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RET-SUS: 10 anos

Resgate da trajetória da rede, análise do presente e avaliação do futuro
Joana Algebaile - EPSJV/Fiocruz | 03/03/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Ao longo de uma década, as Escolas Técnicas do SUS se aproximaram e perceberam suas muitas semelhanças, além, é claro, de identificarem algumas diferenças que também serviram como motor para o inesgotável aprendizado do trabalho em rede. E é partindo dessa perspectiva que a Revista RET-SUS convidou as cinco representações regionais das Escolas para fazer um balanço dos últimos dez anos e diagnosticar quais são os desafios que o futuro reserva para aqueles que lutam por uma educação profissional em saúde que seja pública e emancipatória. Com a palavra, Anna Lúcia Abreu (Norte); Maria Ivanília Timbó (Nordeste); Fernanda Moura (Centro Oeste); Maria Helena De Nardi (Sudeste) e Claudia Lange (Sul).

Norte

Anna Lúcia Abreu, diretora da Escola Técnica em Saúde Maria Moreira da Rocha

Como avalia o atual momento das ETSUS da região Norte?

A instituição da rede foi uma grande fomentadora para a melhoria das escolas. Foi a partir desse momento que as ETSUS tiveram condições de se estruturar melhor e ter mais visibilidade. Os financiamentos de programas como o Profae e a Pneps [Política Nacional de Educação Permanente em Saúde] permitiram que elas se estruturassem fisicamente e adquirissem equipamentos.

Além disso, o intercâmbio entre as escolas da rede é muito bom. Podemos contar com escolas com experiências e conhecimentos variados, tirar dúvidas. Isso tudo é essencial para o fortalecimento das escolas. Outra questão importante propiciada pela RET-SUS foi a participação das escolas e seus profissionais em projetos internacionais, como na cooperação técnica com o Haiti e os países de língua portuguesa.

 Qual é a grande dificuldade das escolas do Norte?

A grande dificuldade é a diferença de gestão, que resulta da legislação de cada estado. Seria bom se a rede pudesse instituir um padrão. O fortalecimento da gestão é essencial para o desenvolvimento das escolas. Outra questão importante é a promoção de novas capacitações pedagógicas. Desde o Profae, muita coisa se perdeu. Como não há um quadro mínimo de profissionais, por conta de mudanças de governo há uma rotatividade grande e já há a necessidade de capacitar mais e melhor nossos docentes.

As escolas da região foram fundadas neste período de existência da rede e são, portanto, recentes. O que essa pouca experiência acarreta?

Mesmo as escolas mais antigas, como a do Acre, só se fortaleceram com a rede. Hoje, a região faz de tudo para atender da melhor maneira às demandas do SUS. No entanto, ainda enfrentamos um pouco de descrença por parte de instituições parceiras, que acham que não temos capacidade de oferecer certos cursos. O Ministério da Saúde e a RET-SUS nos apoiam muito, mas precisamos que outras instituições nos vejam com esses mesmos olhos. A questão geográfica muitas vezes é um problema. Mas temos na região duas escolas que conseguiram fazer o ciclo completo do curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde: o Tocantins e o Acre. Muitas escolas maiores e mais antigas ainda não conseguiram essa realização.

Temos dificuldades como todas as outras ETSUS, mas somos capazes.

 Como a instituição da RET-SUS interfere na execução de projetos voltados para a região, como o Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil?

A conjunção da rede com o Pacto possibilitou que oferecêssemos cursos pós-técnicos e que agíssemos com um pouco mais de ousadia. Por ser uma iniciativa voltada para uma região muito específica, a Amazônia Legal, não tivemos uma integração grande com as escolas do país todo, que não têm conhecimento pleno de nossa realidade. Mas as escolas envolvidas foram parceiras e se apoiaram para atender ao Pacto.

Quais os maiores desafios que as ETSUS terão nos próximos anos?

Executar os cursos do Profaps com qualidade. O caráter mais diferenciado dos cursos prioritários nos confronta com um grande desafio. A maioria das escolas da região não tem a expertise nesses cursos, mas reconhecemos que eles são muito necessários para a população e vamos trabalhar para formar bons profissionais. Para isso, temos que preparar melhor os mediadores, buscar acervo bibliográfico e uma boa articulação com os serviços.

