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Estamos preparados?

O fluxo de migrações em crescimento impõe desafios para as fronteiras brasileiras
Ana Paula Evangelista - EPSJV/Fiocruz | 16/05/2019 10h16 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Grandes epidemias marcaram a história da humanidade. A peste negra, deixou mais de 50 milhões de mortos na Europa e na Ásia entre 1333 a 1351; a tuberculose, matou mais de um bilhão de pessoasentre 1850 e 1950, e aflige algumas regiões até hoje. Em 2009, o vírus H1N1, conhecido como gripe suína, causou temor na comunidade internacional por sua alta taxa de contágio. A doença evoluiu rapidamente e, no dia 11 de junho daquele mesmo ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia de H1N1. Em 2014, o vírus Ebola devastou populações na África, atingindo mais de 23 mil pessoas, e desde então a doença foi se espalhando e evoluindo rapidamente. Mas como explicar esses fluxos? Especialistas afirmam que o aumento das conexões globais permitiu uma dispersão cada vez mais rápida dos vírus. O fluxo de pessoas impõe desafios sanitários e existe na saúde uma área específica que acompanha esses movimentos e estratégias em cada região: é a saúde de fronteiras.

Sob essa ótica, quanto maior as áreas de fronteiras, maior o fluxo de pessoas e maiores também são os desafios quando se trata de doenças que migram. O Brasil tem 15,7 mil quilômetros de fronteiras, que compreendem 11 estados brasileiros e dez países da América do Sul: Guiana Francesa, Guiana, Suriname, Venezuela, Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina. Nessas fronteiras existem 588 municípios, onde vivem cerca de três milhões de habitantes. Segundo dados do Ministério da Saúde, são áreas onde há um grande fluxo de estrangeiros buscando tratamento no Brasil. Além de sobrecarregar o atendimento na área da saúde, esse número extra não é contabilizado pelo Ministério no cálculo do repasse de verbas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, esses locais representam um grande vácuo de assistência em todos os aspectos. Em sua maioria, são regiões pobres e que por serem distantes dos centros urbanos e muitas vezes de difícil acesso têm problemas quanto a oferta de serviços públicos de qualidade.

Paulo Peiter, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e especialista em saúde de fronteira, explica que existe uma legislação brasileira específica das divisas internacionais definida na Constituição, que considera como fronteira uma faixa que engloba do limite internacional até 150 quilômetros para dentro território nacional. Todos os municípios nessa faixa são considerados de fronteira. O pesquisador afirma que as divisas são locais sensíveis a mudanças internacionais, sejam elas políticas, econômicas ou sociais. “Pegando o exemplo da Venezuela, a crise afetou também diretamente o Brasil. E onde as tensões foram acontecer? Exatamente na fronteira”, diz.

Norte sem um norte

Nos últimos dez anos, a Venezuela vem enfrentando uma grave crise econômica, motivada pela instabilidade política e também pela queda das receitas do petróleo. O impacto na saúde foi certo, principalmente pelas doenças transmitidas por vetores, problema que, com as migrações, acabou se espalhando para países vizinhos. Somente no Brasil, que já recebeu milhares de venezuelanos, já foi observado o aumento de casos importados de malária, subindo de 1.538 casos (em 2014), para 3.129 (em 2017). Além da malária, a doença de Chagas, dengue, chikungunya e zika também apresentaram maior incidência. O pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) Sérgio Luz enfatiza a necessidade de medidas para o enfrentamento de epidemias e de ações estratégicas para impedir a expansão de doenças transmitidas por vetores e infecciosas, para além das fronteiras.

Para ele, um ponto que tem sido afetado pela crise na Venezuela é o trabalho de coleta de dados da vigilância sanitária daquele país, que resultou, no ano passado, no fechamento da Divisão de Epidemiologia e Estatísticas Vitais do Centro Venezuelano de Classificação de Doenças, órgão responsável por fornecer à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) os indicadores de morbidade e mortalidade atualizados. Para Sérgio, a necessidade de se criar um sistema de vigilância epidemiológica, com uma rede de laboratórios de referência apoiados para o enfrentamento dessas situações é emergencial. O pesquisador lembra que foi pela fronteira de Roraima que o Aedes aegypti foi reintroduzido no Brasil, no final da década de 1960, depois do país ter recebido certificado da OMS de erradicação do mosquito em 1958. Da mesma forma, o aparecimento de alguns sorotipos de dengue ocorreram por essa região, bem como o reaparecimento da difteria. Na tríplice fronteira com Peru e Colômbia, também foi  registrada a entrada do cólera, com poder epidêmico no Brasil inteiro.

