Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

O novo Auxílio Brasil: o que será que será?

Novo programa cria três categorias principais para a distribuição do benefício, coloca várias condicionalidades e deixa dúvidas sobre forma de operacionalização do auxílio
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 17/01/2022 11h09 - Atualizado em 01/07/2022 09h40
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O programa que, desde novembro de 2021, substitui o Bolsa Família é composto por três benefícios principais. O ‘Primeira Infância’ pagará R$ 130 para até cinco integrantes das famílias que tiverem crianças até 3 anos de idade. O ‘Composição Familiar’ vai transferir metade desse valor, R$ 65, para os membros de famílias com gestantes e crianças e jovens até 21 anos, o que é uma ampliação de faixa etária em relação ao Bolsa Família, também mantendo o limite de cinco beneficiários. Ambos são voltados para grupos em situação de pobreza, que significa uma renda per capita inferior a R$ 200. Já o benefício de ‘Superação da Extrema Pobreza’ vai pagar valores diferentes para cada família, de modo que elas superem o rendimento mínimo de R$ 100 por pessoa.

As famílias já inseridas no programa poderão ser elegíveis ainda para seis outros benefícios complementares. “Vale explicar que um conceito fundamental do programa é a criação de instrumentos para as famílias se emanciparem. Dessa forma, o Auxílio Brasil integra várias políticas públicas de inserção socioeconômica, possibilitando às famílias aumentar o valor do benefício básico e trilhar caminhos de emancipação”, explica a nota enviada pela assessoria de imprensa do Ministério da Cidadania em relação a essas outras bolsas.

O ‘Auxílio Esporte Escolar’ pagará 12 cotas mensais de R$ 100 mais uma parcela única de R$ 1000 para famílias em que algum estudante de 12 a 17 anos conquiste até a terceira colocação em competições oficiais dos Jogos Escolares Brasileiros. A mesma lógica de incentivo à concorrência vale para a ‘Bolsa de Iniciação Cientifica’, que terá rigorosamente o mesmo valor do auxílio esportivo, pago a famílias cujos estudantes se destaquem em competições acadêmicas e científicas de abrangência nacional relacionadas à educação básica.

O ‘Auxílio Criança Cidadã’ é um tipo de transferência indireta, já que o recurso será pago a instituições de ensino privadas, independentemente de terem ou não fins lucrativos, que atendam crianças até dois anos, na etapa de creche. Serão R$ 200 para meio período e R$ 300 para turno integral, condicionados à situação em que não houver vaga na rede pública e conveniada. O ‘Auxílio Inclusão Produtiva Rural’ pagará R$ 200 a famílias com agricultores familiares, exigindo, a partir do terceiro mês, que os beneficiários ‘devolvam’ o equivalente na forma de doação de alimentos produzidos. O ‘Inclusão Produtiva Urbana’ destinará o mesmo valor mediante comprovação de emprego formal de um dos integrantes. Por fim, por meio do ‘Benefício Compensatório de Transição’, o Auxílio Brasil prevê a complementação dos valores daqueles cuja migração do Bolsa Família para o novo programa gere perdas financeiras.

Além de muitas dúvidas sobre a forma de operacionalização, algumas dessas inovações já geraram polêmicas e manifestações contrárias. A criação de um mecanismo de voucher para creches, por exemplo, foi alvo de vários movimentos e entidades ligadas às lutas pela educação, que questionaram, principalmente, a opção do governo federal de transferir esse dinheiro a partir das famílias em vez de aumentar o valor do repasse para que os municípios pudessem ampliar sua rede própria ou conveniada. Além disso, a inclusão de instituições privadas lucrativas – e não apenas as filantrópicas – foi criticada e chegou a ser modificada na votação na Câmara dos Deputados, mas voltou ao texto depois da apreciação do Senado.

O cenário de desemprego e alta informalidade do país é o ponto de partida para as críticas ao benefício da inclusão produtiva urbana, que está condicionado à existência de pelo menos um vínculo formal na família. Também em relação à inclusão produtiva rural a crítica recai sobre a condicionalidade. Num texto em que analisa a MP do Auxílio Brasil publicado na revista de debates da Fase nº 130, Silvio Porto argumenta que essa exigência é “totalmente descabida”, tendo em vista o “perfil socioeconômico das pessoas que podem acessar esse Auxílio e a indisponibilidade de excedentes produtivos alimentares por parte desse público, pois mal tem o que comer”. De acordo com o pesquisador, o problema pode se tornar ainda mais grave porque o desenho do novo programa não prevê qualquer tipo de seguro rural. “Desse modo, ocorrendo perdas em decorrência de problemas climáticos, as famílias que acessarem esses recursos estarão ainda totalmente vulneráveis. Além da perda da safra, passariam a ter uma dívida”, diz, no texto.

Por fim, os benefícios voltados para os campeões de competições esportivas e científicas têm sido considerados com pouca capacidade de ampliar, de fato, a cobertura do programa. “Vai ampliar pontualmente. Um medalhista vai ganhar”, argumenta Tereza Campello. Mas ela vai além, analisando os efeitos da concepção que justifica essas bolsas. “É completamente irregular você jogar no colo de uma criança, um jovem ou um adolescente a responsabilidade de a família ter o que comer. Se você for bem em matemática e ganhar medalha, a sua família vai comer e o seu irmãozinho não vai morrer de fome”, critica. E completa: “Uma coisa é querer criar condições para que esse jovem vá bem nos esportes e na iniciação científica. Mas não se pode fazer isso tendo como contrapartida a fome e a tragédia social”.

tópicos:

Leia mais

E você? Já superou seu preconceito hoje? Aporofobia significa medo e ódio aos pobres, algo que tem sido bastante observado com a disseminação de fake news sobre o Bolsa Família
Pesquisa realizada pela Fiocruz Bahia traz evidências sobre a redução da mortalidade infantil após a criação do Bolsa Família. O dado mais geral trazido pela pesquisa é que, entre as beneficiárias do programa, houve uma redução de 17% na mortalidade de crianças entre 28 dias e um ano de vida
Pesquisadores descrevem o contexto e as disputas que estavam presentes na criação do Bolsa Família, destacam a importância da sua articulação com a rede de assistência social e se mostram apreensivos sobre o programa que o substituiu