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Trabalhadores técnicos na prevenção e tratamento do câncer de mama

Técnicos em análises clínicas, radiologia, citopatologia e radioterapia têm importante papel na prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer no Brasil
Ana Paula Evangelista - EPSJV/Fiocruz | 19/10/2018 13h07 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Desde 1990 o mês de outubro é dedicado à campanha que estimula a participação da população no controle do câncer de mama. O objetivo da campanha deste ano, promovida pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), é fortalecer as recomendações do Ministério da Saúde para o rastreamento e diagnóstico precoce do câncer de mama e desmistificar conceitos em relação à doença. Segundos dados do Instituto, estimam-se 59.700 novos casos de câncer de mama no Brasil para 2018, com um risco estimado de 56,33 casos a cada 100 mil mulheres. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, esse tipo de câncer também é o primeiro mais frequente nas mulheres das Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do país.

Para evitar mais casos, o foco da campanha é a prevenção, já que, quando detectado em fases iniciais, aumentam as chances de tratamento e cura. A recomendação do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) é a realização da mamografia de rastreamento (quando não há sinais nem sintomas) em mulheres de 50 a 69 anos, uma vez a cada dois anos. E é aqui que começa a despontar a importância dos trabalhadores técnicos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Quem realiza a mamografia é um profissional técnico em radiologia. Segundo Alexandre Moreno, professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, é indispensável que o exame seja realizado por um profissional especializado, qualificado e habilitado nas práticas radiológicas. “O técnico em radiologia, além de manusear o equipamento, nesse caso o mamógrafo, também faz o acolhimento e explica como o procedimento que será realizado. Isso é muito importante, pois muitas mulheres sentem medo e ficam inseguras. Esse papel de conscientização também é o técnico quem faz”, explica e acrescenta: “Uma mamografia executada por um profissional habilitado evita radiografias tremidas, por exemplo, o que contribui para a redução na dose de radiação recebida pelo paciente e melhora qualidade da imagem, evitando resultados imprecisos”. Para Alexandre, apenas o profissional técnico é capaz de garantir o posicionamento ideal da mama no equipamento, dando conforto e segurança à paciente.

É esse cenário que a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio desempenha um papel fundamental na formação desses profissionais. Desde 2012, oferece o Curso Técnico em Radiologia que, no último processo seletivo, teve mais de 35 mil inscritos para as 30 vagas oferecidas. “Temos hoje uma demanda de 240 alunos cadastrados em fila de espera. Tivemos essa grande demanda devido à carência dessa formação. Aqui no Rio de Janeiro só nós [EPSJV/Fiocruz] oferecemos esse curso e no Brasil são poucas instituições públicas que tem essa formação técnica. Em sua maior parte, são cursos privados que não têm a premissa da saúde pública, do SUS. Um dos desafios é ter mais espaço nas instituições públicas”, afirma Alexandre Moreno, coordenador do curso.

E foi a partir do técnico em radiologia que a Escola passou a ofertar também a Especialização Técnica de Nível Médio em Mamografia. O objetivo é especializar técnicos nessa área de modo a atender à demanda nacional de profissionais, em especial na rede pública. A ênfase do curso são os riscos ocupacionais, a saúde coletiva e a política de atenção básica a mulheres na prevenção do câncer de mama, principalmente por conta da crescente demanda dos serviços de imagem. Além disso, enfoca também as normas e recomendações vigentes no país para o exercício dessa prática. Os alunos dessa formação fazem estágio supervisionado em Instituições públicas de saúde.

Prevenção e diagnóstico

Leandro Medrado, professor-pesquisador da EPSJV destaca outros profissionais técnicos que atuam diretamente na prevenção e cuidado ao câncer, como o técnico em citopatologia, formação que também é oferecida pela Escola em parceria com o Inca.  “No caso do câncer de mama, eles fazem a análise das punções para identificar alterações celulares a fim de pegar o processo de carcinogenese no começo, tentando evitar formações de metástase”, explica Leandro, que também é coordenador do curso. O curso prioriza trabalhadores do SUS e que já realizem trabalho em laboratórios. “Teoricamente, segundo a legislação, existe o trabalhador técnico que vai atuar na base do diagnóstico inicial e vai elaborar um laudo técnico que, na verdade, vai servir de base para o diagnóstico feito pelo médico. Isso no caso da citopatologia é muito importante. Em 70% dos casos, esse laudo técnico é o único que o paciente vai ter e que, portanto, vai determinar o diagnóstico. São milhões de exames que saem com o diagnóstico dado pelo técnico”, destaca Leandro. Exatamente por isso, o professor reforça a necessidade de uma boa formação desses trabalhadores. “Os cursos de citologia clínica não têm preparado esses profissionais para a análise técnica das lâminas, por exemplo. No nosso curso técnico, os alunos só se formam depois de dar o diagnóstico de 1.900 lâminas. Eles têm que ler essa quantidade de lâminas e fechar o diagnóstico durante todo o percurso do curso”, explica.

