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Em disputa, os rumos da educação pública

Plenária final aprovou plano de lutas e manifesto da conferência, que devem ser divulgados em cerca de 30 dias, segundo o FNPE. Para organização, conferência deve mobilizar setores progressistas contra retrocessos na educação pública. Para críticos, conferência ficou marcada pela ausência de uma reflexão crítica do legado do PT para a educação
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 28/05/2018 18h38 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Terminou no sábado (26) a 1ª Conferência Nacional Popular de Educação, a Conape, na cidade de Belo Horizonte. Organizada por movimentos, sindicatos e organizações da sociedade civil ligadas à educação, a conferência, que teve início na quinta-feira (24/05) reuniu cerca de 2,5 mil pessoas na capital mineira para discutir o Plano Nacional de Educação (PNE) na esteira da implementação, pelo governo de Michel Temer, de medidas que ameaçam a educação pública, como a Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos do governo com educação e saúde por 20 anos, a reforma do ensino médio e a implantação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O objetivo da Conape, segundo a organização, foi construir uma agenda comum de lutas para fazer resistência às medidas.

Heleno Araújo, coordenador do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que reúne 35 entidades e movimentos da educação e foi responsável pela organização da conferência, fez um balanço positivo do evento. “Nós saímos daqui muitos satisfeitos. Iniciamos um processo de mobilização, sem recursos, sem condições, mas mais da metade dos municípios brasileiros discutiram a educação no processo de construção da Conape, e todos os estados, com exceção de Roraima, e mais o Distrito Federal realizaram suas conferências. A nossa condição apontava para uma conferência com 1,2 mil pessoas, mas chegamos a 2.445 pessoas. Então superou aquilo que inicialmente nós havíamos colocado”, comemorou Heleno, que também é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE).

A Conape teve início no dia 24, com uma manifestação que percorreu as ruas do centro de Belo Horizonte, saindo da Praça da Liberdade, em frente ao palácio de mesmo nome que abriga a sede do governo de Minas Gerais, e a Praça da Estação, onde foi realizada a abertura política e uma cerimônia de aprovação simbólica do regimento interno da Conape.  O ato de abertura contou com a presença da ex-presidente Dilma Rousseff, que reside em Belo Horizonte e atualmente é candidata a uma cadeira no Senado por Minas Gerais, bem como de parlamentares do PT, como a senadora Fátima Bezerra.

No dia seguinte pela manhã, no centro de exposições Expominas, delegados, observadores e demais participantes tomaram parte de diversos debates com temáticas propostas pelas entidades que compõem a conferência. Privatização e mercantilização da educação, financiamento da educação no contexto da EC 95, trabalho docente no contexto da reforma do ensino médio e os impactos da Base Nacional Curricular Comum para a educação básica e para o ensino superior foram alguns dos temas debatidos. Paralelamente, no campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foram realizadas sessões de comunicações orais com a apresentação de trabalhos acadêmicos divididos entre os oito eixos da conferência: o PNE na articulação do SNE: instituição, democratização, cooperação federativa, regime de colaboração, avaliação e regulação da educação; qualidade, avaliação e regulação das políticas educacionais; gestão democrática; democratização da educação; diversidade: democratização, direitos humanos, justiça social e inclusão; políticas intersetoriais de desenvolvimento e educação: cultura, ciência, trabalho, meio ambiente, saúde, tecnologia e inovação; valorização dos profissionais da educação; e, por fim, financiamento da educação.

No dia 25 no turno da tarde, foram realizadas plenárias referentes a cada um dos eixos da conferência. A Conape seguiu uma metodologia diferente da que é adotada geralmente nas conferências ditas “oficiais”, em que há um documento-referência que é levado às plenárias de eixo para debate e proposição de emendas, que é então levado para discussão na plenária final. No caso da Conape, as plenárias de eixo debateram um documento-síntese, chamado de Plano de Lutas, com 14 itens considerados estratégicos para a mobilização das entidades que compõem o FNPE no contexto das eleições de 2018. Esse documento-síntese, com 15 páginas, foi construído, em fevereiro, por uma comissão formada por representantes de 11 entidades do FNPE, a partir das emendas feitas por estados, municípios e distrito federal ao documento-referência da Conape durante as conferências municipais, estaduais, distrital e livres realizadas desde o final do ano passado. Desta comissão fizeram parte: Proifes, Contee, Anped, CNTE, CUT, Anfope, Rede Estrado, UBES, Fineduca, CTB e Fóruns de EJA do Brasil.

O documento-referência que serviu de base para o Plano de Lutas, por sua vez, é o mesmo que vinha sendo discutido ainda no âmbito do Fórum Nacional de Educação (FNE), antes do racha que iniciou o processo de mobilização da Conape, após a publicação de dois decretos do governo federal de abril de 2017 que alteraram a composição e as atribuições do Fórum Nacional de Educação (FNE) e adiaram a Conferência Nacional de Educação (Conae), que estava prevista para acontecer no primeiro semestre deste ano, para o segundo semestre de 2018. “A decisão foi buscar documentos enxutos e objetivos que expressem o eixo estratégico de luta do campo progressista e aponte um plano de lutas”, explicou Heleno Araújo, sobre a decisão de discutir, durante a etapa nacional da Conape, um documento-síntese.


