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Garantir financiamento é preocupação em debate sobre Seguridade Social

Discussão sobre como integrar Saúde, Assistência Sociale Previdência Social gira em torno de propostas de novo imposto para a saúde ecríticas à  DRU.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 02/12/2011 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Assegurar financiamento adequado e estável para a Seguridade Social foi o principal desafio colocado pelos participantes do diálogo temático 'A Seguridade Social, o Acesso Universal e as Políticas Públicas de Estado', ocorrido ontem, no segundo dia da 14ª Conferência Nacional de Saúde. Debatedores e integrantes da plenária manifestaram preocupação quanto a dois tópicos principais: o projeto de lei que prorroga a vigência da DRU até 2015, que aguarda votação na Câmara dos Deputados; e a Emenda Constitucional 29, que foi aprovada depois de mais de dez anos em tramitação na Câmara, porém sem o artigo que criaria uma nova contribuição para financiar ações de Saúde.

Descumprimento da legislação inviabiliza seguridade, diz deputado

 

 

O primeiro a falar foi o deputado federal José Saraiva Felipe (PMDB/MG), ex-ministro da Saúde, que lamentou o descumprimento da legislação referente à Seguridade Social estabelecida na Constituição Federal de 1988. "Ali pensamos um sistema de seguridade social, mas nos vimos frustrados. Cada um tomou seu rumo e as políticas não se associaram. Temos que brigar muito para recompormos o conceito de seguridade social e pensarmos um orçamento conjunto" afirmou. Ele destacou o prejuízo para o orçamento da saúde com a separação entre as áreas da seguridade. "A saúde foi implodida em 1994, quando o Ministério da Previdência Social deixou de passar 30% da arrecadação previdenciária para a saúde. Se atualizássemos esse valor, que era destinado à assistência médico hospitalar das pessoas com carteira de trabalho assinada, teríamos R$ 143 bilhões para a saúde, praticamente o dobro do que temos hoje".

Saraiva Felipe criticou a ausência, no texto da EC29 aprovado pela Câmara, do artigo que criaria uma nova contribuição para a saúde, nos moldes da extinta CPMF, mas alegou que a aprovação do projeto teve um lado positivo. "Foi uma luta aprovar a EC29 agora, porque o Executivo não queria que ela fosse aprovada sem que fosse criada nova CPMF. Eu lamento muito que ela tenha saído da Câmara ‘aleijada', mas tinha consciência de que ela precisava andar, se não estaria parada até agora e ninguém estaria discutindo financiamento da saúde", apontou, completando: "A regulamentação vai evitar maquiagem dos orçamentos dos governos estaduais. Muitos municípios gastam mais do que 15% com saúde, mas estados não gastam 12%. Colocam lá merenda escolar, sopão e outras coisas para tentar
chegar ao patamar, o que é um absurdo. A sociedade também precisa se mobilizar para fazer valer proposta de destinar 10% da arrecadação livre do governo federal para a saúde", disse o deputado, referindo-se ao montante que, por lei, cada esfera de governo deve destinar para as ações de saúde. "Eu ouço muito que é preciso combater a corrupção no SUS antes de se falar em aumentar os recursos, mas quer corrupção maior do que essa fraude que muitos estados cometem na prestação de contas para tentar chegar ao patamar de 12% do orçamento com a saúde?".

Alternativas para aumentar recursos na saúde

 

 

Saraiva Felipe também comentou as principais propostas de criação de novas formas de arrecadação tributária para angariar recursos para a pasta. "Há uma proposta da deputada Jandira Feghali de taxar as grandes fortunas, acima de R$ 4 milhões. Tal é a concentração de renda no Brasil que com um imposto como esse seria possível arrecadar bilhões de reais para a saúde", destacou. Uma segunda opção seria um imposto sobre o álcool e o cigarro, que é visto com algumas ressalvas por Saraiva Felipe. "Esse é um imposto não saudável, porque quanto mais álcool e cigarro as pessoas consumissem, mais dinheiro iria para a Saúde, que por sua vez teria que gastar mais lá na frente tratando as pessoas que adoecem por causa do consumo desses produtos", ponderou. Por fim, uma terceira alternativa em discussão, segundo o deputado, seria destinar recursos da exploração do pré-sal para o SUS. "Mas isso é para daqui a cinco anos, e eu estou convencido de que até lá o SUS já morreu de inanição", alertou.