Além da malária, afirma Sérgio, a doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, presente em muitos estados da Venezuela e nos Andes. Temos outro arbovírus já notificado. Trata-se da febre oropouche”, anuncia o pesquisador. Assim como a dengue, a zika e a chikungunya, elatambém é transmitida por um mosquito, o Culicoides paraensis, conhecido como borrachudo, maruim ou pólvora, que antes era encontrado em pequenos vilarejos da Amazônia. Mais recentemente, o Departamento de Virologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto alertou para a circulação do vírus em algumas cidades brasileiras fora da região amazônica. “Já temos casos na Amazônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Goiás. Já está entrando em outros lugares”, avisa.

Migrações de doenças acontecem com grande frequência nessa região. Sérgio relembra da chegada de um grande número de haitianos – de acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), entre janeiro e julho de 2018, 3.129 pediram refúgio no Brasil – que entraram pela tríplice fronteira após os terremotos de 2010. “Os haitianos também trouxeram algumas doenças, que a nossa barreira epidemiológica deixou passar. Só não tivemos surto porque as condições para o ciclo são complexas”, ressalta Sérgio.

E ainda tem mais...

O reaparecimento do sarampo na Região Norte e depois pelo país foi atribuído, pelo Ministério da Saúde, aos imigrantes venezuelanos. Dados do Ministério mostram que ao longo de 2018 foram confirmados 10.326 casos – houve surtos no Amazonas e em Roraima. Após registrar casos de sarampo desde 2018, o Brasil perdeu a certificação de país livre da doença, conferido pela Opas. O certificado havia sido obtido em 2016. Para perdê-lo, é preciso haver transmissão sustentada, ou seja, a ocorrência de um mesmo surto por mais de 12 meses. Logo após o anúncio, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, atribuiu o problema a baixas coberturas vacinais no país. Segundo ele, após um pico em 2003, a cobertura vacinal caiu para cerca de 80% no ano passado, em média. O patamar preconizado pelo Ministério é de 95%. Em comunicado oficial, a pasta afirmou que prepara um pacote de ações para reverter a queda das taxas de vacinação.

“Essa crise não só se vê na política, na questão do poder, mas ela é refletida diretamente nas condições de saúde das populações. Os atendimentos ficam precários, há falta de insumos, de vacinas, de medicamentos, de tudo...

“Mas há outros pontos que precisam ser considerados”, afirma Sérgio Luz. Segundo o pesquisador, há muitos anos o Brasil se garantiu nos êxitos do Programa Nacional de Imunizações (PNI). “Mas ainda assim essas doenças aconteceram. Há anos tínhamos essa vacina no calendário com cobertura vacinal satisfatória, mas também não tínhamos essa migração tão intensa”. Mas vale ressaltar, segundo Sérgio, que a situação da Venezuela não aconteceu de uma hora para a outra. “Essa crise não só se vê na política, na questão do poder, mas ela é refletida diretamente nas condições de saúde das populações. Os atendimentos ficam precários, há falta de insumos, de vacinas, de medicamentos, de tudo. Isso, aos poucos, foi criando uma janela que proporcionou essa epidemia”, justifica.