 Como a região Norte está se preparando para o Profaps?  

A maioria das escolas ainda não recebeu os recursos. Os repasses fundo a fundo chegam às secretarias estaduais de saúde, mas demoram a chegar para as escolas. Talvez pudéssemos pensar em uma nova estratégia para resolver o impasse. Fora isso, há um esforço coletivo para a preparação de docentes e elaboração de planos de curso e materiais didáticos.

 O que seria um desafio particular da região Norte?

Não sei ao certo se é um problema exclusivo do Norte, mas a melhoria da gestão das escolas é necessária e urgente.

Nordeste

Maria Ivanília Timbó, coordenadora da Educação Profissional da Escola de Saúde Pública do Ceará

 Como avalia o atual momento das ETSUS da região Nordeste?

Estamos em um momento dinâmico, em que as escolas estão interagindo, respondendo aos objetivos das oficinas promovidas pela SGTES/Deges. Esses encontros foram importantes para que pudéssemos alinhar questões, identificar situações-problema em comum e vislumbrar soluções.

As escolas da região estão se vendo umas nas outras e ressignificando posturas e processos pedagógicos. A SGTES/Deges, em sintonia com as necessidades das escolas, convidou os conselhos estaduais de educação para a discussão sobre questões que dificultam a operacionalização dos cursos.

Acredito que a rede oferece muito mais oportunidades do que as escolas estão usufruindo.  Quando há comando do MS, as escolas respondem com trabalho. Mas, ainda somos tímidos, as escolas ainda são pouco proativas. Penso que esse é um exercício que estamos fazendo e chegará o momento em que seremos uma rede mais plena.

Como a instituição da RET-SUS interfere na execução de projetos como o Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil na região?

Este movimento permitiu a construção de um trabalho coletivo. Nessa ação, vê-se o papel da rede. Agora, cada escola tem um  material para adaptar de acordo com a sua realidade. Pois, mesmo estando inseridas em uma mesma região, as ETSUS do Nordeste têm cada uma suas peculiaridades e na hora de implementar políticas, isso se manifesta.

A descentralização dos cursos é uma preocupação para as escolas do Nordeste?

Todas as escolas priorizam a descentralização dos cursos, para atender melhor à população, interiorizando a qualificação. Nos últimos anos as ETSUS têm aproveitado os recursos disponibilizados pelo Ministério da Saúde para melhor desenvolver a operacionalização dos cursos nesta modalidade.

Quais as perspectivas e planos para o curto e médio prazo?

Tivemos em 2010 grandes oportunidades. O desafio para o futuro é colocar tudo em prática. Temos que implementar os cursos do Profaps. São cursos novos para quase todas as ETSUS do Nordeste e todas vão oferecer pelo menos um entre os quatro prioritários.

Um desafio constante é que, apesar dos recursos disponibilizados pelo MS, ainda há entraves nas legislações estaduais que impedem a execução dos cursos. Acredito que está perto a hora em que os estados vão entender que precisam abrir possibilidades administrativas para aplicar os recursos na formação dos profissionais do SUS.

Como o trabalho em rede pode colaborar para que esses desafios sejam superados?

Como escolas inseridas em uma rede, temos que entender que há ferramentas que podem ser utilizadas e que devemos compartilhar experiências, problemas e soluções. Dentro das regionais, as escolas têm que se aproximar mais. A rede está instituída e o fortalecimento vem acontecendo. Mas as escolas podem e devem usufruir mais dela. Para isso, é de extrema importância que realizemos encontros regionais com o objetivo de trabalhar pontos específicos da região, socializar, discutir. Trabalhar junto facilita, viabiliza que as coisas aconteçam.

Centro-Oeste

Fernanda Moura, diretora da Escola Técnica de Saúde de Brasíli

Como avalia o atual momento das escolas da região Centro Oeste?

 Avalio como um momento extremamente enriquecedor de vontade coletiva em realizar novas ações, garantir espaço e inserção no cenário político dos seus estados e do Distrito Federal. Destaco ainda a existência de uma cultura de coletivo, no que tange à troca de informações, cooperação e atuação compartilhada entre as escolas garantindo a visibilidade na rede.   

Como a instituição da rede colaborou para o desenvolvimento das escolas?  