Plano de Lutas

O documento contém 14 reivindicações dos movimentos reunidos na conferência. A primeira é a revogação dos decretos que alteraram a composição do FNE e adiaram a Conae 2018. A segunda diz respeito à organização de um Sistema Nacional de Educação com regulação do setor privado. “Contra a atuação do setor privado na educação sem garantia de qualidade e sem a valorização de seus trabalhadores”. O documento também se coloca contra a padronização dos currículos expressa pela Base Nacional Comum Curricular e o modelo de gestão empresarial nas escolas, e pede a criação de um sistema de avaliação da qualidade da educação que “amplie o conceito de resultados para além das proficiências em testes padronizados”. A gestão democrática da educação, em todos os níveis, com a ampliação da participação popular e o respeito aos direitos humanos e do diálogo com os movimentos sociais na construção das políticas de educação são outras demandas colocadas pelo documento, que também se posiciona contrário ao movimento Escola sem Partido, cujos projetos de lei que restringem a liberdade de expressão do professor em sala de aula avançam no Legislativo em âmbito municipal, estadual e federal. A flexibilização das contratações de professores também é outra bandeira do Plano de Lutas discutido na Conape, que pede a valorização dos profissionais de educação, com o cumprimento da Lei do Piso Nacional Profissional Nacional e a garantia de planos de carreira. Por fim, o documento pede ainda a revogação da Emenda 95, que congela os gastos com educação e saúde pela União pelos próximos 20 anos, e a garantia de investimento público exclusivamente para o ensino público.

Após as discussões e as emendas feitas ao texto durante as plenárias de eixo, esse documento foi então aprovado por aclamação durante a plenária final da Conape, que aconteceu no sábado (26). Após a aprovação, os participantes sugeriram emendas a um manifesto da Conape, também elaborado pela comissão do FNPE responsável pela síntese do documento-referência e construção do Plano de Lutas. O único momento mais tenso da plenária final foi durante a fala de Wieland Silberschneider, secretário estadual de Educação do governo de Fernando Pimentel (PT) em Minas Gerais. Wieland foi recebido com vaias e gritos de ‘paga o piso’ pelos delegados presentes. Os professores da rede estadual de Minas Gerais fizeram esse ano uma greve de 42 dias que terminou no dia 18 de abril, reivindicando o cumprimento do acordo salarial estipulado pelo governador em 2015, que previa três atualizações nos salários (2016, 2017 e 2018), além do pagamento de abonos, para que este ano a categoria equiparasse os vencimentos mínimos por uma jornada de 24 horas ao piso nacional aplicado no Brasil.

Segundo Heleno Araújo, as 35 entidades nacionais que compõem o FNPE devem agora se reunir para sistematizar os documentos discutidos durante a conferência, trabalho que segundo o coordenador do fórum deve levar, no mínimo, 30 dias. A partir daí vamos levá-los para os municípios através do Congresso do Povo que a Frente Brasil Popular está realizando, e pra todas as instâncias onde os fóruns de educação fazem o debate das políticas educacionais. Vamos enviar pra todos os parlamentares do Congresso Nacional, para todas as assembleias legislativas, e ele será nossa referência para as eleições de 2018”, afirma Heleno.


Insatisfação

Mas nem todo mundo saiu satisfeito da conferência. Um dos que esperava mais do evento foi Michel Torres, membro da direção nacional do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), que participou como observador da conferência. “Em três dias de debate eu não vi nenhuma mesa de conjuntura política e a gente está num período efervescente. Nesse período, por exemplo, estão em curso situações de resistência a ofensiva reacionária do governo, por exemplo o Fórum das Seis [que reúne as entidades sindicais de docentes e servidores técnico-administrativos e representações estudantis das universidades estaduais paulistas] e isso não foi refletido. Me preocupa muito que uma conferência de educação que se propõe popular não traga esse tipo de reflexão da conjuntura”, reclama Michel. Os debates sinalizaram, para ele, a tentativa de fazer da conferência uma plataforma eleitoral para um projeto político do PT, o que pra ele tornou as discussões pouco aprofundadas. “Não basta a gente caracterizar que o governo é golpista, temos que ter uma leitura mais aprofundada e saber intervir nesse governo golpista, porque o golpe não foi realizado só por quem estava de fora do governo do PT, mas que estava por dentro dele também”, aponta. E complementa: “Essa conferência foi aberta no um palanque onde só havia parlamentares do PT e a ex-presidente Dilma Rousseff. E agora a estamos encerrando aprovando documentos que apontam para uma saída em 2018 pelo projeto do PT. Isso está evidente. E demonstra um pouco o quadro da esquerda brasileira, muito fragmentada, com os espaços de diálogo sendo hegemonizados por um projeto político. Isso é muito ruim para a democracia”.

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