Segundo a Federação Internacional da Cruz Vermelha, nada menos que 82% dos refugiados não tem como atender a necessidades básicas, e 80%  não tem acesso a serviços de saúde. Segundos dados do MS, isso acontece especialmente em Roraima. Em 2017, o Brasil recebeu 33.866 pedidos de refúgio, sendo 53% de venezuelanos, 7% haitianos, 7% cubanos e 6% angolanos. Para isso, o Ministério afirma em seu site, que junto com gestores estaduais e municipais, tem fortalecido o sistema de vigilância epidemiológica e a resposta a ameaças à saúde, bem como proporcionado assistência aos migrantes, com foco na Atenção Básica, incluindo a oferta de vacinas, acompanhamento de portadores de doenças crônicas e pré-natal. Os investimentos em saúde, entre 2017 e 2018, em resposta à demanda migratória somaram R$ 187 milhões somente em Roraima. Recursos que permitiram a realização de ações voltadas à vigilância em saúde e imunização, expansão do atendimento hospitalar, ampliação de leitos de cuidados intensivos pediátricos, contratação de médicos, entrega de ambulâncias a aumento de recursos para o custeio da atenção básica e hospitalar no estado.

Mas parece que não foi suficiente. Enquanto o SUS, com seu princípio de universalidade, enfrenta desafios para o atendimento da população brasileira e também os estrangeiros, há quem faça o movimento contrário. Brasileiros estão procurando tratamento também em outros países. Flavia Divino, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), trabalha com saude de fronteira e dinâmica de disseminação de HIV e conta que a Guiana Francesa aceita vários pacientes dos estados do extremo norte soropositivos. O acesso ao medicamento é oferecido na capital [Macapá], tornando o deslocamento para o outro país mais viável. “Eles aceitam os pacientes porque entendem que isso ajuda a manter a barreira sanitária na fronteira”, afirma. No entanto, Flavia alerta que isso revela falhas no SUS. “Quem pega a medicação do outro lado da fronteira muitas vezes não é contabilizado em nossos registros de saúde”. Além disso, de acordo com a doutoranda, a região não possui políticas de conscientização tão eficientes, por exemplo.

Além das dificuldades no acesso ao tratamento, outra questão é sinal de alerta para a região. Em sua pesquisa, Flavia encontrou uma nova variante do vírus HIV circulando no Norte. Ela explica que o subtipo B do HIV, que temos no Brasil, se divide em duas variantes: o Bcaribe (BCAR) e o BPandemico. A primeira forma circula nas regiões do Caribe e  segunda pelo restante do mundo. Os resultados  apontaram para uma forte ligação epidemiológica entre as epidemias de HIV  de Roraima, Amazonas e Maranhão e as epidemias do Caribe e de países do extremo norte da América do Sul como Guiana, Guiana Francesa e Suriname.

Por exemplo, entre 45% e 50% do HIV que circula em  Roraima é o BCaribe. “Mas também já temos registro no Amapá, Tocantins, Acre, Maranhão e Piauí. Mas por que essa variante está entrando no Brasil? Isso é o que estamos estudando. Já sabemos que circula uma variante de HIV que vem lá do Haiti, no extremo norte e nos países que fazem fronteira. Queremos entender as causas e efeitos desse negligenciamento para propor ações de saúde eficazes”.

Enquanto se verifica uma estabilização e redução da taxa de incidência do HIV/Aids em três regiões nos últimos dez anos, o Nordeste e Norte fazem o caminho inverso, passando de 11,2 para 15,3 casos por 100 mil habitantes e no Norte passou de 14,9 para 24,0 casos por 100 mil habitantes. O Amapá foi o estado com o segundo maior aumento no índice de detecção de HIV/Aids do país. As análises fazem parte do Boletim Epidemiológico de HIV/Aids lançado em 2018. Atrás somente de Alagoas (32,3%), o Amapá apresentou 25% de aumento na taxa de detecção de Aids.

Mas há justificativas. Sérgio conta que a situação precária das unidades de saúde dessas fronteiras da região Norte também possibilita os surtos de diversas doenças, inclusive o de sarampo. “A entrada de venezuelanos no início da transmissão se espalhou em Boa Vista, pela estrada que liga Manaus, e de lá para outras partes do país. As poucas estradas que temos são precárias e com as chuvas no inverno ficam interditadas. Não chega gente e também não chega saúde. A única coisa que tínhamos era a garantia da erradicação da doença, e só”, lamenta. Ao longo dos anos, a cobertura vacinal na Amazônia foi sendo cada vez mais reduzida, como explica o pesquisador. São populações indígenas e ribeirinhas em áreas isoladas, dificultando a capilarização do SUS. “O foco endêmico se estabeleceu em Manaus, por ser centro do estado do Amazonas e ‘subiu’, como a gente fala, pelas calhas dos rios, atingindo justamente esses grupos populacionais mais isolados e mais vulneráveis, que são as crianças e os mais idosos, causando diversos óbitos e uma epidemia. Seria o caso de decretar calamidade pública na saúde, mas não aconteceu. Talvez porque foi perto de um período eleitoral”, lamenta.

