Quase dez anos depois da criação da Portaria Interministerial nº 5153/99, que instituía o Programa Nacional de Cuidadores de Idosos, os ministérios da Saúde (MS) e do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (MDS) promoveram um seminário, nos dias 7 e 8 de outubro, no Rio de Janeiro, para lançar o Programa Nacional de Formação de Cuidadores de Pessoas Idosas pela Rede de Escolas Técnicas em Saúde do SUS (RET-SUS). Durante o Seminário, José Luiz Telles, coordenador da Área Técnica da Saúde do Idoso do MS considerou que “talvez a maturidade política tenha sido necessária para que a idéia fosse retomada”. A ação, qualificada como intersetorial, ainda envolve o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). O lançamento do Programa veio na esteira da comemoração do aniversário do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), que completou cinco anos no dia 1º de outubro.



O Programa tem como principal objetivo formar trabalhadores que ofereçam um cuidado adequado à população idosa, principalmente aos chamados idosos dependentes, que possuem restrições físicas ou mentais para desempenhar tarefas do dia-dia. Antes de ser lançado como um programa de rede, a formação de cuidadores era feita de maneira isolada e irregular. “O cuidador não pode ser uma improvisação. É importante que haja uma sistematização das políticas no sentido de evitar agravos, hospitalização e internação em unidades de longa permanência, ou seja, temos que aumentar o número de profissionais, mas de maneira sistematizada”, afirmou Carlos Maia, coordenador da área de Saúde do Idoso da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, durante a mesa de abertura do seminário. Já Telles destacou a especificidade desse profissional, que “não é nem da saúde nem da assistência social”, explicando: “O curso garantirá conteúdos adequados ao nível de complexidade da ocupação, que envolve, além de conhecimentos mais técnicos, o entendimento da legislação referente ao idoso e das redes que podem ser acionadas nesse cuidado, como, por exemplo, a Estratégia de Saúde da Família (ESF)”.



A participação das Escolas Técnicas do SUS (ETSUS) no Programa se deu através de um convite do MS.  “No ano passado, a área técnica de Saúde do Idoso e a Secretaria de Gestão  do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES)  fizeram uma solicitação para que seis ETSUS iniciassem cursos para cuidadores de idosos. A princípio em caráter piloto, o objetivo da proposta era que essas escolas passassem a atuar na formação de cuidadores”, explica Daniel Groisman, coordenador do curso na EPSJV. De acordo com José Luiz Telles, “Ancorar essa política nas ETSUS é uma garantia de continuidade. Mesmo que mudem os governos, a formação do cuidador de idoso estará segura”, aposta. Além da EPSJV, participaram da etapa piloto a Escola Técnica de Saúde de Blumenau (SC), a Escola Técnica de Saúde da Unimontes (MG), a Escola Técnica Professora Ena de Araujo Galvão (MS), a Escola Técnica de Saúde Profª Valéria Hora (AL) e a Escola Técnica em Saúde Maria Moreira da Rocha (AC). Nessa primeira etapa, foram capacitados, aproximadamente, 300 cuidadores, mas a previsão é que, ao ser incorporado pelas 36 escolas da RET-SUS já em 2009, o Brasil forme 12.600 cuidadores anualmente.



“A demanda por essa formação é imensa”, afirmou Carlos Maia. Segundo ele, atualmente, 14% da população do município do Rio, por exemplo, tem acima de 60 anos. Maria Penha Franco, superintendente de Políticas para a Pessoa Idosa da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro (SEASDH), concorda: “Já temos a solicitação de 23 municípios do estado requerendo formação para seus servidores. Alguns desses são municípios do interior, que apresentam quadros de carência de mão-de-obra qualificada e presença demográfica muito marcante de idosos”, disse. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem cerca de 20 milhões de idosos no país, o que representa 10,5% do total de brasileiros. Além disso, a expectativa de vida ao nascer é de 72 anos.



A formação de cuidadores de pessoas idosas é uma preocupação cada vez maior. Segundo o médico gerontologista Alexandre Kalache, ex-chefe do Programa de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), que fez uma conferência durante o evento de lançamento da Programa, o Brasil é um dos países que envelhece de maneira mais rápida no mundo. “A França levou 115 anos para dobrar a sua população de idosos. Aqui no Brasil, nós levaremos apenas 30 anos, pois isso vai acontecer em 2023, quando teremos cerca de 20% de brasileiros acima de 60 anos. Um processo que durou cinco gerações para os franceses e foi acompanhado de melhoria na qualidade de vida de grande parte da população, aqui levará uma geração, sem que haja perspectiva de distribuição de renda”, informa. Daí a necessidade de se ampliar a perspectiva do cuidado: “Nós não estamos treinando quem realmente presta o cuidado”, alerta.



O cuidador familiar



Ainda de acordo com Kalache, o cuidado contemporâneo aos idosos estaria sendo prestado mais pela comunidade do que efetivamente por profissionais: “Uma pesquisa feita pela OMS, na Espanha, apontou que apenas 12% do cuidado aos idosos é prestado por profissionais treinados. A maior parte dessa atenção é feita pela comunidade, sendo que quem realmente cuida desses idosos continua sendo a mulher, que acumula tarefas profissionais e domiciliares a esse cuidado”, informou. Para o médico, as diferenças entre Brasil e Espanha devem ser resguardadas, mas o processo  de cuidado ainda é semelhante. A pesquisa mostrou que as espanholas passam, no total, 240 milhões de horas cuidando de outras pessoas, enquanto os homens gastam um quarto desse tempo com essas atividades.  Com base nessas informações, o médico acha que “é preciso treinar, prestar apoio e dar suporte a essas cuidadoras, pois não fazê-lo seria correr o risco de a estrutura entrar em falência”.



José Luiz Telles concorda e cita outra pesquisa, dessa vez da Inglaterra, que investigou mulheres que cuidavam de parceiros com câncer e concluiu que, devido ao desgaste emocional, elas tinham 60% de chances de morrer antes de seus parceiros. “É preciso que o Estado tenha um papel cada vez mais preponderante. O trabalho de cuidar é solitário e invisível, na medida em que as pessoas não dão valor e acham que o cuidador familiar não faz mais que a sua obrigação. Nós planejamos garantir assistência para essa população menos no sentido do curso de capacitação e mais no sentido do cuidado. A ESF é uma boa saída, já que pode haver um acompanhamento mínimo da situação mensalmente”, avaliou.



Quanto ao cuidado, parece ser consenso que o foco deve ser desviado de instituições de longa permanência, como asilos e colocado na família. “A orientação formativa do curso está vinculada às principais inovações da legislação ligada ao cuidado do idoso, que considera o contexto domiciliar como o mais adequado para que haja qualidade de vida. Tanto o Estatuto quanto a Política Nacional do Idoso e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa já entendem que os investimentos devem ser feitos na área de formação de pessoal qualificado para ajudar essas famílias, e não na ampliação da rede asilar”, explicou Daniel Groisman.