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Projeto propõe mais recursos para capacitação tecnológica

Autor do PL afirma que se trata de uma proposta paliativa para ajudar ascamadas da população excluídas da educação formal.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 20/05/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Autor do PL afirma que se trata de uma proposta paliativa para ajudar as
camadas excluídas da educação formal.



 



O Projeto de Lei (PL) 7394/2006 , que cria um fundo para a realização de cursos e outras iniciativas de capacitação tecnológica da população, já foi aprovado por todas as comissões da Câmara e agora segue para o Senado. O projeto garante que 1,5% do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e 5% do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) sejam destinados ao Fundo de Extensão da Educação Profissional (FEEP), que será criado justamente para sustentar as iniciativas de capacitação tecnológica da população.



O PL inclui entre as possibilidades de iniciativas a serem financiadas cursos e programas de educação e qualificação profissional, excetuando-se os de educação de nível superior; ações de extensão de instituições públicas de nível superior; ações de assistência técnica e extensão rural; e "outras ações estabelecidas pelo Poder Público desde que devidamente regulamentadas".



O Deputado Federal Ariosto Holanda (PSB/CE) é um dos autores da proposta, junto ao Conselho de Altos Estudos da Câmara, que funciona como uma assessoria da mesa diretora da Casa. Segundo ele, a proposta tem origem nos Centros Vocacionais Tecnológicos (CVT's), criados no Ceará. Os CVT's oferecem cursos para a população de acordo com a vocação produtiva das regiões e hoje funcionam em 21 estados. Ele explica que o projeto foi pensado para estimular a formação de pessoas pobres, que não estão inseridas na educação formal e apresentam altos índices de analfabetismo e analfabetismo funcional. "Quando analisamos as políticas na área de capacitação observamos que elas têm avançado na área de ensino formal. A educação básica está mais fortalecida com o Fundeb [Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica], o Ensino Médio melhorou, a Universidade de certa forma também, com o avanço do Prouni e houve o avanço dos Institutos Federais, já que praticamente foi triplicado o número das antigas escolas técnicas federais. Mas quem está cuidando deste povão? Só chegamos até eles com o trabalho de extensão", aposta o deputado.



Ariosto Holanda afirma ainda que o PL quer atender "às pessoas que não tem mais tempo de ir à escola". De acordo com o deputado, com a aprovação do fundo serão investidos cerca de R$ 200 milhões por ano nestas iniciativas. "Hoje, por exemplo, com as obras do PAC está faltando pedreiro, soldador, eletricista, mestre de obras. Não tem ninguém formando essas pessoas. Mas elas podem ser formadas com extensão. Podemos formar um eletricista com 300 horas de curso, um agente de saúde com 200 horas. Hoje tem muita gente procurando emprego, e na contramão, trabalho procurando profissional", sustenta.





A vice-diretora de ensino e informação e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Márcia Valéria Morosini, alerta que o projeto corre o risco de naturalizar o fato de grande parte da população não ter acesso a uma educação de qualidade. "Precisamos apostar em um sistema nacional de ensino inclusivo, que agregue estas pessoas que estão fora e também que garanta condições para elas permanecerem. O PL cria um procedimento paralelo num cenário político que possibilitou a criação de cursos desregulamentados, sem carga horária mínima, voltados para as necessidades imediatas do mercado. O que queremos é que os recursos públicos sejam voltados para a escola, de forma universal, e atenda a todos, sem se reduzir aos imediatismos do mundo do trabalho", aponta. Segundo ela, há ainda outra naturalização perigosa: a que reconhece que esse aluno precisa procurar outros caminhos, mais curtos e aligeirados, porque a escola (e o sistema de ensino formal) não vai mesmo se preparar para atender às suas necessidades.



Para a professora, há iniciativas já existentes que podem ajudar a resolver os problemas da exclusão da população dos processos educativos, garantindo mais qualidade. Ela dá o exemplo do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja). "Por que não reforçamos as estratégias que já existem, que são projetos com uma dimensão mais integral, que buscam associar a formação geral - que é cultural, ética, política - com a educação profissional, como é o caso do Proeja?", questiona. Márcia ressalta que, com mais investimentos no programa, seria possível resolver problemas como a necessidade de se garantir uma carga horária mais extensa para os alunos. Além disso, reconhecendo a urgência de quem precisa trabalhar para garantir a sua subsistência, explica que o que gera emprego não é a educação e sim o modelo de produção.