Além disso, o fim da parceria com Cuba no Programa Mais Médicos em dezembro de 2018 deixou a região ainda mais carente de saúde. Dos 5.570 municípios do país, 3.228 (79,5%) só tinham médico pelo programa e 90% dos atendimentos da população indígena eram feitos por profissionais de Cuba.

Em outras partes

No Centro-Oeste, as características são outras. Paulo Peiter explica que essa é uma área de transição de entre o Norte, parte mais precária de atendimento à saúde, e o Sul, parte mais desenvolvida da fronteira e com melhores condições de vida. “Apesar disso, é uma área que ainda apresenta importantes índices de malária”. No entanto, o pesquisador explica que não são as doenças infectocontagiosas que impõem desafios de saúde para essas fronteiras. “Temos altos índices de violência, homicídios. Isso tem um impacto no sistema de saúde com internação, as pessoas com necessidade também de serviços de reabilitação de alta complexidade e de saúde mental”, diferencia. 

Já a Região Sul, principalmente a fronteira do Paraná, tem muitas áreas dominadas pelo tráfico de drogas. Portanto, a questão da violência persiste. Nesses locais, segundo Peiter, há uma diferença no perfil do HIV/Aids. Com um grande número de usuários de drogas, a incidência da transmissão acontece por outra forma. “É uma situação melhor, porque tem uma rede de serviços de saúde mais densa, sem necessidade de grandes deslocamentos”, pondera. 

O Sudeste, apesar de não ter fronteiras internacionais, é uma região com circulação de estrangeiros que procuram os grandes centros em busca de trabalho. No Rio de Janeiro, como explica João Roberto Cavalcante, doutorando do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj),  a grande dificuldade são as demandas de saúde específicas para cada nacionalidade. “Os refugiados aqui no Rio de Janeiro apresentam doenças crônicas, é um perfil diferente de refugiados de outros países, como os que estão no leste europeu, que têm doenças transmissíveis”, compara.

Cássio Silveira, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP/Unifesp), explica que em São Paulo há um grande contingente de imigrantes sul-americanos. Os bolivianos, por exemplo, vêm em busca de trabalho, mas existe uma parcela que busca acesso ao SUS, já que na Bolívia parte dos serviços de saúde é paga. Estão em busca de cirurgias cardíacas infantis e geralmente são pessoas com boas condições financeiras, que depois retornam aos seu país.

Mas e aqueles que vieram para morar aqui? Cássio conta que a cidade se preparou para isso. “Em 2004, fizemos uma discussão sobre políticas focais em saúde e políticas universais, para incluir o paciente imigrante, mas também inserir agentes comunitários de saúde dessas nacionalidades, que poderiam ter fácil acesso a esses grupos. Isso fez muita diferença, pois conseguimos identificar altos índices de tuberculose por conta das condições de moradia e de trabalho, já que a maior parte atua na indústria de confecção, que tem estruturas muito precárias, sem circulação de ar”, afirma o professor.  Atualmente, 5% dos atendimentos mensais das Unidades Básicas de Saúde (UBS) da capital paulista são da população boliviana. “O mesmo foi feito para grupos sírios e africanos”. A partir dessa iniciativa foi criado o Conselho Municipal dos Imigrantes e também uma política específica de saúde no município de São Paulo.

Mas existem desafios. Cássio conta que grande parte do contigente imigratório é de homens, que demoram mais para procurar os serviços de saúde. Outro problema específico em São Paulo é que  mulheres chinesas encontram dificuldade para acessar o serviço de saúde por conta da barreira do idioma. “Os nossos serviços não têm um tradutor. Perguntas básicas não conseguem ser feitas: como passou pelo pré-natal? Tomou as vacinas do período gestacional?”, exemplifica.  Por outro lado, em  bairros tradicionais como Bom Retiro, que abriga há décadas imigrantes orientais, muitos já idosos e com recorrente necessidade de acessar a Atenção Básica, foi pensado um calendário de vacinação em coreano, com as datas de campanhas.