Os benefícios são muitos quando se vive em uma cultura associativa entre pessoas com estratégias de articulação, troca e construção de conhecimentos e informação. O espaço de debates onde são compartilhadas experiências, dificuldades e busca de soluções para fortalecimento da formação técnica de nível médio em sintonia com as demandas ou necessidades do SUS é sempre positivo.

Nesse período de 10 anos, houve ampliação de cursos descentralizados?

As escolas de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás já têm essa cultura institucional de oferta de cursos descentralizados, procurando ampliá-la e diversificá-la, de acordo com as necessidades locorregionais de educação profissional. O Distrito Federal, por apresentar uma organização administrativa diversa dos outros estados, oferece seus cursos de forma centralizada.

Quais os maiores desafios que as escolas da Região Centro Oeste terão a partir deste ano?

O grande desafio será a operacionalização dos novos cursos elencados pelo Profaps – Citologia, Radiologia, Hematologia e Vigilância em Saúde –, que irão requerer novas parcerias, tendo em vista as especificidades das competências exigidas para essas formações.

 Como o trabalho em rede pode colaborar para que os desafios possam ser superados?

 O trabalho em rede será crucial para fortalecer o processo de planejamento e execução das ações, mediante a atuação compartilhada, dinâmica e cooperativa dos atores sociais que compõem a RET-SUS.

Sudeste

Maria Helena De Nardi, diretora do Centro Formador de Recursos Humanos para o SUS São Paulo de Araraquara

Como avalia o atual momento das ETSUS da região Sudeste?

A RET-SUS, enquanto uma rede governamental vem cumprindo muito bem os objetivos propostos quando de sua criação, que têm como principais premissas o compartilhamento, a busca por soluções para problemas de interesse comum e a articulação entre as ETSUS.

Embora, muitas das 12 Escolas Técnicas do SUS e Centros Formadores da região Sudeste tenham sido fundadas antes da instituição da rede, sem sombra de dúvidas foi após a sua criação que houve um desenvolvimento muito maior e mais importante. Foram sensíveis as mudanças ocorridas após a criação da RET-SUS, como uma maior visibilidade das escolas e questões pedagógicas, como a utilização de conceitos únicos para todas as escolas. Houve um período de estrangulamento dos trabalhos, com a paralisação das atividades da Secretaria Técnica, todavia, com a reativação das ações sente-se o grande avanço na articulação da rede, investimento no aprimoramento e logística da tecnologia da comunicação e a maior aproximação com as cinco representações regionais.

Quais são os fatos mais importantes neste período?

 A RET-SUS vem investindo no trabalho das ETSUS da região Sudeste, desde o Profae, dando maior visibilidade, fortalecendo e dando “unidade na diversidade” das 12 escolas, no que se refere aos princípios pedagógicos, aos princípios de gestão e ao eixo pedagógico das ETSUS.

No momento, quais as metas comuns que as ETSUS do Sudeste têm?

 Visando a melhoria da qualidade das ações das ETSUS da região Sudeste, considero o investimento do Deges nas oficinas de trabalho como disparador de grandes expectativas e desafios para o futuro. Nesse sentido, o relatório da nossa última reunião regional, realizada em novembro de 2010, indica ser importante manter a agenda de oficinas e reuniões regionais; repensar, reformular ou adequar o projeto político pedagógico das escolas; prosseguir os estudos e articulações visando à constituição da estrutura de RH mínima para cada escola; investir em estruturas física, material e de equipamentos adequadas às diversas realidades; ampliar a participação das escolas nos projetos de pesquisa, com financiamento do Ministério e da Opas; ampliar as articulações com órgãos colegiados; implantar bibliotecas e laboratórios itinerantes, para atender às classes descentralizadas e assegurar um mínimo de autonomia financeira para as escolas.

Como o trabalho em rede pode colaborar para que essas metas sejam alcançadas?

As escolas devem se empenhar para garantir uma maior integração e troca de experiências sobre temas como material didático, elaboração de currículos, metodologias de trabalho, que são comuns a todas elas. As ETSUS podem fomentar esse contato independente da provocação do Ministério da Saúde. É importante que levantemos prioridades e discutamos não só os problemas, como as propostas de solução para os mesmos.

Como está a implantação do Profaps na região?

