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Pesquisa traz dados sobre a percepção dos estudantes a respeito do Novo Ensino Médio

Itinerário de formação profissional é o que mais gera interesse por parte dos estudantes. Pesquisa, encomendada por entidades do Sistema S, comparou a percepção sobre a escola de jovens que já estudam sob a estrutura curricular trazida pela Reforma do Ensino Médio e dos de escolas com currículos tradicionais
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 29/10/2021 13h33 - Atualizado em 01/07/2022 09h41
Protesto dos estudantes secundaristas em São Paulo contra a MP da Reforma do Ensino Médio em 2016 Foto: Tuane Fernandes

Uma pesquisa divulgada na terça-feira (26) trouxe dados comparando a percepção sobre a escola e as perspectivas de futuro de estudantes de ensino médio que já estão sob a estrutura curricular trazida pela Reforma do Ensino Médio – prevista na lei 13.415/2017 - e aqueles que ainda estudam segundo o currículo dito tradicional, pré-reforma. Encomendada pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), e realizada pelo Instituto FSB Pesquisa, o levantamento ouviu 2 mil alunos, sendo 1 mil do currículo tradicional e 1 mil de escolas da rede pública de São Paulo, do Mato Grosso do Sul e também do Sesi que já implementaram os currículos do chamado Novo Ensino Médio.

Os dados da pesquisa mostram um grau de satisfação ligeiramente maior com a escola por parte dos estudantes cursando o Novo Ensino Médio em relação ao ensino médio tradicional, e apontam que o itinerário da formação profissional é o que mais gera interesse por parte dos estudantes, entre os cinco itinerários previstos pela Reforma do Ensino Médio: formação técnica e profissional, linguagens, ciências humanas, ciências da natureza e matemática. O interesse por ingressar no mercado de trabalho logo após o ensino médio é o motivo mais alegado para a escolha dos itinerários, embora a grande maioria dos estudantes, em ambos os currículos, afirme ter interesse em cursar o ensino superior. A pesquisa também indicou um alto número de estudantes do ensino médio que trabalham, sendo a maioria em empregos precários.

A divulgação da pesquisa chega em um contexto de indução pelo governo federal da implementação da Reforma do Ensino Médio, processo que vinha em ritmo lento por conta da pandemia do novo coronavírus.  Em julho, o Ministério da Educação (MEC) publicou uma portaria com o novo cronograma de implementação da reforma, que começa a ser implementada no 1º ano do ensino médio a partir de 2022, sendo que o prazo para que ela seja implementada em todos os anos ficou para 2024. Também na última terça-feira, 26, o MEC lançou uma formação complementar voltada ao novo ensino médio para professores da rede pública.


Dados inéditos sobre a Reforma

Segundo o levantamento do Instituto FSB Pesquisa, 77% dos estudantes do novo ensino médio estão muito satisfeitos ou satisfeitos com a escola, percentual um pouco maior do que os do currículo tradicional: 70%. Para 89% dos estudantes do novo ensino médio, a escola ajuda a “definir o futuro e desenvolver competências”, contra 82% no tradicional; 78% dos estudantes do novo ensino médio, por sua vez, demonstram otimismo com relação a seu futuro profissional, contra 68% do ensino médio tradicional.

“O que eu sempre digo é que os jovens são muito generosos na hora de avaliar as suas escolas, tem um grau de satisfação bastante alto”, observa o coordenador do Grupo de Pesquisa Observatório Jovem do Rio de Janeiro da Universidade Federal Fluminense (UFF), Paulo Carrano, comentando os resultados da pesquisa. Mas pondera: “Esse dado muitas vezes é utilizado por gestores, por pessoas que implementam as políticas públicas, como quase que um atestado de que as coisas estão indo bem. O problema é que a maioria desses jovens não tem muitos elementos para comparar, eles não têm uma escola de excelência, com infraestrutura adequada, com tudo funcionando. Então é preciso também relativizar esse dado, mas de um modo geral, eles são generosos com as suas escolas”, completa.