Márcia Valéria discorda, por exemplo, da avaliação do deputado de que um Agente Comunitário de Saúde pode ser formado em um curso de 200 horas. Explica que a EPSJV/Fiocruz tem atuado ativamente na discussão a respeito da formação dos Agentes Comunitários de Saúde - participou da elaboração dos referenciais curriculares do curso técnico e tem uma experiência-piloto de formação técnica para esses profissionais no Rio de Janeiro. Segundo ela, todas as pesquisas indicam que uma formação rápida como essa não dá conta da complexidade desse trabalho "É preciso questionar se este trabalhador formado em 200 horas entende de saúde, de educação, de economia, de política, de trabalho, de história -  eixos importantes para a formação de um trabalhador inserido na complexidade que é o trabalho da saúde. As nossas pesquisas têm ouvido muito os agentes comunitários e eles não tem como pauta há muito tempo uma formação reduzida, eles defendem e querem se instituir como técnicos", diz.



A pedagoga Janete Evangelista, também da EPSJV/Fiocruz endossa a critica sobre o incentivo a cursos de curta duração. "O ideal seria uma educação de longa duração, de mais qualidade. O PL reforça a dualidade da educação porque é destinado às camadas mais empobrecidas, enquanto outros setores têm uma educação de mais qualidade", opina.



O deputado Ariosto Holanda concorda que não se trata de uma política que irá reverter o quadro da educação no país. "Sempre lutei pela universalidade do ensino, mas hoje há uma urgência de tirar o paciente da UTI. Nós temos uma dívida muito grande de educação para com o nosso povo, e esse povão precisa sobreviver. É uma solução paliativa, mas nós temos 800 milhões de analfabetos e temos uma proposta para eles de curto prazo, porque eles precisam trabalhar", responde.



Ariosto também ressalta a perversidade do modelo político-econômico que vigora no Brasil. "Enquanto não pensarmos o país de uma maneira diferente, na qual a lógica não seja apenas o mercado e a política de desenvolvimento tenha como base o homem e não a empresa, nós vamos viver essa questão. Esse povão está aí e a tendência é crescer porque a lógica desse modelo econômico é perverso, pensa em lucro máximo em menos tempo com menos mão de obra. É um modelo que exclui mesmo", conclui.



Para Márcia Valéria, o projeto, ainda que bem intencionado, reforça esse quadro crítico que o próprio deputado diagnostica. "O problema é que este tipo de programa preserva a UTI", analisa.





Extensão serve a quem?



A diretora e pesquisadora da EPSJV/Fiocruz, Isabel Brasil, concorda que o projeto é uma política compensatória, que não representa a solução dos problemas de educação no Brasil, mas que neste sistema é difícil fugir deste tipo de política."Todas a políticas no capitalismo vão para o viés mais compensatório. Este projeto tenta correr atrás destas mazelas", diz.

Ela lembra que historicamente, no país, a extensão cumpre um papel de acordo com o momento político e histórico pelo qual o Brasil está passando. "Na ditadura, a extensão era um espaço para se fazer a leitura do Paulo Freire, do Gramsci, era uma maneira de fazer as atividades condenadas pelo regime. Já na década de 1990, com o acirramento do neoliberalismo, são estes cursos de extensão que vão promover a privatização, com curso pagos", analisa.



Esse é, inclusive, um ponto do projeto que Isabel destaca como complicado:  a possibilidade de as instituições que receberem recursos do fundo poderem oferecer cursos pagos. O parágrafo 1º do artigo 6º do projeto de lei afirma que o total de vagas cobradas anualmente em cada modalidade não pode exceder 10% do total."É claro que está dizendo que não pode ultrapassar os 10%, mas aí está a brecha para ter cursos pagos", enfatiza.





Fundep



Tramita no senado uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 24/05 , de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), que cria outro fundo - o Fundo de Desenvolvimento da Educação Profissional (Fundep). Pela PEC, 2% do produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além de 7% da arrecadação do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) devem ser destinados à educação profissional.



A proposta está na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado, passará por outras comissões antes de ir ao plenário da casa e depois seguirá para a Câmara dos Deputados. No caso da PEC 24/05, o fundo proverá recursos para os cursos oferecidos pelas instituições de ensino públicas e privadas onde há oferta de educação profissional. Portanto, não se trata de extensão, como mencionado na PL 7394/2006 . Como as fontes dos recursos também são diferentes a criação de um fundo não limita o outro.





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