Estamos aguardando a finalização da discussão sobre os referenciais curriculares para elaborar os planos de curso. Nessa fase, será importante o apoio do Ministério da Saúde e da RET-SUS. Acredito que o Profaps não começará em larga escala, por conta dos requisitos de estrutura e equipamentos necessários ao oferecimento dos cursos, que são complexos. Em um primeiro momento, teremos uma experiência-piloto, que poderá ser ajustada e ampliada no futuro.

Sul

Cláudia Lange, diretora da Escola Técnica de Saúde de Blumenau

Como avalia esses 10 anos de rede, sob a ótica das ETSUS da região Sul?

 Nesses 10 anos, a formação dos agentes comunitários de saúde foi um marco, pois deu visibilidade às escolas da região. O grande número de alunos e o envolvimento com os municípios fizeram com que as ETSUS ficassem mais conhecidas e fossem mais interiorizadas. A exceção é o Rio Grande do Sul que ainda tem muita dificuldade junto ao Conselho Estadual de Educação para a autorização de cursos descentralizados. Em alguns estados da região, há muitas escolas privadas. Mas os ACS só são formados nas ETSUS. Então, por conta da formação desse profissional, as escolas puderam mostrar melhor o amplo trabalho que realizam.

As escolas também passaram a participar mais da articulação com os conselhos de educação e de saúde, assim como com a Comissão Intergestores Bipartite, as Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço e os Colegiados de Gestão Regionais.

Uma questão importante foi a modernização das escolas a partir dos recursos do Profae. A discussão do projeto político-pedagógico e a informatização permitiram que as escolas fossem alavancadas, eliminando grandes distorções entre elas. Hoje, todas têm um nível de trabalho muito parecido.

No momento, quais as metas comuns que as ETSUS do Sul têm?

Acredito que temos que aprimorar a capacitação dada aos docentes e investir mais na construção do material didático. Além disso, já está na hora de fazer um estudo e termos uma discussão mais aprofundada dos projetos político-pedagógicos já existentes. Para isso, é imprescindível que façamos reuniões regionais regularmente e que também discutamos as questões comuns a todas as escolas em encontros com a participação de todos.

Neste período houve ampliação dos cursos descentralizados, oferta de vagas e cursos?

Inicialmente a região oferecia quase que exclusivamente a formação para o técnico em enfermagem. Ao longo desses dez anos, passamos a fazer cursos técnicos em Saúde Bucal, em Vigilância em Saúde, aperfeiçoamento para o cuidador de idoso. E, como já mencionei, a relação mais estreita com os municípios propiciou uma maior descentralização.  

Quais os maiores desafios que as ETSUS têm atualmente?    

Um grande problema que enfrentamos é o pagamento de hora-aula. No Paraná, há uma legislação específica que facilita a questão. Mas as outras escolas ainda têm que ordenar isso da melhor forma. Outra dificuldade é a questão dos Conselhos Estaduais de Educação na descentralização dos cursos. Há uma burocracia muito grande e escolas chegam a levar mais de um ano para aprovar um curso. Esse processo tem que ser otimizado.

Como o trabalho em rede pode colaborar para que esses desafios sejam superados?

Temos que trocar mais. Efetivamente, na rede, as trocas são pouco usadas. É preciso fazer um esforço maior. Esse ano passaremos por uma espécie de recomeço, com mudanças por conta das alterações nos governos estaduais. A rede tem que se fortalecer para que as escolas possam dar apoio umas às outras. Há que se ter um empenho maior para efetivar e utilizar a rede. Para isso, temos que criar momentos de discussão, como a realização de videoconferências – que é um instrumento que nos aproxima e fortalece muito.

Como está a implantação do Profaps na região?

No ano passado participamos de reuniões e o principal foco aqui no Sul é o curso de Vigilância em Saúde. Essa foi a maior carência identificada pelos CGRs. Os outros cursos ainda estão em estudo, principalmente porque os profissionais atuam em instituições privadas que prestam serviço ao SUS. Não foi identificada uma demanda direta por parte do serviço público.

Neste período, o que considera um acontecimento de destaque?

Acho que conseguirmos formar egressos com autonomia, pessoas mais críticas que fazem um trabalho diferenciado. Destaco a transformação do serviço, que se dá por conta da metodologia utilizada nos cursos das ETSUS. Hoje, o profissional formado pelas escolas da rede desenvolve competências com mais propriedade, o que fortalece o SUS na região.