A pesquisa aponta ainda que o percentual de alunos que em algum momento já consideraram sair da escola foi menor no novo ensino médio, 13%, do que no tradicional, 17%. Entre os principais motivos apontados para isso estão a necessidade de trabalhar (29%), a falta de interesse (26%), relação ruim com professores, diretores e colegas (15%) e a percepção de que a escola não atendia as expectativas dos estudantes (13%). Sete em cada dez estudantes do novo ensino médio expressaram interesse em um curso técnico/profissionalizante, similar ao percentual encontrado no ensino médio tradicional: 68%. Com relação ao currículo do novo ensino médio, o itinerário de formação técnica e profissional foi apontado como a preferência de 26% dos estudantes, seguido de Linguagens (20%), Ciências Humanas (18%), Ciências da Natureza (16%) e Matemática (11%), sendo que 9% não soube responder. Entre os motivos mais alegados para a escolha da formação técnica estão a de ampliar os conhecimentos em uma área específica (35%), começar a trabalhar logo após o ensino médio (27%) e estar mais preparado para a universidade (20%). Além disso, segundo a pesquisa, o trabalho já é uma realidade para 26% dos estudantes que responderam a pesquisa, sendo que a maioria, 32%, trabalham com “freelance/bico”.

“Acho que é mais uma sinalização que os estudantes dão da necessidade de políticas que os apoiem para que eles possam estudar sem ter que concorrer com trabalhos de maneira frequente, ou que eles trabalhem de maneira integrada com os seus currículos”, pontua Paulo Carrano. Para ele, o interesse na formação técnica por boa parte dos estudantes sinaliza que os jovens desejam uma “articulação maior entre teoria e prática”. “Acho que em grande parte essa dimensão do apoio a um ensino técnico profissionalizante é também uma crítica à dissociação entre o pensar e o fazer, que muitas vezes a escola de fato falha. Mas isso não é uma prerrogativa desta proposta do Novo Ensino Médio, que nasce no Brasil de maneira atabalhoada, atropelada, por medida provisória, com simulação de participação”, lembra Carrano, fazendo referência ao contexto que se seguiu a apresentação da Reforma por meio da MP 746 durante o governo Michel Temer, em 2016. Momento marcado inclusive por milhares de ocupações de escolas por todo o país organizadas por estudantes secundaristas, em parte, como protesto à Reforma do Ensino Médio. “A legislação brasileira já vislumbra a possibilidade de que o ensino médio garanta ao estudante uma formação técnico-profissional e que também constitua o acervo necessário para perseguir a escolarização em nível superior se assim o desejar. Isso é o fundamento da educação básica no Brasil. O que a gente não tem é política pública suficiente para fazer a consecução desses objetivos”, argumenta.

Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), informa que a entidade está em vias de publicar uma nota técnica sobre a Reforma do Ensino Médio. “A nossa principal reivindicação tem sido a construção de uma escola que queremos com os estudantes, e não para os estudantes, sem a falácia de que o ensino médio precisa ser só para o trabalho ou só para o ensino superior”, pontua.  Segundo ela, o contexto dos últimos dois anos traz ainda mais desafios que precisam de resposta do poder público, por conta da pandemia. “Estamos falando de salas de aula esvaziadas, estudantes submetidos ao subemprego trabalhando com aplicativos de entrega, jovens que desistiram de estudar, um Enem com o menor número de inscritos em 13 anos. Enfim, um agravamento da desigualdade social. Mais do que nunca precisamos de um ensino médio que ofereça uma formação mais ampla a esses estudantes”, sinaliza.


