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RET-SUS: 10 anos

Resgate da trajetória da rede, análise do presente e avaliação do futuro
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 03/03/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

“A rede é principalmente um conjunto de relações políticas e técnicas e, em menor escala, também tecnológicas, no sentido da comunicação, da criação de estratégias, como sites, etc. Mas o essencial é a mobilização de capacidades técnicas no conjunto das escolas para resolver problemas que lhes são comuns; a tomada de decisões compartilhadas entre as várias instituições para a condução de estratégias de interesse comum; e o papel muito importante que tem a instância central do SUS de estimular essa função colaborativa”. A definição é de José Paranaguá de Santana, coordenador do programa de cooperação internacional / TC 41 da representação brasileira Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), e descreve muito bem os objetivos que levaram à criação da RET-SUS.  

O ano é 2000. Após um período intenso de debates, bastante estimulados pela criação do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Enfermagem (Profae), Coordenação Geral da Política de Recursos Humanos do Ministério da Saúde (CGPRH/MS), Opas, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) chegam a um consenso sobre a natureza da Rede de Escolas Técnicas de Saúde do SUS. Instituída em 28 de novembro, pela Portaria nº 1.298, a RET-SUS é oficialmente lançada no dia 7 de dezembro do mesmo ano.

O evento, que aconteceu no Rio de Janeiro, no campus da Fiocruz, contou com a participação de todos os diretores das 26 escolas até então existentes, dos coordenadores de recursos humanos das secretarias estaduais e municipais de saúde e de membros da Comissão Geral de Coordenação da Rede, a instância deliberativa que, naquela época, contava com representantes das cinco instituições que fundaram a RET-SUS. Mais tarde, um representante das ETSUS seria eleito para desempenhar a função de intermediário direto entre os desejos e necessidades das escolas e centros formadores.

Marli Pasqualim, primeira representante das Escolas na Comissão Geral e ex-diretora do Centro Formador de RH Caetano Munhoz da Rocha (ETSUS Paraná), lembra que antes da RET-SUS, a relação entre as escolas era incipiente e marcada por ações isoladas. “A rede vem como uma via de mão dupla, um ajuda o outro. Antes, as escolas não tinham sequer essa oportunidade de ter a visão do outro; não tinham voz e ter voz passa por esse conhecimento do outro, para que você possa melhorar; corrigir; constituir; elencar as prioridades”.

Marli explica que o trabalho de um representante era basicamente fazer contato com as escolas e levantar os pontos comuns que serviriam de base para apresentar à Comissão Geral. “Fundamentalmente a gente queria de fato fortalecer essas escolas, dar condição de fortalecer em infraestrutura, terreno, sede, mas também a capacitação dos seus gestores, da equipe técnica para poder conduzir um bom trabalho”.   

Desde o seu lançamento até 2008 a Rede contou também com uma Secretaria Técnica, cuja função era apoiar técnica e administrativamente seu funcionamento, sediada na EPSJV. “A ideia da Secretaria era dinamizar a rede e ser um elo entre as Escolas e o que estava acontecendo no contexto das políticas do Ministério. Também tinha o papel de dar visibilidade externa, para outros atores e para elas mesmas”, afirma Renata Reis, ex-coordenadora da Secretaria Técnica da RET-SUS.

Trabalho em rede

No início das discussões que levaram à criação da RET-SUS havia uma certa confusão sobre o que era necessário para o seu funcionamento. “O trabalho em rede hoje é mais claro, é um conceito mais incorporado ao sistema de saúde. Naquele momento não era assim. Lembro que nas primeiras reuniões para a implementação da RET-SUS havia um grupo mais jovem de técnicos do Ministério que insistiam em associar rede à instalação de cabos para interligar as escolas”, relembra Márcia Teixeira, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, que à época foi contratada pela Opas para disparar a implantação da Rede.

Aliás, antes de ser RET-SUS, a rede recebeu o nome provisório de Rebeps – Rede Brasil de Educação Profissional em Saúde. No documento que descreve essa primeira proposta é possível vislumbrar pontos em comum com o que viria a se consolidar mais tarde. Por exemplo, o objetivo principal das duas redes estava claro desde o início: minimizar o isolamento de escolas técnicas e centros formadores no sentido de fortalecer esses espaços e diminuir as assimetrias existentes de instituição para instituição através do compartilhamento de experiências.

