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Formação de técnicos em saúde no Brasil e no Mercosul

Representantes dos países membros apresentam suas experiências, avanços e dificuldades para a formação técnica em saúde. Veja as principais discussões do Seminário Internacional que debateu o tema.

Marcela PronkoPara conhecer, sistematizar e analisar dados sobre a educação profissional em saúde no Mercosul, pesquisadores da EPSJV começaram, em 2005, a idealizar a pesquisa ‘A Educação profissional em saúde no Brasil e em países do Mercosul: perspectivas e limites para a formação integral de trabalhadores face aos desafios das políticas de saúde’. Três anos depois, alguns resultados já foram alcançados. No último dia do seminário, esses dados foram apresentados por alguns dos integrantes da pesquisa: Julio Lima (EPSJV), Leda Hansen (Cefope/RN), José de Figueiredo (ESP-MT) e a coordenadora do trabalho, Marcela Pronko, que explicou a metodologia utilizada.



O objetivo geral era, segundo Marcela, analisar a oferta quantitativa e qualitativa de educação técnica no Mercosul e, por isso, houve uma fase nacional e outra internacional. Na fase nacional, houve uma dimensão quantitativa, com a consulta às bases de dados disponíveis, e uma dimensão qualitativa, com aplicação de questionários às instituições de ensino e coleta de documentação. O trabalho foi feito com base na identificação do número de instituições que oferecem cursos técnicos em saúde no Brasil, bem como o número de cursos oferecidos, as diretrizes metodológicas e os planejamentos de currículo.



Segundo a pesquisadora, as dificuldades para encontrar esse tipo de dados nos outros países prejudicou a realização da fase internacional e, por isso, os resultados obtidos até agora dizem respeito principalmente à formação no Brasil.A pesquisa nos demais países do Mercosul se iniciou com um levantamento da documentação disponível em cada país e com a realização de entrevistas com representantes dos órgãos governamentais. “Conversamos sobre a formação de técnicos em geral, sobre a formação de técnicos e saúde e sobre a política de formação em relação à formação docente, entre outros aspectos”. Marcela explicou ainda que essa fase começou a ser desenvolvida em 2008 e este seminário é um produto do trabalho realizado. “Os resultados dessa fase serão, em grande parte, os resultados do próprio seminário”, explicou.



A pesquisa no Brasil



Marcela afirmou que o ponto de partida para a parte quantitativa nacional foi o Cadastro Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), do Ministério da Educação (MEC). A partir dele, foram identificadas 1.636 instituições públicas e privadas que ofereciam cursos técnicos em saúde. “Então, enviamos a todas elas um questionário, por correio. A devolução não era obrigatória e 452 escolas responderam. Decidimos as instituições que participariam da fase qualitativa da pesquisa com base nessas respostas”, contou. Para ajudar a equipe da EPSJV na realização da etapa qualitativa, foram selecionadas seis Escolas Técnicas do SUS para atuarem como escolas-pólo em todo o Brasil.



Marcela explicou que a seleção foi feita com a ajuda da Comissão de Coordenação da RET-SUS, constituída por um representante de cada uma das regiões do Brasil. “Solicitamos ajuda a essa comissão para identificar uma escola parceira em cada região. E tínhamos alguns critérios: a existência de uma infra-estrutura mínima para a realização de contatos telefônicos, a disponibilidade de professores-pesquisadores e a localização da Escola em uma área mais ou menos central, para facilitar o deslocamento”, explicou Marcela. Assim, foram definidas seis instituições parceiras: a ETSUS Tocantins, o Centro de Formação Pessoal para os Serviços de Saúde Dr Manuel da Costa Souza (Cefope/RN), a Escola Técnica de Saúde do Centro de Ensino Médio e Fundamental da Unimontes (MG), a ETSUS Blumenau, a Escola de Saúde Pública do Mato Grosso (ESP-MT) e a Escola de Formação Técnica em Saúde Enfermeira Izabel dos Santos (ETIS/RJ).



Foram realizadas quatro oficinas para que as estratégias de trabalho fossem definidas em conjunto. José de Figueiredo, representando a ESP-MT, explicou que, durante as oficinas, os pesquisadores foram apresentados aos objetivos e aos encaminhamentos metodológicos do trabalho, conheceram os resultados da fase quantitativa, definiram critérios para a escolha das instituições a serem entrevistadas e o que faria parte dessa entrevista.



Etapa quantitativa: resultados



Julio Lima explicou que a utilização do Cadastro Nacional de Cursos Técnicos para a identificação de cursos e instituições foi importante, mas que as informações nem sempre eram confiáveis. “Depois, nas entrevistas, vimos que o sistema estava desatualizado: algumas vezes, as escolas ofereciam cursos que não constavam do Cadastro e, em outras, as instituições já não ofereciam mais os cursos que apareciam no site”, disse.