Carteira assinada é desejo de metade dos estudantes

A pesquisa, no entanto, também revela uma visão positiva em relação às mudanças trazidas pela Reforma do Ensino Médio entre os estudantes ouvidos: 84% concorda totalmente ou em parte com a afirmação de que “o Novo Ensino Médio irá desenvolver os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para os jovens”; 83% concordam totalmente ou em parte com a afirmação de que o Novo Ensino Médio “irá fortalecer o protagonismo dos jovens ao possibilitar a escolha da área que desejam aprofundar seus conhecimentos”; 83% concordam total ou parcialmente com a afirmação de as mudanças curriculares farão com que as escolas  formem jovens “mais preparados para os desafios e demandas do atual mercado de trabalho”; 81% concordam total ou parcialmente com a afirmação de que o Novo Ensino Médio “irá promover a elevação da qualidade do ensino no país”; por fim, 76% concordaram total ou parcialmente que a reforma “irá contribuir para maior interesse dos jovens em ir e se manter na escola”.

Samuel Rodrigues, estudante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), onde o currículo da formação profissional é integrado ao do ensino médio regular, faz algumas ponderações aos resultados da pesquisa: “Os jovens,  especialmente os mais atingidos pela pandemia, sofrem grandemente os impactos da desigualdade do acesso ao trabalho, e a preocupação imediata da renda e a demanda por uma formação técnica é materialmente compreensível”, diz Rodrigues, e completa: “Mas mesmo que concordemos que o ensino médio necessita de uma reforma curricular, o que me parece aceitável, esperar que essa seja a reforma desejada, quando não se pensa ou fala muito do acesso ao ensino médio que segue defasado, ou das expectativas de inserção no mercado de trabalho de uma geração que nessa pesquisa deliberadamente indicou estar vinculado ao trabalho e ao subemprego de freelancer. Isso é essencialmente um fenômeno material, da fase e momento que vivemos no Brasil e no mundo, inevitavelmente relacionado com a uberização do trabalho”. Para Samuel, conciliar uma “formação técnica que capacite para o mercado de trabalho sem negligenciar a formação geral que é altamente necessária para uma formação política”, seria o caminho ideal para o ensino médio. Mas pondera: “Que lugar haverá para esses profissionais formados?”.


Que protagonismo?

Paulo Carrano chama atenção para o fato de que, de acordo com a pesquisa, para 50% dos estudantes ouvidos, o maior fator de atração do mercado de trabalho será a obtenção de um emprego formal, com carteira assinada, enquanto 35% deles indicaram que pretendem ser empreendedores e 11%, autônomos. “A maioria dos jovens respondeu que quer um trabalho com carteira assinada, com segurança, com proteção, aposentadoria. E 35% querem ser empreendedores. Isso é um dado muito interessante, porque esta ideia do empreendedorismo tem sido repetida como um mantra, como a única saída possível em um momento de fragilização do mundo do trabalho, de insegurança. As respostas são um sinal interessante de que há uma percepção desses jovens que esse mundo do empreendedorismo, de um modo geral, é também o mundo da desproteção”, avalia.

Para o coordenador do Observatório Jovem da UFF, a ideia de “protagonismo” dos jovens trazida pela reforma também deve ser questionada à luz das demandas apresentadas pelos estudantes no processo de resistência à Reforma do Ensino Médio, principalmente através das ocupações estudantis em 2016. “O protagonismo é medido pelo espaço que uma instituição dá para tomada de decisão. Esse é o nó da participação da vida cidadã em geral, nas escolas, mas também na vida social mais ampla. Até que ponto uma instituição permite que os seus sujeitos atuem na tomada de decisões?”, questiona Carrano, para quem as ocupações estudantis foram um movimento de tensionamento do espaço dado aos estudantes para participação na tomada de decisões no ambiente escolar. “Mas não foi isso que a gente viu dali em diante. As ocupações ou foram rechaçadas, ou foram atacadas e quando terminaram houve uma pressa muito grande para apagar as suas marcas, isso de pintar logo as paredes, de reorganizar o espaço para aquele normal escolar, mais hierarquizado, menos em círculo como os jovens fizeram”, resgata. E completa: “Sem contar os episódios de violência institucional que nós registramos, devido a essa enorme dificuldade das instituições da democracia no Brasil serem de fato democráticas, o que significa lidar com conflito, com a diferença, de maneira democrática. Sem isso não é possível falar em protagonismo”.

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