 

Avanço na Assistência Social, porém falta integração

 

 

Após a fala de Saraiva Felipe, foi a vez do presidente do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), Carlos Eduardo Ferrari, que ressaltou a importância de se pensar a seguridade de maneira integrada. "Essa concepção de seguridade como a integração da saúde, da assistência e da previdência é bastante ousada, mas ainda estamos acostumados a olhar as políticas específicas de cada área. O nosso desafio é a reconstrução social da importância do papel do Estado e das políticas públicas, para resgatar uma ideia de cidadania que possibilite a superação da ideia de assistência como ‘caridade', e não como um direito", assinalou Ferrari.

 

 

Ele comemorou a regulamentação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) este ano, mas ponderou que ainda falta integração entre as unidades de saúde e de assistência social para garantir atendimento integral. "Hoje temos 7,7 mil Cras [Centro de Referência de Assistência Social] e mais de 2 mil Creas [Centros de Referência Especializado de Assistência Social]. Temos sistemas, mas temos o desafio de fazer com que a assistência se efetue. É inadmissível uma pessoa ir a um posto de saúde e não saber que ali perto tem um
Cras ou um Creas", criticou. E completou: "Esse desafio só vamos vencer com empenho político. É preciso falar de seguridade não de forma tecnicista e academicista, mas de modo que cada um tenha claro que esse conjunto de saúde, assistência e previdência, articuladas, é uma garantia de integralidade, universalidade e equidade. Temos que traduzir isso para as pessoas para que entendam que isso é direito delas".

 

 

Seguridade Social perde bilhões com a DRU

 

 

Em seguida, Wanderlei José Maçaneiro, representante da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Anfip), apresentou alguns dados que mostraram que a Seguridade Social vem tendo superávit desde 2005, ajudando a desconstruir o argumento de que o país não tem dinheiro para investir em ações de saúde, assistência social e previdência.  "De 2005 a 2010, a Seguridade Social arrecadou em torno de R$ 370 bilhões a mais do que gastou. Só em 2010 foram R$ 58 bilhões. Esse dinheiro foi desviado para pagamento dos juros da dívida externa, por meio de um mecanismo criado em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência, depois renomeado como Fundo de Estabilidade Fiscal, em 1996, e que hoje conhecemos como Desvinculação das Receitas da União (DRU)", apontou Maçaneiro, e acrescentou: "Esse desvio é oficial, porém imoral, e temos que nos mobilizar para frear a prorrogação da DRU, que deve ser votada no Senado até o dia 22 de dezembro".

Outra bandeira levantada por Maçaneiro como forma de garantir mais recursos para a seguridade foi a de uma reforma tributária. "Quem paga imposto nesse país são os pobres. Nosso sistema tributário é regressivo, os impostos incidem sobre o consumo, e não sobre a renda e o patrimônio. Quem ganha R$ 1 milhão tem diluída a proporcionalidade na sua renda, enquanto o pobre gasta boa parte do salário com impostos", criticou. Ele também chamou atenção para o fato de que o montante destinado para as políticas sociais não tem acompanhado o crescimento da arrecadação do governo em tempos de crescimento econômico. "Em 1995, a arrecadação tributária foi de R$ 100 bilhões, e em 2011 a estimativa é que ultrapasse R$ 1 trilhão. Esse aumento na arrecadação tem que fazer frente ao que é gasto com a seguridade social, mas infelizmente não faz", disse.

Lei mais sobre a 14ª Conferência Nacional de Saúde aqui .