Desde 2012, ama vez por ano, a Escola abre três vagas para cada região do país uma vez por ano. Mas a demanda para a formação desses profissionais ainda é grande. “Há uma lacuna grande no SUS no que tange ao trabalho na área da anatomia patológica. O que exisste está muito abaixo do preconizado”, alerta Leandro.

A EPSJV também oferece a formação técnica em análises clínicas, nesse caso, voltada para jovens que cursam, concomitantemente, o ensino médio. Esse técnico trabalha com diagnósticos importantes em casos de câncer, coleta e processa materiais biológicos através de exames, fornecendo dados que apoiam diagnósticos médicos e, além de atuar em hospitais e serviços de saúde em geral, participa de equipes multiprofissionais em pesquisas científicas. “Para essa formação, tentamos trazer não só essa referência das novas tecnologias, saber que o mundo técnico está em constante aperfeiçoamento e que ele precisa acompanhar isso, mas também ajudar esse profissional a compreender a sua própria inserção no sistema de saúde e no trabalho da saúde”, afirma Leandro.

Atualmente o curso de análises clínicas oferecido pela Escola agrega conteúdos  que são tratados normalmente no Técnico em Histologia, curso que também já foi oferecido pela Escola. Esses técnicos atuam diretamente com o diagnóstico do câncer, incluindo o de mama.  “O histotécnico é quem vai fazer o diagnóstico final do câncer. Quando há uma suspeita encontrada pela citopatologia, há necessidade de incluir esse técnico em histologia no processo, pois são eles que determinarão o que chamamos de diagnóstico ouro”.  Leandro explica que esses técnicos em histologia são capazes de determinar o diagnóstico mais inquestionável do câncer que se pode fazer, por isso chamado de diagnóstico ouro. “A  citopatologia faz a determinação prévia, levanta suspeitas. Em grande parte, os diagnósticos são definitivos. Mas quando precisa de alguma definição mais concreta, com uma aptidão maior, o processo passa para mãos dos técnicos em histologia”.

Apesar da importância desse trabalho, não existe no Brasil uma regulamentação profissional que estabeleça um conjunto de regras e disposições legais que balizem a formação e a prática de um técnico em histologia. Também não há regulação, que envolve a fiscalização e o controle do exercício profissional, realizado majoritariamente por organizações dos próprios pares (conselhos profissionais). No caso dos técnicos em análises clínicas, o que existe é, na avaliação de Leandro, uma regulamentação “muito frágil”, associada ao Conselho Federal de Farmácia. “É uma regulamentação que não tem como objetivo fortalecer o técnico, mas sim colocá-lo sob a tutela do Conselho. Então, por falta dessa regulamentação, por falta de uma capacidade regulatória sobre o processo de trabalho, e também pelo fato de as profissões técnicas terem sido relegadas a uma formação de baixa qualidade nos últimos anos nas políticas de educação, os técnicos que já estão nos serviços há muito tempo não conseguiram em vários aspectos se adequar às novas tecnologias. E isso fez com que os donos de laboratórios [privados] trouxessem como mão-de-obra biólogos e biomédicos, por exemplo”, lamenta Leandro Medrado.

Radioterapia

Além dos técnicos que trabalham na prevenção e diagnóstico, a EPSJV/Fiocruz também prepara trabalhadores para atuar no tratamento do câncer, incluindo o de mama. A Escola, em parceria com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS) e o Inca, coordena um projeto para a especialização em de técnicos em radiologia na área de radioterapia em todo o país. A iniciativa faz parte da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer e do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) – Brasil 2011-2022, do Ministério da Saúde. O Curso, que se chama Especialização Técnica de Nível Médio em Radioterapia com Ênfase em Aceleradores Lineares, prepara os técnicos tanto para a aquisição das imagens radiológicas para planejamento quanto para a aplicação das radiações ionizantes no paciente. Essa radiação se dá por meio de aceleradores lineares— equipamentos utilizados no tratamento do câncer — que, no processo de integração de várias ações no interior da política, começaram a ser distribuídos por 63 municípios de 22 estados e no Distrito Federal. Ao todo, serão 80 equipamentos. “Esses técnicos são aptos a operar esses aceleradores lineares que serão distribuídos pelo Brasil em hospitais que já têm [o tratamento de] radioterapia e em outros que não têm. E isso vai possibilitar a ampliação do acesso ao tratamento. Já temos quatro turmas finalizadas, somando 135 trabalhadores formados. Também estamos negociando a abertura de mais uma turma para 2019”, explica Alexandre Moreno, coordenador do curso, reforçando que as conquistas para a categoria e, consequentemente, para a população, que recebe atendimento especializado, deve-se também à regulamentação. “O Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia regulamenta os profissionais técnicos desde 1985. Inclusive, a exigência da regulamentação da especialização em radioterapia parte desse Conselho, pois é uma área muito específica e muito crítica. Com isso, até outubro de 2019, obrigatoriamente, o técnico que trabalha na radioterapia precisará ter a especialização. E é exatamente esse curso que a EPSJV/Fiocruz hoje oferece para o Brasil todo junto com o Ministério da Saúde”.

 

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