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Por uma saúde mental menos medicalizada

O dia foi de discussão das ações atuais no campo da saúde mental e apontou novos horizontes com visões de representantes de diversos países.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 18/09/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Entre tantas atividades do penúltimo dia do IV Congresso de Saúde Mental, em Manaus, duas se destacaram pela proximidade da temática. A primeira foi a palestra ‘Anatomia de uma epidemia global: História, Ciência e Efeitos a Longo Prazo das Drogas Psiquiátricas' proferida pelo jornalista e pesquisador norte-americano Robert Whitaker sobre os efeitos da medicalização a longo prazo. A outra atividade ‘Imaginando um futuro diferente para a saúde mental" seguiu a mesma análise, mas apontou para caminhos distintos para o campo. Além de Whitaker, esta atividade contou ainda com a participação dos pesquisadores Ernesto Venturini, da Itália; Manual Desviat, de Madri; e Raul Gil Sanchez, de Cuba.

Na atividade em que Robert Whitaker apresentou sua pesquisa, ele mostrou que além do tratamento fazer mal aos usuários a longo prazo, pode também ser prejudicial à economia. Robert usa o caso dos Estados Unidos para exemplificar sua tese. Segundo ele, em 1987 eram 1,2 bilhões de pessoas que recebem pensões devido a problemas com saúde mental. Em 2007, este número chegou a 5 milhões de pessoas. "Este fenômeno se deu justamente após a entrada do Prozac no mercado", afirmou o pesquisador que completou: "Quando imaginávamos que com tratamento, o número de pessoas iria diminuir o que acontece é justamente o contrário". Robert afirma que esse fenômeno também se deu em outros países como a Nova Zelândia, que aumentou em quatro vezes o número de pessoas com transtornos mentais de 2001 a 2007; a Suécia também teve um aumento de 60% no número de pessoas com algum tipo de doença mental neste período.

A pesquisa de Robert é baseada em longo prazo, diferentemente das mais tradicionais que avaliam períodos mais curtos, que, segundo ele, traz resultados completamente distintos. "Essas drogas quando analisadas em curto prazo fazem efeito positivo, mas busquei ver como isso vem acontecendo ao longo de 10, 20 anos e percebi que as drogas podem piorar os usuários a longo prazo", explicou. "As pesquisas mostraram que a recuperação com antipsicóticos é de 40%, enquanto a recuperação daqueles que tomam psicóticos é de 5%", afirmou Robert.

Para ele, não é possível eliminar o uso dos medicamentos, principalmente, quando se trata de pessoas com surto psicótico e que precisam se estabilizar, mas depois deste momento é preciso uma análise seletiva. "É importante analisar dentro do grupo quem pode continuar e quem pode parar de usar esses medicamentos. Na Finlândia desde 1992 uma terapia nesses moldes vem sendo adotada. E eles têm os melhores resultados a longo prazo do mundo ocidental", afirma o pesquisador.

Para Ernesto Venturini, da Itália, na segunda atividade sobre o mesmo tema, a psiquiatria é um grande simulacro. "A indústria de medicamentos mudou a imagem das drogas psiquiátricas. Envolveu as crianças e os adolescentes". Manuel Desviat, de Madri, completou com a análise de que está havendo um fenômeno de criação de enfermidades. "Mudam riscos e sintomas; vendem sintomas ocasionais como epidemias; precisamos dar a devida importância à iatrogenia, que é um grave problema de saúde pública. Não só das que surgem nas técnicas terapêuticas médicas ou cirúrgicas, mas também descobrir que pode se produzir ainda na promoção e prevenção em saúde", refletiu.