“A Rede foi importante para dar visibilidade política às escolas, que começaram a ocupar esse espaço da formação técnica de nível médio para o SUS. A demanda inicial das ETSUS era de tudo, porque elas foram surgindo nos estados de maneiras diferentes. A estrutura operacional, os projetos pedagógicos, a forma de financiamento, era tudo muito heterogêneo”, lembra João Batista Silvério, primeiro suplente da representação das Escolas na Comissão da RET-SUS e então diretor da Escola Técnica de Saúde do Centro de Ensino Médio e Fundamental da Unimontes.

“Além de fortalecer o ensino técnico em saúde como um todo, a rede era um instrumento de produção de conhecimento, porque na medida em que você gera os conhecimentos o outro já pode partir daí e não precisa começar do nada”, afirma Joana Azevedo, que representava a CGPRH na Comissão.

Coordenador da CGPRH à época do lançamento da RET-SUS e atual presidente da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), Rômulo Maciel lembra que a Rede foi importante para a instituição posterior de uma política nacional. “Havia uma avaliação de que a estrutura de formação do nível médio era, além de super fragmentada, desarticulada. Existiam programas, como o Larga Escala, para resolver problemas estruturais de maneira pontual. Não existia uma estrutura que pudesse ser utilizada para a veiculação e desenvolvimento de políticas mais abrangentes do ponto de vista nacional”.

Para ele, a RET-SUS garante uma sinergia entre essas unidades, dando organicidade a elas. “Ela oferece um grau maior de institucionalidade que as instituições sozinhas não teriam. Um dos efeitos foi sentido pela incorporação que Conass e Conasems fizeram da Rede como um espaço técnico da área de recursos humanos”, afirma. 

“Desde a criação do SUS, houve um movimento importante na direção da municipalização, a figura do município passa a adquirir mais força. Mas, até 1988, eram poucos os municípios que tinham secretaria de saúde. Então, era e ainda é um desafio constituir essas secretarias em face da falta de pessoal disponível e sem qualificação adequada. Essa é uma questão tão importante para o pleno funcionamento do SUS quanto o financiamento ou a qualidade da gestão”, explica Neilton Oliveira, ex-presidente do Conasems.

Para ele, a constituição da RET-SUS foi um desencadeador de outros movimentos, tanto para dentro da gestão do sistema de saúde, quanto para dentro da rede formadora de nível superior. “Esse é um grande embate ainda hoje: formar pessoal identificado e adequado às necessidades dos serviços e com as características regionais e locais de saúde da população”.    

Também Marli Pasqualin vê na Rede uma inspiração para outras áreas. “Trabalho na Rede de Escolas de Governo e ainda não temos uma unidade tão organizada quanto tem a RET-SUS”, afirma, explicando: “A área de saúde no contexto geral de outras políticas públicas é uma área de vanguarda. As outras instituições, outros segmentos governamentais estão pensando em constituir um observatório, enquanto que a saúde já tem exemplos para mostrar e colaborar. É um exemplo a ser seguido”.

Uma década depois

Atualmente, a RET-SUS reúne 36 Escolas Técnicas e Centros Formadores de Recursos Humanos do SUS e está presente em todos os estados do Brasil. Dessas, 33 são estaduais, duas são municipais e uma é federal. A maioria delas é vinculada diretamente à gestão do SUS e mesmo as que pertencem a outras secretarias, como Educação e Ciência e Tecnologia, têm gestão compartilhada com a Secretaria de Saúde.

A portaria que criou a Rede foi atualizada em 25 de novembro de 2009. A Portaria nº 2.970 define como seus objetivos: compartilhamento de informação e conhecimento; busca de soluções para problemas de interesse comum; difusão de metodologias e outros recursos tecnológicos destinados à melhoria das atividades de ensino, pesquisa e cooperação técnica, tendo em vista a implementação de políticas de recursos humanos de nível médio em saúde; e promoção da articulação das instituições formadoras de trabalhadores de nível médio em saúde no país, com vistas a ampliar sua capacidade de atuação em sintonia com as necessidades ou demandas do SUS.

A Coordenação Geral de Ações Técnicas do Ministério da Saúde coordena a Comissão Geral da Rede, que também conta em sua estrutura com uma Secretaria Executiva, que desenvolve ações de comunicação institucional desde julho de 2010 e está instalada na EPSJV.