Segundo ele, com base no CNCT, foi possível concluir que os estabelecimentos de ensino e a oferta de cursos estão mais concentrados na região sudeste e que mais de 60% dos estabelecimentos são privados. “Se contarmos o Sistema S, esse valor chega a 80%”, contou.



Já a análise dos questionários enviados às instituições e respondidos por 452 delas mostra que a maior parte das escolas organiza os currículos por módulos. “Isso confere um caráter mais flexível e utilitário: constrói-se um itinerário formativo em que é possível fazer um módulo, parar, depois fazer o segundo módulo anos depois ou até mesmo em outra instituição”, explicou.



Ele disse ainda que em geral o curso técnico é oferecido subseqüente ao ensino médio e apenas 3% das instituições avaliadas oferecem cursos integrados. Além disso, 73% das escolas afirmam que fazem a formação por competências.



Etapa qualitativa: inconsistências nos projetos



De acordo com Marcela, a análise das respostas ao questionário começou a orientar a seleção de escolas que participariam de entrevistas mais profundas, na fase qualitativa da pesquisa. Ela explicou que todas as ETSUS foram propositalmente excluídas, já que outra pesquisadora da EPSJV, Marise Ramos, já desenvolve uma pesquisa específica sobre elas. “Decidimos trabalhar tanto com escolas públicas como com privadas, em todas as regiões, e privilegiamos áreas metropolitanas, porque seria difícil chegar até as escolas mais afastadas. Ao todo, fizemos 36 entrevistas”, contou.



Leda Hansen, representando o Cefope, disse que os resultados das entrevistas ainda estão em fase de análise. Foram investigados itens como projetos político-pedagógicos (PPP) e organização curricular. De acordo com Leda, houve uma surpresa no que diz respeito ao PPP das escolas: “A maior parte possui um projeto, mas muitos entrevistados disseram que isso é um mero requisito formal, que nem sempre é seguido à risca”, disse, afirmando que há uma determinação forte do mercado na oferta dos cursos e que a ênfase está na empregabilidade.



Outro problema das instituições é a falta de clareza na própria conceituação das suas diretrizes. “Nem sempre há uma definição clara do que seja um módulo de formação. A avaliação dos alunos é sistematizada em alguns casos, mas em outros não. Além disso, a maior parte diz que organiza o currículo por competências, mas mesmo essa palavra não fica bem definida: a maior parte relaciona o conceito de competências à idéia de ‘ser ou não competente’, enquanto algumas escolas não souberam responder o que é competência”, apontou Leda.



A lógica das competências



Entre as discussões feitas durante os três dias de seminário, a formação por competências foi, certamente, uma das mais acaloradas. Mais uma vez, Isabel Brasil levantou a necessidade de se pensar que termos como flexibilidade, empregabilidade, competência e eficácia são palavras que vêm de uma lógica privada.



 Para Marcela Pronko, o problema é quando a formação se torna meramente instrumental, para dar conta do mercado. “Nas nossas perguntas a palavra ‘mercado’ não aparecia, mas ela constou de 80% das respostas. E isso aparece em uma perspectiva de estreitamento da formação, que se torna meramente instrumental”, disse, afirmando que a parte instrumental é necessária, mas não pode vir sozinha: “Se não são oferecidos fundamentos para compreender o papel do profissional no trabalho e na sociedade, então temos um problema grave”. Ela disse ainda que é importante discutir de onde vêm as competências, ideológica e politicamente, mas que também é preciso entender o que acontece com a idéia que se faz desse termo das escolas. “Muitas vezes existe o nome ‘formação por competências’ nos PPP das instituições mas, na prática, elas dizem que os professores trabalham da forma que acham melhor”, contou.



Julio Lima afirmou que é preciso tomar cuidado porque, além do estreitamento da formação, há a venda de ilusões por parte de certas instituições. “Oferecem-se cursos como se eles fossem a chave para a empregabilidade, o que não acontece. Na prática, há uma explosão de cursos sem que haja, necessariamente, a incorporação dos profissionais formados”, disse.



Para Anamaria Corbo, coordenadora da Cooperação Internacional da EPSJV, é importante pensar que o setor público emprega a maior parte dos trabalhadores técnicos em saúde. “O mercado de trabalho desses técnicos é, em grande parte, o setor público. Isso significa que se formam, para a área pública, pessoas que têm sérias deficiências em relação à organização e ao trabalho nesse setor. Elas são formadas para o público, com a lógica do privado. Nós criticamos a operacionalização do SUS e queremos formar trabalhadores que não se adaptem, que questionem e melhorem esse sistema. Isso não é possível se há o estreitamento da formação e ela passa a ser exclusivamente instrumental”, disse.