Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Por uma vigilância em saúde integrada

Conferência Nacional de Vigilância em Saúde busca superar a fragmentação da área e fomentar a participação da sociedade nos processos decisórios
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 23/11/2017 15h44 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

‘Vigilância em Saúde: direito, conquistas e defesa de um SUS público de qualidade’: este é o tema central da 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde (CNVS), que acontece entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro de 2017. Sob a organização do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o evento pretende reunir cerca de duas mil pessoas em Brasília (DF), entre trabalhadores, usuários, gestores, conselheiros municipais, estaduais, nacionais e secretários de saúde, além de uma série de representantes de movimentos sociais em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), em busca da construção da Política Nacional de Vigilância em Saúde. O objetivo é debater com a sociedade brasileira o direito à promoção e à proteção da saúde.

Mas afinal, o que é vigilância em saúde? As discussões sobre o campo, intensificadas a partir da década de 1990 em torno da reorganização do sistema de vigilância epidemiológica, estão focalizadas em três elementos que deveriam estar integrados, segundo realça o ‘Dicionário da Educação Profissional em Saúde’. São eles: a vigilância de efeitos sobre a saúde, como agravos e doenças, tarefa tradicionalmente realizada pela vigilância epidemiológica; a vigilância de perigos, como agentes químicos, físicos e biológicos que possam ocasionar doenças e agravos, tarefa tradicionalmente realizada pela vigilância sanitária; e a vigilância de exposições, através do monitoramento da exposição de indivíduos ou grupos populacionais a um agente ambiental ou seus efeitos clinicamente ainda não aparentes (subclínicos ou pré-clínicos).

Professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Maurício Monken  explica que a vigilância em saúde, ainda que não seja reconhecida por boa parte da população como sendo parte do Sistema Único de Saúde (SUS), se confunde com a própria saúde pública. “O controle dos vetores e mosquitos é do SUS, que também diz respeito às condições de vida das populações”, exemplifica. Ele recorda as campanhas sanitárias lideradas pelo sanitarista  Oswaldo Cruz voltadas para a erradicação do mosquito transmissor da febre amarela na década de 1920. “A vigilância em saúde é uma área que, apesar de impactar o dia a dia das populações, nunca teve um debate cientifico que pensasse sua atuação”, observa. Maurício avalia que o não reconhecimento da área se deva à fragmentação de suas subáreas, ou seja, das vigilâncias epidemiológica, sanitária, ambiental e da mais nova saúde do trabalhador. “São estruturas operacionais da vigilância em saúde que nunca conversaram entre si”, afirma.
 

Sistemas que não dialogam

Um exemplo dessa fragmentação diz respeito à existência de dois sistemas nacionais de vigilância, com atribuições e papéis bastante distintos. O Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, como explica o professor da EPSJV, é herdeiro da vigilância epidemiológica. “Esse trabalha com a informação para a ação e se aproxima mais com os processos de atenção básica”, garante. Já o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, acrescenta, ao agir sobre os problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção, da circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, cumpre um papel único de fiscalização sobre a produção, o armazenamento, o transporte e o consumo de bens e produtos. “A vigilância sanitária é a única que tem o papel de polícia”, assegura. Ele realça também que a regulação das vigilâncias ambiental e da saúde do trabalhador é feita, respectivamente, pelos ministérios do Meio Ambiente e do Trabalho. “Ou seja, fora da área da saúde”, critica.

Destaca-se também nesse contexto o esvaziamento do próprio poder de fiscalização da vigilância sanitária. De acordo com Maurício, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, que é responsável por criar normas e regulamentos e dar suporte para todas as atividades da área no país, vem sendo substiuída pelo poder Legislativo quanto às atribuições de regular todo o processo de controle e fiscalização sobre a produção de produtos, como os medicamentos. “E isso é bastante perigoso, pois é no poder Legislativo que residem os interesses de mercado”, adverte, lembrando o lobby de grandes corporações farmacêuticas no parlamento para aprovar medicamentos, a exemplo da lei que libera a prescrição, manipulação e venda de sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol, substâncias usadas para inibir o apetite, aprovada pelo Congresso em junho de 2017 e sancionada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em exercíco, na ocasião, na Presidência da República.

Maurício acredita, portanto, que a 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde cumprirá um papel importante para o combate do lobby empresarial que impacta as funções da vigilância sanitária, por exemplo, bem como para a superação da fragmentação da área, ao pensar três palavras-chaves: democracia, proteção e território. “A democracia serve para fomentar na vigilância em saúde a participação da sociedade. A proteção, para que a área conquiste a intersetorialidade, a partir do entendimento que os problemas são complexos e, portanto, não têm origem apenas na questão social, cultural ou ambiental. Já o território pode ser entendido como lugar onde se produz a saúde e a doença e, consequentemente, torna-se primordial para pensar a melhor forma de atuar na produção da saúde da população. “É uma categoria que pode ajudar a organizar os processos de trabalho e dar voz a população”, orienta o pesquisador. E acrescenta: “Espera-se assim que a conferência consiga elaborar uma Política Nacional de Vigilância em Saúde, apontando processos, programas e diretrizes que rompam com a fragmentação e promovam a intersetorialidade e a participação popular com foco nas realidades”.