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Desafios da Reforma Psiquiátrica

Há mais de 10 anos, o Brasil busca mudar a percepção sobre os direitos e o tratamento dos pacientes psiquiátricos. Daqui para frente, quais são os desafios?
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 25/05/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

O processo de implementação da reforma psiquiátrica não avança sem que os trabalhadores entendam os novos conceitos de saúde mental que começam a ganhar corpo sobretudo a partir da década de 1980, e trabalhem no sentido de concretizá-los. Esses trabalhadores são os médicos, psicólogos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde e até mesmo profissionais que não são da área da saúde, mas lidam diretamente com os pacientes psiquiátricos, como os profissionais do setor administrativo de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), por exemplo. Essa é a opinião dos professores-pesquisadores da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Maria Cecília Carvalho e Marco Aurélio Soares. "Temos um desafio específico de formar profissionais numa nova lógica não só do atendimento na atenção primária, mas da Reforma Psiquiátrica como um todo, numa lógica não manicomial. E esse é um desafio não só para a formação de médicos como também de profissionais de nível médio", afirma Maria Cecília.

A lei 10.216/2001 determina que os pacientes psiquiátricos não devem mais ser internados em manicômios, mas sim atendidos por outras instituições como os Caps, ambulatórios e, em casos de necessidade clínica - como uma intervenção cirúrgica -, pelos hospitais gerais. O coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde Roberto Tykanori afirma que o atendimento nos hospitais gerais ainda é bastante precário, em parte por problemas na formação dos profissionais de saúde que muitas vezes não sabem como atender os pacientes psiquiátricos. "Há pouco preparo nos profissionais das áreas de emergência dos hospitais. Essa é uma das áreas estratégicas em que o Ministério quer investir este ano para qualificar essas emergências para o atendimento de pessoas com transtornos mentais. É preciso dar ferramentas, instrumental teórico e prático para que eles saibam como abordar", diz. Tykanori observa também que a mesma percepção preconceituosa que a sociedade muitas vezes tem sobre as pessoas com transtornos mentais, os profissionais de saúde também têm, o que constitui outro desafio. "A falta de ferramentas e de conhecimento técnico também alimentam a discriminação. Quando a pessoa se sente mais segura, ela atende melhor", comenta.

Tykanori acredita que a formação para a saúde mental não pode ser pensada apenas para os psiquiatras. "Precisamos superar o gargalo de encarar a assistência em saúde mental como uma questão do especialista psiquiátrico. A formação de psiquiatras é lenta e rara, hoje existe um déficit muito grande de psiquiatras. Mesmo duplicando o número desses profissionais não haveria hoje condições de dar cobertura à população toda, então é necessário buscar alternativas na formação de médicos integrados à atenção primária de maneira que essa formação seja próxima à saúde mental", detalha. Além disso, o coordenador acrescenta que a formação dos psiquiatras ainda é bem distante da reforma psiquiátrica, já que é muito direcionada ao modelo privado de atendimento.

Profissionais técnicos

A EPSJV oferece dois cursos nessa área: um de especialização técnica de nível médio em Saúde Mental e outro de atualização profissional em atenção ao uso prejudicial de álcool e outras drogas. Maria Cecília, que é uma das coordenadoras do primeiro curso, reforça a importância de se formar profissionais de nível médio, já que essa qualificação ainda é pouco efetiva. "Nos Caps os profissionais de nível superior circulam mais; no entanto nos hospitais,  os pacientes são atendidos por profissionais de nível superior pela manhã e por técnicos à tarde e à noite. Quando o paciente angustiado com seu delírio não estiver conseguindo dormir à noite, sobretudo nos hospitais, quem estará lá acordado com ele provavelmente será o técnico de enfermagem. É o técnico de enfermagem que vai ou não dar remédios num primeiro contato, ou que vai se sentar ao lado do paciente e tomar um café com ele. Então, a formação é para isso também, para discutir como o trabalhador se comporta frente uma pessoa que está em sofrimento", explica. "Chegamos a ter como alunos pessoas que trabalhavam na administração de um Caps, mas trabalhavam na recepção de pacientes e tinham muitas atividades de cuidado, tinham contato o tempo todo", relata Marco Aurélio.