ministério é para que as instituições ofereçam a certificação em regime de fluxo contínuo – ou seja, a qualquer momento novas candidatos podem se inscrever para o processo. Entretanto, informa que esta decisão caberá às instituições.