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Pesquisadores analisam critérios e resultados do IDH

Indicadores de educação e renda melhoraram, mas Brasil ainda é o sétimo país mais desigual do mundo.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 09/10/2009 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


A educação é o destaque do Brasil no relatório do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) divulgado pelo Programa das Nações Unidas (PNUD) nesta semana. Enquanto o IDH do Brasil ficou em 0,813, o IDH Educação é de 0,891, puxado, entre outras coisas, pela taxa de adultos (maiores de 15 anos) alfabetizados, que é de 90%. A vice-diretora de Ensino e Informação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Márcia Valéria Morosini, ressalta que o IDH deve ser analisado com cautela. Ela lembra que o IDH foi criado com a finalidade de possibilitar comparações entre países, mas que nessa comparação certas condições específicas de cada país não são consideradas como deveriam. “Além disso, é um índice que mede desenvolvimento, noção que merece, só ela, uma série de questionamentos, mas que também implica uma análise de um período de maior prazo, não podendo, assim, ser tomado como um retrato, uma posição num dado momento. Também devemos considerar se é válido tratarmos de um ou outro IDH separadamente, uma vez que ele é um esforço de composição entre outras características, além da dimensão econômica, para se pensar o desenvolvimento humano. Assim, a educação deve ser considerada em relação com a longevidade e com o PIB per capta, sob pena de incorrermos num outro tipo de redução”.



No ranking do IDH, o Brasil manteve a 75ª posição, entre 182 países. Entre os países da América Latina, o Brasil está atrás de países como o Chile (44º), Argentina (49º), Cuba (51º), Venezuela (58º) e Panamá (60º).



Para o índice do IDH Educação, contribuíram a taxa de alfabetização de adultos, de 90%, e o índice de matrículas nas escolas e universidades, de 87,2%. O relatório do PNUD também mostra que 70,4% da população brasileira ainda tem nível de escolaridade baixo (inferior ao ensino secundário), 21,2% têm nível médio de escolaridade e 8,1% cursaram o ensino superior. No ano passado, o IDH Educação do Brasil era de 0,888. “Com esses dados podemos ver o tamanho do desafio que está posto para as políticas públicas no país, não só de educação, se compreendermos que os condicionantes dessa situação extrapolam os limites setoriais e precisam ser enfrentados com políticas e ações transformadoras que promovam justiça e igualdade social”, opina Márcia.



Márcia também analisa que o índice da educação poderia ser mais completo. “Um índice geral como esse que, no caso da educação, trabalha com duas variáveis - o índice de analfabetismo e a taxa de matrículas em todos os níveis de ensino -, oferece poucos elementos, se comparado com as possibilidades de questões que podemos lançar ao desenvolvimento da educação no Brasil. Por exemplo: qual a qualidade da alfabetização promovida em nosso país? Porque o letramento funcional é uma realidade no Brasil; o letramento acrítico, pouco reflexivo e compreensivo, também. Em relação à taxa de matrículas, qual a participação das escolas públicas nesse resultado e qual a taxa de evasão dos vários níveis de ensino no Brasil? Quantos concluem em relação ao número dos que ingressam? Que sexo e que estrato social têm essas pessoas? Quais as diferenças regionais?”, questiona. E completa: “O IDH pode ser um ponto de partida, e acho que tem sido, para formularmos essas e outras questões, mas precisamos ter em mente o sentido que se deseja dar a esse tal desenvolvimento humano”.



IDH Saúde



O IDH Saúde do Brasil ficou em 0,787. Esse índice leva em consideração indicadores como a expectativa de vida da população, que no ano de 2007 era de 72,2 anos, e a taxa de mortalidade infantil de menores de cinco anos. No Brasil, essa taxa entre as famílias mais pobres é de 99 em cada mil nascimentos, chegando a 119 em mil quando as mães são analfabetas. Já nas famílias mais ricas, são 33 mortes a cada mil nascimentos e 37 em mil no caso das mães que têm nível de educação mais elevado. “Os dados do IDH Saúde informam mais uma vez o problema dos determinantes sociais de saúde/doença, relacionando políticas sociais de educação e de maior distribuição de renda para poder melhorar os indicadores de saúde. Ou seja, o rico do relatório não é analisar cada dimensão separadamente, mas principalmente relacioná-las”, diz o pesquisador da EPSJV, Gustavo Matta.



Para Gustavo, o IDH é um bom índice para medir o desenvolvimento dos países, mas tem algumas limitações, pelo fato de não levar em conta as particularidades de cada nação. “Não há como comparar um sistema de saúde como o brasileiro, por exemplo, que se pretende universal, com sistemas de saúde privados, como acontece em muitos países. O IDH apaga as especificidades e cria um ranking, que acaba virando um motivo de competição entre os países para atrair investimentos internacionais”, analisa.



O pesquisador lembra que para estabelecer um ranking é importante produzir critérios comuns, ou seja, procurar valorizar o que é padrão semelhante e não o que é singular em cada país. “Com isso, os países são transformados em meros escores numéricos desconectados de seus contextos políticos, culturais e sociais. É fundamental saber interpretar os dados a partir de outras evidências”, diz.



Gustavo lembra que o IDH tenta ser um índice mais completo, que leva em conta vários indicadores. “O IDH representa um avanço em relação ao ranking de renda per capita que era usado na década de 50, mas ainda não mostra, por exemplo, todos os itens que compõem a dimensão saúde. O índice inclui alguns itens, como a expectativa de vida, mas não leva em conta as diferenças existentes no caso de um país grande como o Brasil, onde cada região tem uma realidade distinta. O PNUD pega um dado bruto e usa para compor o índice, o que algumas vezes pode não corresponder à realidade de todas as localidades do país”, diz Gustavo.



IDH Renda



A pesquisa mostra que, no quesito renda, o Brasil teve uma melhora na distribuição de riquezas, mas é o 7º país mais desigual do mundo. Neste ano, o IDH, indica que os 10% mais ricos da população brasileira ganham 40,6 vezes mais que os mais pobres. No ano passado, os mais ricos ganhavam 51,3 vezes mais que os pobres e o país era o 10º mais desigual. “Nos últimos anos, a renda proveniente do trabalho começou a recuperar parte das grandes perdas que teve nas décadas de 80 e 90, mas a desigualdade na distribuição de riquezas no Brasil ainda é absurda. Tanto que o Índice de Gini do Brasil ainda é muito alto”, analisa o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Márcio Pochmann.O índice Gini mede o grau de desigualdade na distribuição de renda e varia de 0 a 100, sendo que quanto mais próximo de 100, maior a desigualdade. De acordo com o relatório divulgado pelo PNUD, o Índice de Gini do Brasil é 55 e o IDH Renda é de 0,761.



Na avaliação de Pochmann, as políticas adotadas pelo governo visando à melhor distribuição de renda estão no caminho certo. “Os indicadores apontam que o crescimento da economia, a expansão do mercado de trabalho e a proteção da base social têm contribuído para a melhora na distribuição de renda e esses fatores têm um papel ativo das políticas de governo. Isso mostra que o país está no caminho certo, mas é preciso que haja mais ousadia nas políticas públicas”, finaliza o presidente do IPEA.