Desafios

O importante é que se tenha uma vigilância integrada, com intercâmbio de informações,  e um sistema de informação que acompanhe a situação dos dois lados simultaneamente

Já nas áreas de fronteiras, as iniciativas exitosas dependem muito mais da cooperação e acordos entre os países. “O importante é que se tenha uma vigilância integrada, com intercâmbio de informações,  e um sistema de informação que acompanhe a situação dos dois lados simultaneamente”, considera Paulo Peiter.

O pesquisador cita como exemplo a fronteira do Brasil com Uruguai na cidade de Uruguaiana. “Tínhamos um paciente brasileiro que morava na fronteira e precisa de hemodiálise três vezes na semana e era obrigado a percorrer 200 km para ter acesso ao tratamento. No entanto, ao lado, na cidade do país vizinho, que é separada do lado brasileiro por uma rua, havia clínicas que poderiam atender esse paciente”. Mas o que faltava, segundo Peiter, era um acordo entre os países. “Poder transferir recursos até para aproveitar essa sinergia. Seria muito mais fácil para o paciente atravessar a rua e ser atendido na clínica uruguaia”. 

Sergio lembra que a legislação brasileira previa um sistema para melhorar o atendimento à população e reforçar a integração do atendimento de saúde nos municípios fronteiriços denominado Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteira), criado em 2014. O objetivo era planejar e lançar ações e acordos bilaterais ou multilaterais entre os países fronteiriços, após diagnóstico da situação de saúde além do território nacional. “Infelizmente, a portaria está desativada desde 2018. Por algum tempo, o programa oferecia recursos para os municípios de fronteira. Mas com uma estrutura administrativa muito pequena, não tinham capacidade de pensar e elaborar projetos para obter esses recursos, então ficou um pouco subutilizado”, comenta o pesquisador.

Os blocos econômicos, a exemplo do Mercosul, também desempenham importante papel nas estratégias de saúde de fronteiras. Em 2018, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile assinaram acordos com o objetivo de reforçar ações de saúde nas fronteiras e assistência aos migrantes para manter baixa a transmissão de doenças como poliomielite e sarampo. Também ratificaram as ações de controle de rubéola previstos no Plano de Ação para a Sustentabilidade da Eliminação do Sarampo, a Rubéola e a Síndrome da Rubéola Congênita nas Américas (2018-2023). De acordo com a última atualização epidemiológica da Opas, de abril de 2018, 11 países das Américas confirmaram casos de sarampo: Argentina, Equador, Canadá, Estados Unidos, Guatemala, México, Peru, Antígua e Barbuda, Brasil, Colômbia e Venezuela.Foi pactuado também acordo relativo às ações nas regiões de fronteira, consideradas essenciais para garantir a saúde da população sul-americana. Os países se comprometeram a priorizar as medidas de saúde nessas regiões.

Para João Roberto, esses acordos nem sempre são postos em prática. Pelo contrário. Recentemente, o Brasil – sob o novo governo – deixou o Pacto Global de Imigração da ONU. “É importante destacar que a população de migrantes forçados no Brasil [ aqueles que se pudessem estariam no seu país] corresponde a apenas 0,5% da população. Dizer que eles provocam problemas é errado. O que temos é um atraso na nossa organização para receber essas pessoas. Ao invés de avanços, temos retrocessos”, lamenta.

Além disso, João Roberto afirma que o subfinanciamento do SUS obriga os municípios a investir em outras áreas. Para ele, essa não é uma prioridade do governo federal no momento. “Até 2016, havia prioridade para a saúde do viajante, do imigrante e do refugiado, até porque ativemos a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos. Na epidemia de ebola recebemos refugiados da Guiné, da Libéria e da Serra Leoa, e depois do terremoto do Haiti recebemos migrantes. Então era uma prioridade maior. O atual governo não está se preocupando com isso”, lamenta João Roberto.