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Cursos de saúde em EaD crescem à revelia do controle social do SUS

Ministério da Educação autoriza milhares de vagas em graduações na área da saúde na modalidade de ensino a distância, na contramão das recomendações do Conselho Nacional de Saúde
Portal EPSJV/Fiocruz - EPSJV/Fiocruz | 31/08/2018 12h10 - Atualizado em 01/07/2022 09h44
CNS repudia crescimento de cursos de graduação a distância e defende a formação exclusivamente presencial em saúde Foto: Pixabay

Em desacordo com resoluções e recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Ministério da Educação (MEC) tem ampliado a oferta de cursos de graduação na área de saúde na modalidade de Ensino a Distância (EaD). Segundo levantamento realizado pela Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho (CIRHRT) do CNS, até junho deste ano o número de vagas autorizadas pelo MEC em EaD para a saúde somava cerca de 690 mil. Isso significa que, em todo país, há 244 turmas em EaD de Biomedicina, Medicina Veterinária, Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Biologia, Terapia Ocupacional, Educação Física, Nutrição ou Serviço Social. Segundo o CNS, somente no período de um ano (2017- 2018) foram criadas 8.811 vagas em cursos de saúde a distância, o que significou uma ampliação de 113% em relação ao período anterior.  O conselho argumento que o aumento é consequência da publicação do Decreto 9.057, de 25 de maio de 2017, que permitiu o credenciamento de instituições de educação superior exclusivamente para oferta de cursos de graduação na modalidade a distância, sem prever um tratamento diferenciado para a área da saúde. “Ocorre hoje no país um crescimento exponencial e desordenado da graduação a distância na área da saúde, e os diagnósticos situacionais revelam um quadro incompatível para o adequado exercício profissional”, destacou nota pública contra a graduação a distância na área, que tem o apoio do CNS, assinada por diversas associações, entidades profissionais e federações de ensino, entre elas as associações brasileiras de Ensino em Fisioterapia (Abenfisio), de Educação em Nutrição (Abenut), de Educação Farmacêutica (ABEF), de Educação Médica (Abem), de Enfermagem (ABEn) e de Ensino de Psicologia (ABEP). “Como se não bastasse a abertura indiscriminada de cursos presenciais, temos agora que lidar com o crescimento dos cursos a distância na área da saúde à revelia do Conselho Nacional de Saúde”, queixou-se a conselheira nacional de saúde Francisca Rêgo, representante da Abenfisio. Ao Portal EPSJV, ela realçou a importância da vivência entre profissionais e pacientes quando se trata de formação na área da saúde. “É inadmissível ter cursos de saúde sem prática. Na saúde, é imprescindível o contato presencial”, sentenciou.

O CNS vem se posicionando contra a autorização de todo e qualquer curso de graduação em saúde a distância há mais de dois anos. Em 2016, por meio da Resolução nº 515, a entidade reconheceu que os cursos em EaD traziam grandes prejuízos à qualidade da formação dos profissionais da saúde. O órgão tem realizado várias reuniões para debater o tema, chamando conselhos de classe da área da saúde, gestores da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (Inep/MEC), bem como representantes da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), e em todos os momentos os cursos em EaD foram bastante criticados. A mais recente reunião nesse sentido aconteceu no dia 16 de agosto, quando os conselheiros nacionais de saúde apresentaram ao MEC algumas demandas, realçando a determinação constitucional quanto à formação em saúde, ou seja, o artigo 200 da Constituição de 1988. Segundo a norma, compete ao SUS ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde. Além disso, lembrou o CNS, a Lei nº 8.080/1990, que regulamenta o SUS, dá à Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho do CNS o papel de articular recursos humanos na saúde. “Mas a lei não tem sido levada em consideração. O MEC não tem valorizado nosso espaço, deixando uma grande lacuna”, denunciou Francisca. Em sua avaliação, a formação em saúde carece de mais respeito. “Observamos, hoje, um quantitativo importante de escolas que desrespeitam completamente a necessidade de inserir o aluno desde cedo nas vivências clínicas, nos territórios, entendendo, por exemplo, como a doença se instala. E o MEC não dá conta de fiscalizar essas escolas”, acrescentou.
 

Prerrogativa constitucional

O CNS requereu, especialmente, que as diretrizes curriculares nacionais (DCN) nas graduações em saúde atendam a prerrogativa constitucional que o SUS possui em ordenar a formação dos trabalhadores da saúde. No ofício entregue ao MEC, a entidade citou, entre várias recomendações do pleno do Conselho, a Resolução 350, de 9 de junho de 2005, por meio da qual é afirmado o entendimento de que a homologação da abertura de cursos na área da saúde pelo Ministério da Educação somente seja possível com a não objeção do Ministério da Saúde e do CNS. Por escrito, a entidade reiterou “que a emissão de critérios técnicos educacionais e sanitários relativos à abertura e reconhecimento de novos cursos para a área da saúde deve levar em conta a regulação pelo Estado, a necessidade de democratizar a educação superior, de formar profissionais com perfil, número e distribuição adequados ao SUS e de estabelecer projetos políticos-pedagógicos compatíveis com a proposta das DCNs”.

Ao MEC, foi demandado ainda o restabelecimento dos processos de autorização dos cursos de medicina no âmbito do Programa Mais Médicos, que foram retirados do Conselho em 2017, por meio da Portaria Normativa nº 7.  Além disso, foi solicitado que o Conselho Nacional de Educação (CNE) oficialize a representação do CNS nas comissões que analisam as graduações em saúde no Brasil. “O Conselho Nacional de Saúde quer uma agenda permanente de diálogo com o CNE e o MEC, pois entendemos essa demanda como uma ferramenta que nos une em prol do SUS e da educação pública com qualidade”, explicou Francisca, exaltando nesse sentido: “Nós iremos resistir até o último minuto em defesa do ensino presencial na área da saúde”.

Francisca contou ao Portal EPSJV que o atual ministro da educação, Rossieli Soares, que havia confirmado presença ao encontro com os conselheiros de saúde, não compareceu sob a justificativa de ter sido convocado para uma reunião de urgência com a Presidência da República. “Nós fomos recebidos pelo secretário do Ensino Superior do MEC, Paulo Barone, e outros representantes do MEC e do CNE. Eles foram bastante sensíveis às nossas demandas, que foram, por sua vez, encaminhadas ao ministro da saúde”, informou a conselheira nacional de saúde, que espera agora que o MEC olhe com cuidado todo o documento, que ao fim traz as nove demandas do CNS. O tema será pauta da próxima reunião ordinária do CNS, agendada para os dias 12 e 13 de setembro.

Vale citar que o Portal EPSJV procurou por e-mail e telefone os ministérios da Saúde e da Educação, buscando saber como tem se dado a relação entre as pastas no que tange à ordenação da formação de recursos humanos na área da saúde e de que forma as demandas apresentadas pelo CNS serão encaminhadas pelo MEC, mas eles não responderam até a data de fechamento da matéria.

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